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Atlas: Mumbai, Nova Delhi, Rishikesh, Índia

Na Índia com George Harrison

A Índia é um soco no estômago. É impossível voltar a mesma pessoa de lá – e isso vale para viajantes comuns, como os blogueiros do 360meridianos, ou para uma das maiores estrelas do mundo. George Harrison, o beatle morto em 2001, esteve lá e sentiu todo o impacto que uma viagem pelo país pode causar. A Índia modificou a música dos Beatles, mas é inegável que o George é também um dos maiores – talvez o maior – responsável por colocar a Índia no mapa turístico mundial.

Quando ele se apaixonou pelo país, nos anos 1960, criou também o turismo da busca pela espiritualidade no gigante asiático. Fãs que somos do George, resolvemos convidá-lo para um guest post. Abrimos as portas do blog para o nosso colunista mais ilustre até agora – mas que fique claro que este post não foi psicografado. Optamos por resgatar entrevistas do George e não incomodar o cara no seu descanso eterno.

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George Harrison na India

Com George Harrison em Delhi

George resolveu aproveitar a viagem de volta das Filipinas, onde os Beatles fizeram um tour, em 1966, para fazer um stopover na Índia. O beatle queria fazer uma parada rápida em Delhi. O objetivo? Comprar uma cítara. Um por um, todos os beatles resolveram que iam parar por lá também, afinal poderiam ter um pouco de tranquilidade. E, nas palavras de George, “ninguém na Índia devia conhecer os Beatles”. Então ia ser uma viagem de boa, na paz.

Assim que chegaram em Delhi, Jonh, Paul e Ringo desistiram de conhecer o país e resolveram voltar para Londres. Só que a British Airways trollou com os beatles já tinha vendido todas as passagens do voo. Por isso, os quatro Beatles tiveram que passar um dia em Delhi. Com a palavra, George:

“Então nós desembarcamos. Era noite e nós estávamos esperando as bagagens quando tivemos o maior desapontamento (…) porque eram tantas pessoas, no meio da noite, todas gritando ‘Beatles, Beatles’ e nos seguindo. Nós entramos num carro, mas todos eles entraram em tuk-tuks e começaram a nos seguir, com sikhs usando turbantes, todos gritando ‘Beatles, Beatles’”  (The Beatles Antology).

Os Beatles conseguiram fugir dos fãs. No dia seguinte, agiram como qualquer outro turista e foram conferir a cidade e, claro, fazer compras. Não foi isso, George?

“Delhi foi uma coisa realmente engraçada. Tenho certeza que outras pessoas têm essa mesma experiência quando vão lá. Algumas partes de Nova Delhi foram construídas pelos britânicos, então não existem as pequenas ruas que você esperaria: nós estávamos em avenidas largas, com grandes cruzamentos e rotatórias. O incrível é que tinha tanta gente lá. Multidões de pessoas por todos os lados. E eu pensava: ‘Deus, o que aconteceu? Era como se o Superbowl estivesse acontecendo, ou um grande desastre, com todas as pessoas nas ruas. Então você se dá conta de que simplesmente tem muita gente lá.”

Primeiro choque cultural de George Harrison: tem muita, mas muita gente na Índia. E sim, eles vão te cercar, te oferecer um taxi, um tuk-tuk, 25 hotéis… Eles vagam pelas ruas e estão por todos os lados. Afinal de contas, o país tem um bilhão e 300 milhões de habitantes. Só um bilhão e uns 100 milhões a mais que o Brasil. E George, meu velho, te garanto que não é preciso ser um beatle para ser cercado por indianos em Nova Delhi, mas é claro que sua multidão de fãs devia estar um pouco mais eufórica do que os indianos que nos cercavam.

Com George Harrison em Mumbai

A segunda passagem de George pela Índia naquele ano começou em Mumbai, na época ainda chamada de Bombaim. Era setembro de 1966. Na metrópole indiana, George e Pattie Harrison (a primeira esposa do músico) se hospedaram no Taj Mahal. Não o famoso monumento, que fica em Agra, bem longe de Mumbai, mas num hotel de luxo em estilo vitoriano. O Taj Mahal Palace Hotel fica no Colaba, um bairro descolado de Mumbai, e perto do Portão da Índia. Inclusive, o hotel e o Portão formam o mais conhecido cartão-postal da cidade. Lá, o Beatle teve aulas de cítara e de yoga. George também turistou pela cidade e conheceu alguns templos religiosos.

O Taj Mahal Hotel pode não ser uma maravilha do mundo, como seu xará do norte da Índia, mas nem por isso deixa de ser famoso. O hotel cinco estrelas que hospedou o mais barbudo dos Beatles também é frequentado por presidentes de diversos países do mundo, além de ter sido alvo de um atentado terrorista que deixou cerca de 200 mortos, em 2008. Também é importante para a história do hotel a visita que fizemos por lá, em 2011. Só que não.

Hotel Taj Mahal e Portão da Índia, Mumbai

Em Mumbai, George queria paz, tranquilidade e todas aquelas coisas que um bicho-grilo beatle procurava. Para isso, o casal se registrou com nomes falsos no hotel: Mr and Mrs Sam Wells. É claro que os beatlemaníacos descobriram. Mesmo assim, o George continuou adorando a Índia:

“É Inacreditável. Você pode andar por uma rua e tem alguém dirigindo um ônibus ou um taxi, ou andando de bicicleta, e tem uma galinha e uma vaca, alguém de terno e uma mala, e um sannyasi (um religioso) vestindo uma túnica. Tudo isso misturado. É um lugar incrível, com camadas e camadas e camadas de sons, cores e barulhos, tudo bombardeando os seus sentidos. Foi fantástico. Me senti como se tivesse voltado no tempo”.

Segundo choque cultural do George Harrison na Índia: explosão de cores, barulhos e pessoas. Mais ou menos o que contamos nesse post aqui.

Com George Harrison em Varanasi

Nenhum mochilão pela Índia está completo sem Varanasi, cidade às margens do rio Ganges e um dos mais importantes lugares para os hindus. George passou por lá, embora ele chame a cidade de Benares:

“Eu fui para a cidade de Benares, onde acontecia um festival religioso chamado Ramlila. Acontecia num espaço de uns 300 a 500 acres, e lá estavam milhares de homens santos para um festival que duraria um mês. Lá estavam todos os tipos de pessoas, muitas delas cantando, uma mistura de coisas inacreditáveis. E veio o Marajá, montado num grande elefante e levantando uma grande camada de poeira. Aquilo me deu uma boa vibração”.

George Harrison em Varanasi

O Ramlila é um importante festival religioso. Milhares de fiéis encenam uma batalha entre deidades hindus. No caso de Varanasi, tudo é encenado às margens do Ganges. Os milhares de fiéis devem deixar a cidade ainda mais impressionante. Vale lembrar que Varanasi é a definição perfeita para impacto cultural: milhares de fiéis se banham nas águas poluídas do Ganges. O mother Ganga tem papel fundamental na fé hindu, e não são poucos os que querem ter seus restos mortais despejados por lá. Isso possivelmente foi o que aconteceu com o George, cujas cinzas foram dispersas num rio indiano, em 2001.

Nós visitamos Varanasi em 2012. Leia mais sobre uma das mais impressionantes cidades da Índia aqui.

Com George Harrison na Caxemira

Na mesma viagem, em 1966, George também passou pela Caxemira, região no norte do subcontinente indiano que é disputada por Índia e Paquistão desde a independência dos dois países. A Caxemira é uma das principais causas das várias guerras entre os vizinhos, assim como da corrida armamentista entre eles, ambos com algumas bombas atômicas no arsenal. Motivos suficientes para afastar qualquer turista de lá, certo? Errado. É que a Caxemira, garantem os que já pisaram lá, é um dos lugares mais bonitos do mundo. Nós tentamos ir, mas infelizmente a combinação ameaça de terrorismo + estradas congeladas impediram nossa passagem por lá. Fica para a próxima. Ainda bem que o George nos conta como foi a visita dele.

George Harrison na Caxemira

 “Foi um tempo fantástico. Eu saia para visitar templos e fazer compras. Nós viajamos por todo o país e eventualmente chegamos na Caxemira. Ficamos numa casa-barco no meio do Himalaia. Foi incrível. Eu acordava de manhã e um companheiro Kashmiri, Mr Butt, nos trazia chá e biscoitos.”

Com George Harrison em Rishikesh

Ainda em 1966, George passou um tempo em Rishikesh, pequena vila ao norte de Nova Delhi. A cidade é separada em duas partes, cada uma delas de um lado do Rio Ganges, que naquele trecho ainda é limpo. George não contou para a gente o que ele achou dessa primeira passagem pela cidade, mas sabemos que ele gostou. Afinal de contas, em 1968 ele voltou, levando Jonh, Paul e Ringo.

Os Beatles ficaram algumas semanas por lá, aprendendo meditação e compondo músicas. Durante esse tempo, o mais produtivo da carreira do grupo, eles ficaram num ashram, atualmente desativado. Já fizemos um post inteiro descrevendo como foi a experiência dos Beatles por lá. E, ao olhar para as fotos da Rishikesh que conheceu os Beatles, temos certeza que pouca coisa mudou. Ótimo motivo para visitar a cidade, que definitivamente não deve faltar em nenhum roteiro bem feito pela Índia.

Os Beatles na Índia

Lá, o George dividia o tempo entre a meditação e o violão, por isso é a Pattie Harrison, esposa dele, quem conta algumas das coisas que o casal viveu:

Um dia fomos num passeio de barco descendo o rio Ganges, enquanto dois homens santos cantavam. Então o George e o Donavan (músico britânico) começaram a cantar, e todos nos cantamos, numa mistura de musicas inglesas e alemãs. Foi tão bonito, com as montanhas e as árvores cercando três lados do nosso barco. E com o pôr do sol, o lado oeste se coloriu com de uma cor rosa muito profunda.”

Leia mais sobre Rishikesh nesse post aqui e também aqui.

Com o tempo, todos os Beatles deixaram a Índia. O Ringo, que tinha problema com a comida apimentada, foi embora primeiro. Depois foi o Paul. John e George deixaram Rishikesh por último, depois de uma confusão com o guru Maharishi Mahesh Yogi. De lá, Jonh voltou para Londres. Já George deu um pulinho até Chennai, cidade onde também estivemos e garantimos que não tem nada de muito especial.

Outras Viagens

George Harrison em Udaipur

George esteve muitas outras vezes na Índia – provavelmente poucos viajantes estrangeiros conheceram tão bem o país como o beatle, que foi do Taj Mahal (dessa vez estamos falando do monumento mesmo) ao Rajastão, por exemplo. E ele nunca deixou de se impressionar com a pobreza de lá:

“Um dia nos fomos numa pequena vila, em uns cadillacs. Estávamos com câmeras da Nikon, e foi lá que pela primeira vez eu me dei conta da pobreza. Havia muitas criancinhas vindo até nós e pedindo dinheiro. Nossas câmeras deveriam valer mais dinheiro do que a vila inteira poderia ganhar durante a vida. Foi um sentimento estranho: nossos cadillacs e a pobreza do lugar.”

Como eu disse no começo do post, a Índia é uma baita soco no estômago – em você ou num beatle. Uma experiência para a vida inteira, capaz de mudar completamente qualquer viajante e, como gostava de falar o George, “abrir os olhos”.

*Todos os relatos deste post foram retirados do livro “The Beatles Anthology” (2000). As fotos eram do arquivo pessoal do músico, sendo que muitas delas foram feitas pelo próprio beatle.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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12 comentários sobre o texto “Na Índia com George Harrison

  1. Adorei o post. Confesso que a Índia nunca esteve entre os países que eu mais gostaria de ir, é um misto de medo e surpresa que sinto pelo país mas depois de ler certamente fiquei bem curioso e instigado. Sempre é bom repensar ideias pré-concebidas que temos.

  2. Oi Rafa! Muito legal o post! Eu particularmente adoraria conhecer a terra do Gandhi, mas o problema é que sou cadeirante. Entendeu o meu desespero?! Rsrsrs
    Gostaria de ir pelo menos Mumbai, Delhi e Agra ou tem mais alguma outra cidade onde eu possa ir com segurança? Acho que só de ver o Taj Mahal eu estaria muito feliz da vida! 😀 Então me dá dicas 😉
    PS: Pode ser sincero comigo que já estou acostumada, porque aqui mesmo no Brasil não posso ir para alguns lugares.

    1. Oi, Julia. Certamente seria mais complicado pra você, mas não sei dizer se é impossível ou em quais lugares não dá de jeito algum. Você lê em inglês?

      Olha esses textos aqui: https://www.disabilitytravel.com/independent/accessible-india-vacations.htm
      https://www.sanatansociety.org/india_travels_and_festivals/wheelchair_travels_traveling_travel_india.htm#.Vp6PXyorLIU

      Uma pergunta: você viaja bastante? Gostaria de compartilhar com a gente um pouco da sua história, mostrando as experiências de um cadeirante na estrada? Se tiver interesse é só falar.

      Abraço e boa sorte. 🙂

  3. Meu Deus que post genial HAHAHAHAHA! Por que diabos eu só fui achar ele agora? Ah, fala sério, sensacional! Parabéns, Rafa. Sempre soube que o 360 era um blog ”de outro nível”, mas não sabia que era tanto ao ponto de ter um convidado ilustre desses por aqui.

    P.s: Eu ainda me choco quando descubro que não é uma preferência unânime colocar o George no topo do ranking de Beatle mais legal. No meu caso ele fica em segundo, porque o Ringo é com certeza o primeiro. (Alguém aí acha que o John era o mais legal? Desconfio altamente de quem pensa assim hahaha).

    1. Obrigado, Mari.

      Foi um daqueles posts divertidíssimos de fazer. E Rishikesh é meu lugar favorito na Índia, vale muito.

      Abraço.

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