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A história e os segredos do Café Turco

A primeira vez que eu provei o tradicional café turco foi na Grécia e eu sinceramente não sabia o que esperar. Quando vi aquela xícara com uma bebida de aspecto denso, achei estranho. Taquei açúcar, mexi, bebi e quase cuspi na mesma hora. Que inferno de bebida era aquela? Sequer consegui chegar ao fundo da xícara para descobrir a minha sorte. Dois anos mais tarde, na Macedônia, melhor informada sobre o procedimento para tomar a bebida, finalizei a minha, com algumas caretas no caminho. Em Montenegro e na Bósnia, consegui até mesmo apreciar essa modalidade de café tão comum nessa região do mundo.

Leia também: Como o café é bebido ao redor do mundo

cafe turco espuma

O tradicional café turco é um dos patrimônios culturais imateriais da humanidade segundo a UNESCO e tem uma técnica de preparação especial: os grãos torrados são moídos em pó fino e depois vão para um pote de metal, chamado cezve, com água fria e opcionalmente açúcar e especiarias como cardamomo, anis ou canela. Depois, são aquecidos vagarosamente até produzir uma espuma. A bebida é servida acompanhada de um copo d’água para limpar o paladar. Você não deve beber imediatamente. É preciso esperar um minutinho para os sedimentos se depositarem no fundo da xícara.

Tão importante quanto a técnica é a cultura do café, ou seja, o fato dele ser celebrado em volta de uma mesa em que as pessoas conversam e trocam ideias. O café turco representa amizade, hospitalidade e conversas. Como o pó não é coado, como no nosso cafezinho, a borra do café no final da xícara ainda é utilizada para ler a sorte das pessoas.

cafe turco sorte borra

A história do Café Turco

Segundo o blog Cultura Turca, o café, ou melhor, o Türk kahvesi, é tão importante na Turquia que influencia até o idioma: café da manhã é chamado de kahvaltı e a cor marrom kahverengi ou seja, cor do café. Em casamentos, é tradição a família do noivo visitar a casa da noiva, que deve preparar e servir café turco para os convidados.

E como a bebida chegou na Turquia? As primeiras plantas de café foram descobertas na Etiópia, mas a produção a partir dos grãos foi popularizada inicialmente no Iêmen, onde o café (qahwa) era utilizado nos monastérios sufi para ajudar na concentração durante orações noturnas. No século 15, passou a ser exportada para os demais países árabes.

A bebida chegou em Constantinopla (hoje Istambul) por volta de 1555, na época do sultão Süleyman, o Magnífico. Como era de se esperar, logo todo mundo no Império começou a consumir café, em todas as classes sociais. Assim, não tardou em surgir também estabelecimentos especializados em servir café em Constantinopla: as casas de café viraram pontos de encontro entre intelectuais, que conversavam, dissertavam poemas, falavam de literatura ou jogavam xadrez.

Com o tempo, ficaram tão populares e lotadas que os religiosos passaram a pregar a proibição dos espaços, mencionando efeitos negativos da bebida e reclamando que as pessoas preferiam as casas de café do que as mesquitas. No governo do Sultão Murad III, houve interdições e proibições de tais casas: o que, obviamente, não impediu o comércio de continuar em becos e escondido em pequenas lojas. E não tardou para a proibição ser encerrada. Por fim, até mesmo os grandes vizires (os ministros do sultão) construíram lojas de café para serem alugadas. Essa história vem do relato de Pecevi, um historiador otomano no século 17.

cafe turco cultura

E se você achou a história da cultura do café turco muito semelhante à cultura do café vienense, não está nada equivocado. Desde 2011, a “Wiener Kaffeehauskultur” ou Cultura Vienense das Casas de Café, é considerada Patrimônio de Cultura Intangível pela UNESCO. Sua posição nessa lista é descrita como ‘lugar onde o tempo e o espaço são consumidos, mas somente o café vai para a conta’. Apesar de o café ter chegado em Viena através de comerciantes armênios, reza a lenda que a popularização da bebida ocorreu depois do cerco de Viena pelos otomanos, em 1683. Quando o exército invasor perdeu e bateu em retirada, deixou quinhentos sacos de café para trás. Nesse mesmo ano, casas de café começaram a surgir em Viena.

Nem todo café turco é turco

Foi na época do Império Otomano que o costume de beber café à moda turca foi introduzido nos demais países do Balcãs e adjacências. E, até hoje, Bulgária, Eslovênia, Hungria, Romênia, Irã e Israel chamam esse estilo de café de turco. Mas, depois da queda do Império e de tantas rusgas históricas, em muitos países as pessoas não querem mais a sua tradição de beber café atrelada a outra nacionalidade.

“Nós estamos na Grécia, nós decidimos que deve ser grego”, explica a escritora Marianthi Milona, contando a história de por que a partir dos anos 1980, depois de conflitos com a Turquia por conta do Chipre, o café que antes era chamado de turco passou a ser grego. Na Armênia, país que sofreu um genocídio durante a dominação otomana, entre 1915 e 1923, as pessoas também se recusam a chamar o café de turco. E ficam ofendidíssimos caso você peça dessa forma. 

Já na Bósnia Herzegovina, a população é orgulhosa em explicar as diferenças bem específicas na preparação do café bósnio.  Tipo qual é a altura em que o café entra na água fervendo ou o fato do potinho onde é fervido (no caso deles, o džezvas) ir para a mesa. Apesar disso, o café Bósnio é muito semelhante no gosto, apresentação e cultura ao café turco.

café bósnio

Café Bósnio

Felizmente, não ofendi ninguém quando tomei meu “café turco” fora da Turquia. Em todos os casos, porque só pedi simplesmente “café” e foi o que recebi. No fim das contas, mais do que a nacionalidade, o que importa mesmo é o sabor, o valor histórico e as conversas que a bebida proporciona, do século 16 até os dias de hoje.

*Crédito imagens: Shutterstock 

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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