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Como viver para viajar: as respostas por trás da pornografia viajística

Por Tiago Caramuru, do 3em3

Essa é a pergunta que mais entra na minha caixa de email, disparada: “Como você faz pra viajar tanto?”. Também há as variações como “Sua vida é perfeita, qual é o segredo?”. E ainda, o mais assustador, os currículos que chegam de gente querendo trabalhar pra mim, mesmo meu trabalho não me rendendo um real sequer.

Antes de responder a pergunta, te peço calma. Você não precisa, desesperadamente, viajar. E está tudo bem em ter um emprego normal. Aliás, está tudo bem em ter um emprego – não saia chutando tudo, culpando o que está dando certo pelo que não está.

Hoje em dia, ter um emprego de escritório parece um crime. São dezenas de memes e frases sábias pipocando no feed do Facebook dizendo que você está desperdiçando sua vida no seu emprego chato; que quem não viaja, não vive e que você tem de viver do que ama. É uma pornografia viajística que faz parecer que, se você não viaja, é um merda.

Trabalhando em Puno, no Peru, em junho de 2016 

É verdade que, há duas ou três décadas, viajar era um luxo, o último item no checklist dos afazeres da vida. Tudo era mais importante e viajar era supérfluo. Só turistava quem podia. Hoje, felizmente, conhecer lugares novos e se abrir para o novo, mesmo que seja de vez em quando, voltou a ser uma prioridade. É legal ver esse movimento do ser humano indo ao encontro do que ele é. É só pegar qualquer livro de história: até que a nossa espécie descobrisse a arte de acumular, há cerca de 10 mil anos, ela nunca gostou de ficar plantada no mesmo canto. Tinha até uma rapaziada que ia andando da Sibéria até o Alaska, quando esses territórios eram conectados. Já pensou? Pena que não dá mais pra fazer isso.

Enfim, aceitar a nossa natureza nômade não significa virar adolescente outra vez. Eu sei que você esta sendo bombardeado por promoções de passagens e histórias lindas de quem largou tudo e foi viajar. Publicidade – ela faz isso mesmo. Já reparou que, até quando você viaja, fica com uma sensação de que deveria ter ido a outros lugares e visto outras coisas? Não tem jeito, meu caro. Mais uma vez, calma. Cada vez que você escolhe uma jornada, não escolhe todas as outras. Então deixe isso de lado. É só a sua ansiedade querendo cavar espaço no seu roteiro.

Há de se perceber que muitas dessas pessoas que largaram tudo e foram conhecer o mundo fizeram planos minuciosos de como se sustentar na estrada. Ou, então, transformaram isso em suas profissões – o que significa que não largaram tudo. Lembra do meme do cara que joga os papéis pro alto e diz “Foda-se, não preciso dessa merda!”? No quadro seguinte ele está recolhendo as coisas do chão, conformado que bancar o rebeldão não é uma grande escolha.

É nessa parte que entra a minha história e começa a minha resposta. Desde os 20 anos, quando fiz uma viagem sozinho, para Lisboa, cliquei que queria viver para viajar. Em um primeiro momento, tentei repelir a ideia: “Que coisa ridícula, todo mundo quer ser pago pra viajar!”. Na época, eu era bancário concursado e gastava cada centavo que ganhava viajando. Eram cerca de 6 meses sem tomar uma cerveja sequer para, nas férias, passar uma semana em algum lugar. Fui pra Portugal, Alemanha, México, Argentina, Chile, Canadá, Estados Unidos e África do Sul. Também passeei um pouco pelo Nordeste e pelo Rio.

pousadas em maragogi

Funcionava assim: uma vez que eu definia o destino, no primeiro dos seis meses antes da viagem, comprava a passagem. No mês seguinte, reservava os hotéis (a lógica das tarifas era muito mais clara e, reservando com antecedência, eu sempre pagava mais barato). No terceiro mês, comprava moeda e, no quarto, quinto e sexto, tudo já estava pago. Se eu tivesse como, juntava um pouco mais para uma extravaganciazinha – como o notebook que comprei em Montréal ou os ingressos para a Copa de 2010.

Meu salário, na época: R$ 2200,00, já contando com os benefícios. Havia também um comissionamento pelas minhas vendas, onde eu ganhava algo em torno de R$ 1000,00 a R$ 2000,00, por mês. É importante abrir os valores pra que a gente possa precificar nossos sonhos. Assim, eles passam para o mundo real e viram, efetivamente, planos. Quando falamos em dinheiro e números, não tem mais “muito ou pouco”, “caro ou barato”, e não dá mais pra transferir a culpa pra nada ou ninguém. O objetivo, agora, é tangível e a responsabilidade é nossa.

Voltando à minha história: depois de uns quatro anos neste esquema de “Junta 6, viaja 1/4”, essa rotina parou de funcionar. Eu queria viajar mais e não dava pra continuar ignorando as vozes interiores. Hoje, eu vejo o quanto fiz bem ao escutá-las, porque, tão jovem, descobrir o que traz sentido para sua vida é a maior chance de ser feliz que se pode ter. Foi aí que entrou a primeira grande decisão: trocar de profissão.

Era 2010, eu estudava Design Industrial e trabalhava em um banco. Bom, isso significava que eu não tinha medo de aprender. Remoía a cabeça e o Google, noite e dia, procurando trabalhos para quem gosta de viajar. Enquanto isso, escrevia meu primeiro blog, o Esvaziando a Mochila, e me enganava magistralmente, fingindo que aquilo era um hobby. No fundo, eu sabia que queria muito que alguma revista visse e me chamasse pra escrever. No auge da minha prepotência, cheguei a achar que seria questão de tempo até isso acontecer.

Entre cada pesquisa e esforço para viajar mais, uma amiga do banco, a Vanessa, veio falar comigo. Ela estava fazendo o processo seletivo da Emirates para se tornar comissária de bordo. Como nenhum de nós caía de amores pelo banco e conversávamos muito sobre viagens, ela me questionou: “Por que você não tenta?”. De cara, dei um rebote na pergunta, com um arrogante “Não viaja!”. A verdade é que, por mais seco e convincente que este “não” tenha parecido, eu não tinha convencido a mim mesmo. Como assim “não viaja”? Viajar mais era exatamente o que eu estava procurando.

Olhei para o papel que a Vanessa tinha me dado e comecei a ler mais sobre o emprego. Morar em Dubai com as contas pagas, ser bem pago para viajar… não parecia tão ruim assim. Se a pergunta, até então, era “por que se meter nessa?”, ela de repente passava a ser “por que não?”. Foi então que eu mergulhei na ideia e, depois de seis meses atravessando o processo seletivo, entrei na Emirates. Foram quatro anos fantásticos, dos meus 23 aos 27, em que eu viajava trabalhando, de férias e nas folgas. Era só abrir um mapa e decidir. Pegava as passagens com 90% de desconto e o mundo ficou pequeno.

Dubai, viagem

Dubai (Foto: Shutterstock)

Eu não gostava do trabalho, mas amava o emprego. Tinha que aguentar muita gente mimada, criada sob uma cultura onde maltratar quem te serve é admissível. Mas sabia que era o preço que eu tinha escolhido pagar para que, depois de algumas horas trancado em um avião, com vontade de bandeijar pessoas, eu estivesse no Coliseu ou no Sri Lanka, na Fórmula 1 em Singapura ou no show da minha banda favorita em Budapeste. Valeu a pena.

Em 2014, resolvi pegar o dinheiro que juntei em Dubai e voltei ao Brasil. Essa foi a segunda grande decisão e a mais mal pensada. Já com 27 anos, estabelecido financeiramente e com uma namorada por quem eu era apaixonado, faltou lucidez. Voltei em Julho daquele ano, no dia seguinte do 7×1. Eu nunca pensei em ficar em Dubai de vez, mas, analisando friamente, a volta foi precipitada. Enfim, adubei a vida com essa cagada e, em meados de Agosto, recebi uma mensagem do Anderson Spinelli, até então um amigo distante: “Vamos sentar num bar e conversar. Tenho um projeto em mente.”

A gente conversava às vezes por Facebook porque, quando eu estava no terceiro colegial, o Anderson namorava uma amiga minha da escola. Trocávamos idéias sobre destinos e fotografia, sempre tentando ter um projeto mirabolante pra viver disso. Aliás, quando você tiver uma ideia que parece absurda, exponha. Vai ter alguém que pensa como você e isso vai te ajudar a não desistir.

Eis que, no Paróquia Bar, esquina da Joaquim Távora com a Rio Grande, na Vila Mariana, conheci o Sidão e o Vinícius na noite do dia 8 de agosto de 2014. O Anderson juntou essa galera, que não se conhecia, e perguntou: “Vocês já fizeram vídeo?”. Ao receber a negativa de todos, confirmou que também nunca havia feito nada além de uns testes. Era a hora, então, de sermos matemáticos e somarmos forças – afinal, menos com menos dá mais. Um briefing e algumas horas depois, o 3em3 estava fundado, com nome, conceito, endereço no Youtube, fan page no Facebook, perfil no Instagram e domínio registrado.

Desde então, o 3em3 tem norteado toda a minha trajetória e ocupado o espaço de projeto da minha vida. Eu sempre quis viver pra produzir conteúdo de viagem. O que pouca gente sabe é que ele não dá dinheiro. Não que a gente não tenha procurado – exaustivamente – formas de patrociná-lo. Ele chegou em um nível legal, onde já é visto como um órgão de comunicação e, portanto, convidado para várias viagens de imprensa. Ano passado, por exemplo, fiz umas 15 viagens. Isso porque nem participei de todas para as quais fomos chamados. É nessa que a galera acha que eu estou surfando na notas de 100 e tirando onda quando, na verdade, nas press trips a gente mal tem tempo de dormir.

Vistas em Barcelona

Barcelona

Não estou me queixando. Eu não gastei um real sequer e só fiquei em ótimos hotéis, comi do bom e do melhor e visitei lugares que eu nem sabia achar no mapa. A questão é: largar tudo, no meu caso, significou deixar qualquer possibilidade de fazer renda para poder me dedicar ao projeto em tempo integral, ficando fora do mercado por anos e assumindo todos os riscos que isso acarreta. E vou te falar uma coisa: dá trabalho pra caralho.

Significou, também, ter que voltar pra casa da minha mãe, situação que ainda me incomoda demais – se você já e um ser humano crescidinho ou já passou por isso, então sabe do que eu estou falando. Foram todas escolhas minhas, é verdade, e eu que arque com as consequências. E vendo pelo lado bom, ainda bem que eu tenho onde ficar enquanto o trabalho não gera renda. A meritocracia é uma falácia e o contexto importa, sim. Se eu estivesse pagando aluguel, teria que procurar um emprego regular e não teria um terço das horas que preciso para dedicar ao 3em3.

Mas o esforço, meu amigo, é sem dúvida o que só depende de você. E é por isso que a resposta para a pergunta “Como viver viajando” sempre vai ser diferente, de pessoa pra pessoa. Dar uma receita, como se ela existisse, é uma irresponsabilidade. É narcisismo disfarçado de bom conselho. Resolver a vida apertando um botão, só no comercial da Skol. Os riscos são imensos, a incerteza é uma constante e as abdicações, imediatas. É fácil se ver confuso entre o seu direito de escolha e a vontade de querer tudo do seu jeito.

Agora, se é isso que você quer, vá em frente. Desde que você não pense que é algo obrigatório no roteiro dos bem sucedidos, ou que é fácil, não desperdice a chance de tentar levar a vida que te dá propósito. Essa é a única maneira de viver sem arrependimentos e amarguras. Há coisas que não vão funcionar, mas, acima de tudo, você tem o direito de aprender com seus próprios erros.

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Blog de três jornalistas perdidos na vida que resolveram colocar uma mochila nas costas e se perder no mundo.

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29 comentários sobre o texto “Como viver para viajar: as respostas por trás da pornografia viajística

  1. Tiago, gratidão pelo incrível relato! Às vezes a gente acha que o “perrengue” é só “do lado de cá”, mas dá um conforto no coração em saber que, se somos sonhadores, não somos os únicos, como já dizia a música…
    Um grande abraço e encontremo-nos na estrada!!!

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