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Dinheiro, consumo e felicidade

“Não sei, acho que as pessoas estão doentes”, concluiu meu amigo, o olhar pousado em uma antiga fábrica, uma construção feiosa de tijolos marrons e janelas pequenas demais. Barcelona é cheia dessas fábricas velhas, lugares que um dia eram usados para fazer sabão ou cerveja. Com o aumento dos preços no centro da cidade, muitas dessas fábricas foram movidas para outros lugares e algumas dessas construções acabaram sendo usadas como espaços culturais e de eventos. Mas a construção para a qual olhava meu amigo estava abandonada.

Anos antes, o espaço havia sido ocupado por coletivos que acreditavam que o lugar deveria ter um uso social. Ali, ministravam oficinas, faziam mostras e até mesmo davam teto a quem precisava. Só que os donos reivindicaram o lugar e a polícia chegou para expulsar todo mundo e reintegrar a posse.

Desde então, a velha fábrica estava vazia. Por conta do jogo da especulação imobiliária, os donos não queriam alugar, não queriam vender, não queriam nada. “Tudo isso por dinheiro. Para eles não faria a menor diferença, podiam ter fechado um acordo com os coletivos já que o prédio não é usado para nada. Mas eles precisam ganhar mais, sempre mais. Tenho certeza de que se trata de algum tipo de doença”, continuou ele.

Eu nunca tinha pensado dessa forma, na ganância cega como um tipo de doença. Mas a conclusão me pareceu certeira. Que outra palavra poderíamos atribuir à ânsia de acumular cada vez mais, fechando os olhos para as consequências sociais, ambientais, econômicas desse estilo de vida? Ou à obsessão em alcançar sempre um degrau mais alto na escada da riqueza, sem se dar conta de que já se tem o suficiente, que gera uma insatisfação crônica que todos conhecemos bem? Só podemos estar falando de uma patologia crônica, uma epidemia social difícil de curar.

Notas de reais dinheiro

“As pessoas estão loucas. Às vezes sinto que vivemos em Capital”, disse eu para uma amiga, quando discutíamos uma nova tendência qualquer de consumo da área da estética. Para quem não conhece a referência, Capital é a cidade-sede do governo de Panem, o país imaginário de Jogos Vorazes. Seus habitantes possuem uma vida de plástico, baseada apenas na fartura, consumo cego e nas aparências. As pessoas dali estão tão imersas em seus mundos de consumismo e entretenimento vazios que são incapazes de se sensibilizarem pelas mazelas dos distritos, que sofrem para sustentar o estilo de vida deles. A representação pode ser exagerada, mas a crítica da nossa sociedade presente no livro é bem pertinente.

Eu não sou nenhuma franciscana. Tenho muito mais coisas do que eu preciso para viver. Gosto de roupas e maquiagem e tenho um interesse nada barato por tecnologia. Mas também nunca sou a pessoa mais consumista do rolê. Ou, pelo menos, nunca sou a que mais torra o dinheiro em coisas, já que boa parte do que eu ganho eu gasto em comida, viagens e experiências. Só que isso também é consumo e tem impactos socioambientais que devem ser considerados da mesma forma.

Alcântara, Maranhão

Vivemos em um mundo que consome e que nos impele a consumir cada vez mais. Para consumir cada vez mais, precisamos ganhar cada vez mais, aumentar o limite do cartão de crédito, contrair dívidas. Para pagar tudo isso é preciso trabalhar oito, nove, dez horas por dia. Gastar sua vida em troca de coisas, porque, como bem disse Mujica, o valor das coisas é o valor do tempo que você perde para obtê-las.

E é muito fácil cair nessa espiral se a gente não para para pensar. E, embora eu realmente acredite que uma certa quantidade de dinheiro seja essencial para uma vida feliz, qualquer coisa que vai além do que você precisa para se alimentar, ter saúde, transporte, acesso à cultura e uma diversão de vez em quando é supérfluo.

Eu costumo brincar que, se eu quisesse ser rica, não seria de humanas. De fato, minhas escolhas de vida nunca foram direcionadas pelo benefício econômico que me dariam. Ainda assim, já houve um tempo em que eu sonhei (delirei?) em ganhar muito dinheiro. Ter uma casa enorme, carro, não me preocupar com a fatura do cartão de crédito. Hoje eu penso no mínimo: qual é o mínimo que eu preciso ganhar para manter o estilo de vida que eu quero? Descobrir que não é tanto assim tira um grande peso das minhas costas.

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Eu quero

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones, no Youtube e em inglês no Yes, Summer!. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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14 comentários sobre o texto “Dinheiro, consumo e felicidade

  1. Bom dia!
    Imagino que por todos os lugares que você andou conheceu também várias religiões. Sou Cristã e achei interessante o teu comentário sobre o consumismo desenfreado. Me preocupo com o rumo que o mundo tá seguindo. Poucos tem consciencia de cuidar do nosso planeta. A Bíblia diz que devemos cuidar da Terra:
    “Na verdade, as nações se enfureceram; chegou, porém, a tua ira, e o tempo determinado para serem julgados os mortos, para se dar o galardão aos teus servos, os profetas, aos santos e aos que temem o teu nome, tanto aos pequenos como aos grandes, e para destruíres os que destroem a terra.” Ap 11.18
    Uma vez alguém me disse que não deveríamos nos importar tanto com o cuidado da natureza, visto que Deus já disse em Sua Palavra que há de destruir o mundo em breve. Portanto, se tudo será destruído, não há nada de tão grave assim em poluirmos os rios, o ar, etc. Será que os cristãos devem se importar com a natureza?
    No texto de Ap 11.18, o Senhor diz que chegará o tempo em que serão destruídos aqueles que destroem a terra. A razão é muito simples: ninguém pode destruir o que não é seu. Este planeta não é nosso, mas daquele que o criou. Portanto, destruir o planeta em que vivemos é pecado. Aceitar passivamente essa destruição também é pecado. É por isso que os cristãos deveriam se importar com o planeta.

    O Salmo 24.1 diz que “Ao SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam.” Se a Terra é do Senhor, devemos olhá-la e tratá-la com mais respeito, devemos nos importar com ela mais do que as organizações ligadas ao meio-ambiente. Nós, mais do que ninguém, sabemos de quem é esta Terra, quem a criou e que Ele nos ensinou sobre ela.
    Tenho 61 anos de idade e meu sonho quando me aposentar é viajar nem que seja sozinha mesmo.
    Que a tua caminhada por este planeta seja de conhecimentos científicos e também do poder de Deus.
    Um grande abraço. Deus te abençoe!

    1. Ei Neila, sim, já passei por diversos templos e escutei gente de religiões muito diferentes. Interessante ver o ponto de vista cristão. Obrigada.

  2. É muito doido esse momento em que vc tá lá, apostando na Mega Sena, mas não pensa mais dos 150 milhões. uns 3 já dava pra arrumar a vida e viver do que a natureza dá pra sempre hehe :p

  3. Que caso tão reflexivo e triste!
    O dinheiro falou mais alto que a empatia!
    Já fui vitíma dessa tal falta de empatia a favor da grana.
    Eu ultimamente estou tentando seguir o caminho do consumo consciente.
    Por que isso favorece eu economizar para poder viajar e torna minha vida mais prática.
    Prometi para mim esse ano,que meu guarda roupa será minimalista,parei de comprar blusinhas que só uso em raros casos(ter um monte de blusinhas prejudica a organização do guarda roupa). Parei de comprar varios batons(ter 3 ou 4 cores é o suficiente),parei de comprar cremes caros que prometem transformar crespo em cacheado(mentira pura,cabelo crespo não se transforma em cacheado).

    1. Acho que é bem por aí, Nati! Consumir de forma consciente e não cair na tentação de acumular. é um processo e muitas vezes eu falho nele, mas vamos tentando! 🙂

  4. Bom dia!!!
    Fiquei um tempo sem entrar no blog e hoje, quando tentei me atualizar, só consegui ver os posts da primeira página. Quando clico em “older posts”, a página atualiza mas volta para o mesmo site, mesmo mudando o link na parte de cima (por exemplo: diz “page 2” mas continua com os posts da primeira página). Mesmo escolhendo, por exemplo, os posts de um destino específico, as páginas anteriores não aparecem. Só comigo está acontecendo isso?
    Obrigada!

    1. Ei Mariana, estamos com um problema na exibição das páginas antigas, já estamos tentando resolver! Obrigada por avisar!

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