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Atlas: Caraíva, Bahia, Trancoso, Brasil

Na estrada para Caraíva: como não planejar sua viagem

É impossível não cometer erros na hora de planejar uma viagem de volta ao mundo. Nós cometemos vários, a maioria deles sem grandes consequências. Mas um deles foi especial. Foi cometido na Índia, mas só percebemos o problema na Tailândia. O erro, por outro lado, já tinha se dado conta da gente bem antes – acertou um chute certeiro e brutal em nossos traseiros e foi embora, rindo. Esta não é a história daquele erro terrível e sarcástico, mas de outro, muito mais simples: é a história do primeiro erro de um viajante, que foi cometido durante meu primeiro mochilão, em 2010. Se eu tivesse aprendido com ele, talvez não tivesse cometido a bobagem asiática. Talvez, afinal não garanto não fazer bobagens.

O meu primeiro erro de viajante nasceu como nascem todos os outros: pelo excesso de confiança. É a lógica do marceneiro sem dedo, que me foi explicada durante as aulas de marcenaria (sim, eu fiz isso), no ensino médio: “O número de dedos de um marceneiro é inversamente proporcional à confiança que ele tem. Quanto mais tempo de trabalho, mais confiança e menos dedos”.  Quanto mais tempo de estrada, mais confiança. E mais chances de erros brutais e sarcásticos.

Regra número um para não cometer erros ao planejar uma viagem: Não ache que tudo vai dar certo e que o universo conspira a seu favor. O universo é igual ao meu quarto: tende ao caos. Se ele conspira a favor de alguém, certamente é do erro.

Alugamos um carro em Porto Seguro. O objetivo era explorar a Costa do Descobrimento: Santa Cruz e Cabrália e a aldeia de Coroa Vermelha, de um lado; e Arraial D’Ajuda, Trancoso, Praia do Espelho e Caraíva, do outro. Depois de fugirmos de Trancoso (a aldeia que deveria ser hippie, mas onde as duas palavras mágicas são “cartão” e “crédito”), pegamos o carro e seguimos até a Praia do Espelho, uma das mais bonitas do Brasil. De lá, seguiríamos até Caraíva, o ponto mais esperado da viagem.

Costa do Descobrimento, Bahia

A estrada era linda: tinha vacas, aldeias e vilas charmosas no meio do caminho. Numa dessas vilas, nosso carro foi cercado por uma simpática turma de crianças. Parei.

 -“A Praia do Espelho é para aquele lado” gritaram todos juntos.

 -“Eu sei, criançada. Está escrito ali , ó”, eu disse, gesticulando na direção da placa enorme. –“Mas muito obrigado”, concluí.

 -“De nada, são cinco reais”, disseram as crianças.

 Com cinco reais a menos, nós seguimos viagem, observando as matas belíssimas que compunham a paisagem. Mas no meio do caminho tinha uma estrada de terra. O Celta alugado, que eu escolhi por ser o mais barato da loja simpático, não achou aquilo uma boa ideia, mas seguiu em frente, interessado em tomar um banho de mar na Praia do Espelho. E como era corajoso o Celtinha – cortava a estrada como uma flecha de prata, levantando poeira e ignorando completamente cada imperfeição da via, fingindo que buracos, pedras e montes de areia não existiam. Até que um monte de areia fingiu que o Celtinha não existia, e ele atolou.  A culpa foi dele, claro, afinal a culpa é minha e eu coloco em quem quiser.

Tentei tirar o carro da areia. Nada. Dei ré. Nada. Acelerei. Nada. Acelerei mais ainda. Ele fingiu que ia desatolar, mas enfiou as rodas na areia e fez um barulho estranho, como quem diz “daqui não saio, daqui ninguém me tira”, com sotaque baiano e cara de Celta travesso.

Com a passagem impedida, vários carros, muitos guiados por paulistanos, começaram a parar. De inicio os outros turistas ficaram dentro dos seus veículos, talvez por acharem que um engarrafamento numa estrada de terra do interior da Bahia era uma coisa normal. Quando perceberam que aquela não era a Marginal Pinheiros, eles partiram para o heroísmo e resolveram tirar o Celtinha da sua birra besta.

Depois de algum tempo, desatolamos o Celta, e seguimos até a Praia do Espelho. Ufa! Foram muitas horas de viagem, mas enfim chegamos numa das praias mais bonitas do Brasil. Tomamos um banho de mar, atolamos na areia da praia (menos o Celta, que ficou de castigo no estacionamento) e gastamos algum dinheiro com garrafas d’água, estacionamento e tudo mais.

Mais ou menos na hora do almoço, saímos da praia e seguimos para o destino final: Caraíva. A viagem até lá foi demorada e tensa – tanto pela fome, afinal não tínhamos almoçado, como também pelo medo do Celta atolar de novo. Ele bem que tentou, mas com um pouco de luta chegamos ao destino.

 Só que Caraíva fica no Brasil, um lugar conhecido mundialmente por três coisas: futebol, carnaval e por ser o único país onde ruas públicas podem virar estacionamento particular de alguém. O flanelinha não quis nem saber: para parar o carro ali, só com cinco reais. Sem um único puto real na carteira, afinal as crianças e os ambulantes tinham acabado com o nosso pouco dinheiro, fomos forçamos a voltar. Esta é a história de como eu não conheci Caraíva.  Por quê? Achei que teria algum caixa eletrônico por lá, afinal pode até ser uma vila-perdida-no-nada-e-sem-luz-elétrica, mas isso não significa que não teria um caixa eletrônico. Até os índios de Coroa Vermelha aceitavam Diners e American Express e os hippies chics de Trancoso parcelavam as miçangas em até 10 vezes sem juros!

Confiamos que tudo ia dar certo, mas não verificamos as condições do lugar para onde íamos.  E o erro nos deu um tremendo chute na bunda. A culpa, é claro, era nossa, mas eu coloquei na turba de crianças que fechou a passagem do carro, na viagem de volta.

 -“TEM UMA PLACA ALI!!! EU SEI QUE TRANCOSO É PARA LÁ. SAIAM DA FRENTE! E NEM ME FALEM DE CINCO REAIS. SE EU TIVESSE CINCO REAIS ESTAVA EM CARAÍVA! QUER SABER, CADÊ AQUELES MEUS CINCO REAIS?? CADÊ?”.

 E fui embora, deixando um monte de crianças com cara de choro. Porque não basta ser burro – é preciso ser grosso com quem não tem culpa de nada.

Regra número dois na hora de planejar a viagem: quando levar aquele chute na bunda de um erro brutal e sarcástico, mantenha o bom humor. E não desconte em crianças indefesas. Foi você quem caiu na estrada com pouco mais de cinco reais no bolso. E vai também na dica do Felipe Glod, leitor do blog. Ele esteve recentemente em Caraíva e aconselha a não fazer o percurso no caso de chuva forte ou durante a noite.

P.S. Não adianta me perguntar qual foi o erro terrível que cometemos na Ásia. Nós juramos que nunca vamos falar sobre isso. Regra número três: Quando você faz uma estupidez desse tamanho, a única saída é fingir que nunca aconteceu.

 

*Foto destacada, no começo do post: Wikimedia Commons

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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38 comentários sobre o texto “Na estrada para Caraíva: como não planejar sua viagem

  1. Olá! Gostei muito de como conta sua experiência. Se tiver, estou precisando de informações sobre como é ir de ônibus para Caraíva. E se seria conveniente para ir com uma bebê de 11 meses ?

    1. Não sendo à noite acho que é tranquilo, Diogo.

      Agora, uma vez que o carro é inútil lá, por que não ir de transporte público?

      Abraço.

  2. Caraíva é sensacional! O problema é realmente a estrada. Sou aquela típica viajante que pesquisa tudo antes de ir, mas juro que não me dei conta de que a estrada fosse tão ruim com chuva. Fui com meu namorado em novembro de 2016 (como não imaginar que pegaríamos chuva nessa época!? E não imaginamos!)… Saímos do ES, chegamos em Caraíva. Um dia antes da volta choveu o muuuundo, assim como na manhã seguinte. Esperamos passar a chuva e pegamos a estrada de chão. Nosso carro (de passeio) surfava na lama… Em uma curva, atolamos num acostamento… Mais a frente, com o carro ainda igual a um sabonete naquela terra molhada, nos deparamos com um trator…. era uma subida com um penhasco… como não conseguíamos parar, na tentativa de desviar
    do trator quase caímos no penhasco (não, não é exagero)… a gente tentava subir e o carro caía pro lado perigoso da estrada. Graças a Deus tivemos ajuda de um nativo e saímos dali. Fiquei realmente com trauma daquela estrada. Não arrisco de novo pegá-la se chover forte. No mais, tudo em Caraíva é caro; pode deixar o carro sem problema do outro lado do rio; e, apesar de já ter energia na vila leve sempre dinheiro em espécie. Mesmo com tudo isso, vale muito a pena conhecer esse paraíso! Parabéns pelo texto, Rafael!

    1. Obrigado pelo relato, Cintia! É trágico e um perrengue, mas depois fica uma memória engraçada. Ainda bem que nada de ruim aconteceu com vocês.

      Abraço.

  3. Oi Rafael,

    sou do ABC São Paulo e estou pensando em fazer uma viagem de carro para conhecer Caraiva, Arraial, Porto Seguro e Trancoso…pensei em parar em alguns outros lugares durante o percurso. O que vc acha?

    1. Mas saindo de São Paulo, Cintia? Ou você pretende alugar um carro lá na Bahia?

      Se for subir de carro, recomendo paradas também no litoral do Rio e do Espírito Santo. No ES tem Vitória, que é linda, Pedra Azul, Itaúnas…

      Abraço.

  4. Com certeza sua burrice não foi maior que a minha de ter pago antecipado um passeio em PhiPhi pra um grupo de nativos que estavam na beira da praia sentados. Não perguntamos nem o nome deles, pagamos e saímos: ah amanhã a gente se vê então!
    Graças ao bom Buda eles estavam lá no dia seguinte! Rsrs

  5. Sensacional o seu conto, muito divertido!! Estou indo em Dezembro com meu noivo, alugaremos um carro para um bate e volta em CARAIVA + ESPELHO….da pra fazer os 2 em um dia de carro por conta propria??

  6. Galera, tenho um casamento em caraiva, levarei dois filhos e esposa.

    O cabeçudo aqui foi marcar voo no mesmo dia depois do casamento. Só Q de madrugada….

    Ficarei uma semana rodando a região com carro alugado, de porte alto, para não errar como o nosso amigo.

    Segue a pergunta: é muito perigoso pegar trecho caraiva a Trancoso as 23:00?????

      1. E ai Rafael! Cara, foi muito massa!Hoje já aceitam cartão em muitos lugares! O lugar é sensacional! Mas o reveillon nos lugares mais badalados (Bar da Praia e Côco Brasil) são muito caros. Acabei ficando ali pela praia mesmo, e depois fui no reggae na beira do rio. Na volta pra BH passei em Cumuruxatiba. Vale muito a pena também!
        Abraço!

  7. Oi Rafael, Adorei seu blog… apesar de alguns acontecimentos trágicos, você faz parecer muito engraçado.
    Gostaria de sua ajuda… Eu e meu noivo vamos para a Bahia em março, mas ainda não conseguimos decidir entre Trancoso e Itacaré. Gostamos de tranquilidade e simplicidade, tipo Fernando de Noronha… Qual das duas você indicaria?
    Obrigada
    Carol

    1. Oi, Carolina. Eu não sou um grande fã de Trancoso. Prefiro Arraial, ali do lado. Por outro lado, Trancoso engloba também Porto Seguro, Caraíva, etc. Ou seja, são várias viagens numa só.

      Itacaré é bonito e tem muitas opções de esportes de aventura.

      Abraço.

  8. cara, vc sabe me dizer se é perigoso deixar o carro estacionado e atravessar o rio e ficar uns dias em caraiva? to querendo passar o reveillon esse ano la… esses flanelinhas devem cobrar o olho da cara p deixar o carro la

    1. Não sei, Lucas. Mas acho que quase todo mundo faz isso. Para atravessar o rio, é preciso parar o carro do outro lado. E eles já cobravam o olho da cara quando eu fui lá, anos atrás. Imagine agora. 😉

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