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Atlas: Mamallapuram, Índia

Onda, olha a onda! Cuidado que o tsunami vai te pegar

Tem coisas que só uma viagem de volta ao mundo faz com você. Por exemplo, meus amigos se divertem quando eu conto da correria que aprontamos em Londres, quando a polícia resolveu evacuar a estação King’s Cross. Se era bomba, um procedimento de rotina ou um ataque daquele-que-não-deve-se-nomeado eu não sei, mas nós corremos pelas nossas vidas mesmo assim.

Também corremos de uma manifestação violenta que paralisou o Nepal. A fuga foi durante a madrugada, enquanto os manifestantes dormiam. Mas, veja só a ironia, quando o tsunami estava pra vir nós não corremos: ficamos no hotel, a poucos metros da praia e prontos para enfrentar a onda mortífera. E sem saber da onda mortífera, claro, caso contrário teríamos corrido. Em pânico e da forma mais vergonhosa possível.

Não é brincadeira: houve mesmo um alerta de tsunami. Aconteceu em Mamallapuram, uma pequena cidade litorânea do Tâmil Nadu, na Índia. Estávamos no hotel, pouco antes da hora do almoço, quando a terra tremeu. Nós, depois de constatarmos o terremoto, fomos assistir uma série de televisão qualquer.

Praia de Mamallapuram

-“Vocês fizeram a burricagem de ficar em casa depois de um terremoto?”

Entenda uma coisa, caro leitor: nós morávamos na Índia há meses. Ou seja, SEMPRE ficávamos em casa depois de um terremoto. É que eles acontecem frequentemente, quando muito derrubam alguma coisa das prateleiras. Como nas repúblicas de intercambistas não há prateleiras (nem qualquer móvel), isso nunca nós afetou.

Passamos por pelo menos três tremores enquanto morávamos em Chandigarh e, veja você, eu não senti nenhum deles. Necas. Morar na Índia não aumentou minha sensibilidade em relação ao mundo, pelo menos não quando a questão é sísmica. Quando aquele terremoto aconteceu, pensamos: “Olha, esse deu pra sentir de leve”, e só. Até que resolvemos almoçar.

Praia de Mamallapuram - Tamil nadu - India

-“Vamos comer naquele restaurante perto da praia?”

-“É. Lá tem wi-fi. Vamos lá.”

Mas tinha uma multidão no meio da praia. OK, na Índia falar em multidão é redundância, mas fato é que centenas de indianos estavam parados na areia da praia, olhares fixos para o mar, como se esperassem, petrificados, alguma coisa acontecer.

-“Não cheguem perto. Tem um alerta de tsunami para nossa região”. Disse o guarda, aparentemente um dos poucos que escaparam do feitiço.

Foi quando começamos a correr. Em pânico. E da forma mais vergonhosa possível. Até que cruzamos metade da cidade, ou seja, uns 500 metros.

-“Meu deus! Vamos morrer! Por que diabos a gente ficou dentro do hotel depois do terremoto?”, disse alguém.

-“Temos que sair daqui. Vamos para um lugar alto. RÁPIDO”, disse outra pessoa.

-“Vamos para o bar”, disse eu.

Pessoas na praia de Mamallapuram

E fomos. Afinal, se não há mais pra onde correr, melhor enfrentar o tsunami de frente e com um copo na mão. Claro que o bar ficava no terceiro andar de um prédio, numa rua um pouco mais afastada da praia, ou seja, um dos lugares mais distantes da onda que conseguiríamos chegar naquele momento – quando o tsunami já estava próximo e todos os homens de Mamallapuram estavam petrificados em frente ao mar.

A cerveja chegou.

-“Você sabe alguma coisa do tsunami?”, perguntamos ao garçom.

–“Sim”, ele disse, e fez silêncio enquanto olhava para a rua, três andares abaixo. –“As pessoas que estavam na praia estão correndo. Estão fugindo”.

Todos os europeus que estavam na mesa ao lado se levantaram ao mesmo tempo. Acho que alguém cuspiu a cerveja que estava prestes a engolir, essa sim a grande tragédia do dia. O pânico voltou, óbvio, assim como a sensação eu-vou-morrer-o-que-eu-faço?-nunca-vi-meu-time-ser-campeão.

Quando o tsunami vem e pessoas correm dele, sabe o que você faz? Senta e chora. Não vou mentir, por pouco não fizemos isso, o que não seria nada vergonhoso. Mas o tsunami não veio, afinal. Era alarme falso e só Shiva sabe dizer porque os homens petrificados resolveram correr da praia.

Isso aconteceu no dia 11 de abril de 2012. O terremoto de  8,7 graus de magnitude foi na Indonésia, mas nós sentimos até mesmo no litoral da Índia, a muitos quilômetros de distância. Aprendemos três coisas naquele dia:

area-risco-tsunami

Foto: Coolcaesar at en.wikipedia

1) Em caso de dúvida, corra. Não faz mal nenhum entrar em pânico de forma vergonhosa. Na melhor das hipóteses você ainda assusta alguém.

2) Está no litoral? Então é burricagem nível 100 ficar em casa depois de um terremoto. Mesmo que o tremor nem derrube coisas das prateleiras. Procure pela rota de fuga, que em países sérios é indicada por placas.

3) Nunca acredite num garçom de Mamallapuram quando o assunto for tsunami. É claro que nós enchemos a cara depois de garantida a sobrevivência. E ele ficou feliz com isso.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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2 comentários sobre o texto “Onda, olha a onda! Cuidado que o tsunami vai te pegar

  1. Ri muito com essa história! Hahahaaha
    Mas acho que nós, brasileiros, somos meio desligados mesmo quando se trata de desastres naturais desse tipo. Já passei um terremoto no Canadá e por dois na Grécia. Lembro de acordar com um barulhinho à toa e voltar a dormir tranquilamente, mesmo morando no 16 andar. Ou pior: em Atenas eu nem sequer cheguei a acordar com o terremoto! Hahahaha

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