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Atlas: Índia

Compro um tuk-tuk, não pago bem

Foi em Agra, a cidade do Taj Mahal. Durante um engarrafamento, o motorista que nos levava não teve dúvidas: manobrou o tuk-tuk por cima do canteiro central da avenida, entrou na pista de sentido contrário e, buzinando freneticamente, dirigiu por quase um quilômetro. Sim, mil metros na contramão. Os outros motoristas, que obviamente também buzinavam enlouquecidos, desviavam.

Chegamos ao local desejado em segurança, assim como em todas as outras corridas de tuk-tuk que fiz na Índia – inclusive as que a Naty ou a Lu estavam dirigindo e o motorista estava no banco do passageiro. De quebra, ganhamos mais uma história para contar. E uma das boas.

A Índia não seria a mesma coisa sem os tuk-tuks, os simpáticos veículos de três rodas que são usados como táxis. Já contamos em outro post como o tuk-tuk, que também é chamado de auto rickshaw, nasceu: alguém percebeu que dava para ganhar uma grana puxando uma carruagem cheia de gente. Isso era feito na força bruta mesmo, para desespero de quem teve a ideia e agora tinha que levar passageiros debaixo do sol e morro acima.

Depois vieram os cicle rickshaws, que melhoraram (um pouco) a vida do motorista, que passou a pedalar pela cidade levando passageiros. O veículo motorizado foi uma evolução natural e logo tomou as ruas de vários países da Ásia. Na Índia, então, nem se fala. Virou paixão nacional.

Tuk-Tuk Indiano

A cada 24 horas, 300 milhões de passageiros são transportados de tuk-tuk na Índia. Em grande cidades, como Mumbai e Delhi, cerca de 50 mil simpáticos (e barulhentos) tuk-tuks dividem as ruas com carros, motos, bicicletas, caminhões, vacas, alguns elefantes e, claro, gente. Muita gente. Números que ajudam a comprovar o óbvio: assim como as vacas, os tuk-tuks são um símbolo da Índia.

O incidente de Agra passou longe de ser o único memorável. Varanasi que o diga. Passamos três dias incríveis na cidade mais sagrada para os hindus. Na tarde do último dia, pegamos nossas mochilas no hotel e seguimos até o ponto de tuk-tuk mais próximo. O objetivo final era a estação de trem, que ficava do outro lado da cidade.

Estávamos na cidade velha, que é fechada para o trânsito de veículos, então foi preciso andar bastante por becos e ruelas lotadas de gente, tudo com as mochilas nas costas. Pior para a Luíza, que fez o mesmo puxando uma mala de rodinhas por uma rua formada por quatro elementos: terra, água, buracos e bosta. Nem sempre de vaca.

Tuk Tuk na Índia

30 minutos antes do trem partir, chegamos ao ponto de tuk-tuk e iniciamos o sempre complicado processo de negociação.

“Queremos ir até a estação de trem. Quanto custa?”, perguntamos

“50 dólares”, respondeu um motorista. Repito: ele disse dólares.

“Pirou? Não queremos comprar o tuk-tuk”.

E seguiu a negociação, que normalmente é demorada e envolve um consumidor que finge que não precisa do serviço e um vendedor que finge que não faz questão de te atender. Ambos mentirosos, óbvio, mas esse blefe é fundamental para definir quem vai ganhar a parada.

Faltando 25 minutos para o trem sair, perdemos a discussão – fechamos a corrida em 300 rúpias indianas, ou 5 USD. Sim, bem menos do que o pedido inicial dele, mas umas quatro vezes mais que o justo. Mas que ficasse claro uma coisa: ele ia ter que correr. E muito (tenha em mente que a velocidade média de um tuk-tuk é 30 km/h).

Tuk-tuk, Índia

Entramos no tuk-tuk, que cortou as ruas de Varanasi… até achar dois carros parados no meio da rua. O motorista, que tinha captado nossa pressa (vai ver foi por isso que venceu a barganha) começou a buzinar. Não adiantou. Começou a gritar. Nada. Foi só quando  a gente se meteu e começou a gritar que os carros seguiram em frente.

Pronto! Essa foi nossa estratégia até o final – não tem carro que pare na frente de um tuk-tuk apressado, com um motorista que dirige loucamente e brasileiros que gritam como se não houvesse trem amanhã. Por sorte, chegamos. Não é que valeu a pena pagar aquele motorista?

Veja também: Guia da barganha na Índia

Trânsito Índia

Em Chandigarh, o meu dia começava assim: acordava, ligava o aquecedor de água, esperava dez minutos, tomava banho (metade do tempo com a água fervendo e gritando de dor, na outra metade com água fria e me enrolando na toalha). Depois, tomava o café e, quando todos estavam prontos, abríamos a porta de casa e lá estava ele! Nosso motorista de tuk-tuk particular, que logo percebeu que seria uma boa ideia fazer um ponto diário na frente da casa de uns gringos.

Íamos para a firma assim, todos os dias. Quando ninguém se atrasava, eram seis passageiros dentro do tuk-tuk, um amontoado de gente que tornava a viagem nada divertida. Se alguém dormia mais do que o devido, ótimo: dava para viajar sem ter uma perna (ou metade do corpo) saindo para fora do tuk-tuk.

Numa corrida de tuk-tuk não passei apenas frio, congelei. Não fiquei com medo do veículo bater, mas de cair para fora do tuk-tuk – e, do chão, observar o veículo seguindo seu caminho, sempre buzinando. Perdi as contas de quantas viagens fiz me pendurando na porta e vi vários estrangeiros serem convidados para dirigir o veículo – Naty e Lu fizeram isso. E, vale lembrar, na época nenhuma delas tinha carteira de motorista. Quem mais pode dizer que estreou a direção num tuk-tuk?.

motorista de Udaipur

Eu, Naty e Lu com o motorista mais gente boa de Udaipur

Eles não têm portas, só uma lona de plástico para proteger os passageiros do vento, e andam quase sempre lotados. Além disso,  quem viaja pela Índia aprende a fugir da insistência dos motoristas de tuk-tuk, que querem te levar para algum lugar, mesmo que você não queria ir. Tipo aquele dia em que vários veículos formaram um ponto ao meu lado, na expectativa que eu fosse precisar do serviço.

Ontem, conversando com a Naty, eu disse que a Índia continua sendo o clímax da minha vida até aqui. Dois anos e meio se passaram desde que eu deixei o país. Nesse meio tempo, trabalhei em três grandes empresas, pedi demissão duas vezes, me mudei de cidade várias vezes, passei três meses na Europa, fiz um trabalho voluntário na Argentina, pisei em três continentes e comecei a viver só da renda desse blog. Não adianta, nada se compara ao tipo de experiência que eu tive na Índia.

Mas talvez a prova definitiva de que estou morrendo de saudades da Índia – e, mais importante, de que em breve será hora de voltar lá – seja outra:  estou com saudade até dos tuk-tuks. Se alguém tiver um para vender no Brasil, me avise. Quem sabe não é um bom investimento. Pago em rúpias e, claro, estou pronto para barganhar o preço, começando em 50 dólares.

Tuk-tuk na Índia

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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10 comentários sobre o texto “Compro um tuk-tuk, não pago bem

  1. Cara andei de onibus em Delhi do maosoleu do Gandhi até Pahar Ganj de graça… tem uma certa distancia eu acho que o onibus é gratuito.. em Delhi pelo menos as vezes que peguei onibus e metro era cobrado pela distancia

    1. Não sabia disso, Ruben.

      Poucas vezes eu peguei ônibus dentro de cidades. Como estávamos sempre em grupo, valia mais a pena ir logo de tuk-tuk mesmo.

      Abraço.

  2. Pois, é. Estou achando dificílimo sair daqui. E olha que a Índia é a Índia! Mesmo com a péssima situação das mulheres, com zero infraestrututra, com lixo e sujeira pra todo lado (a vista do meu quarto é o fundo de uma favela misturada com um lixão), não consigo imaginar algo que seja melhor pra desenvolvimento pessoal… De vez em quando fico pensando naquele vídeo do filtro solar que tem aquelas passagens ‘live in NYC once, but leave before it makes you too…’ e imagino o que Mumbai está fazendo comigo. Quando vou pra BH morro de saudade dos tuctucs… Devo ficar por mais uns tempos, se quiser, marca a visita pra Mumbai!

    1. hahaha! A vista da nossa casa em Chandigarh também era um lote vago convertido em lixão.

      Tem data pra voltar? Estou pensando em ir mesmo. Saudades da Índia e da Ásia.

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