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A difícil volta de um ano sabático

Quem cai na estrada por longos períodos sabe: a viagem nunca termina. Nunca. Mesmo quando você pega um avião e volta para casa, regressando para todas as coisas normais. Seu quarto, seu trabalho, sua família, seu travesseiro… Por mais que esteja tudo ali, exatamente como era antes da viagem, uma coisa mudou durante o período sabático – você. E isso é um problema.

A frase a seguir já apareceu aqui no blog antes, mas sempre é bom repetir – em outubro de 2011 nós saímos de casa para dar uma volta ao mundo e nunca mais voltar. Voltaram outras pessoas, com outras visões do mundo. Só que isso já tem um ano. Chegamos ao Brasil há assustadores 12 meses. Você pode imaginar que esses meses não foram uma maravilha, principalmente se comparados com o mesmo período do ano anterior. Foram meses de saudade, claro, mas principalmente de inquietação.

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A volta para casa: os primeiros dias

Os primeiros dias após o fim de um ano sabático são ótimos. Confesso que eu já estava até cansado da estrada quando cheguei ao Brasil. Eu queria minha cama, não as dos hotéis. Eu queria ter certeza que um banho quente era sempre possível. Eu queria não ter que carregar minha vida nas costas dia após dia.

Acima de tudo, eu queria rever minha família e meus amigos. Queria andar pelas ruas do meu bairro, ficar de bobeira no quintal de casa, tomar uma cerveja no meu bar favorito. Enfim, eu queria matar a saudade enorme que tomava conta de mim, afinal não existe lugar como nossa casa. Por esse lado voltar foi ótimo.

Só que no meio do caminho existe uma coisa que se chama trabalho. Ahhh, o trabalho. Será que ele precisa mesmo ser tão ruim, a encarnação de tudo que há de mau? Voltei para o meu cinco dias depois de pisar no Brasil. Eu nem mesmo tinha conseguido rever todos os meus amigos e já estava metido numa redação, empenhado nas mesmas coisas que eu fazia antes de cair na estrada e dar uma volta ao mundo. As mesmas coisas tediosas e sem importância que  me levaram a tirar um ano sabático.

Precisei de três dias no trampo para querer pedir pra sair, e olha que muitos dos meus colegas eram pessoas incríveis, gente que estava no pacote da saudade acumulada. Ainda bem que eu sou uma pessoa sensata e que aguenta essas coisas (soquenão). Pedi demissão em dois meses.

tempos modernos

Meu trabalho não era esse, mas você pegou a ideia

Mudança de ares após o ano sabático

E vim para São Paulo. Novas despedidas, novo acúmulo de saudade por quem ficou em Belo Horizonte, nova vida, cheia de descobertas. Vim morar num lugar legal e com muitos amigos ao redor, tudo estava ótimo. Só que eu arrumei um novo emprego em uma semana. Pena.

Começou tudo de novo – bater cartão no escritório de nove às seis; gastar minha juventude fazendo algo inútil pra mim; vender meu tempo para conquistar dinheiro; usar esse dinheiro para comprar coisas que eu não preciso; acumular coisas que eu não preciso até elas não caberem mais no quarto; pensar que preciso de mais dinheiro para poder morar num quarto maior… E assim seguiu girando a roda da vida, no melhor estilo passarinho dentro da gaiola do escritório.

Quando eu olhava para trás, parecia que os meses que passei viajando acabaram mais rápido do que as intermináveis horas do expediente de sexta. Por outro lado, as memórias e aprendizados que guardo da estrada são tantas que é até impossível compreender claramente tudo que aconteceu. Na estrada, todo dia é uma aventura. Cada dia de viagem é cheio de novas descobertas. Novos sabores são provados, novos lugares são conhecidos, outros estilos de vida nos são revelados.

Na vida normal, em que ficamos enjaulados de 9 às 6, nada disso acontece, pelo menos não comigo. Toda segunda era a mesma coisa. E eu desejava com todas as forças pela sexta-feira. Eu queria que minha vida passasse rápido, queria chegar nas 48 horas em que eu não precisava estar ali. Você pode até dizer que eu não peguei a moral da história, mas se eu trombasse com o Adam Sandler na rua ia pedir o controle remoto do filme “Click” pra mim. Foi nesse momento que eu pedi demissão pela segunda vez.

São Paulo

Terceiro emprego em nove meses

Fui chamado para um emprego que parecia melhor. A empresa era mais bacana, o salário maior, a função mais desafiadora. O mais legal é que era um cargo que eu tinha desejado antes de viajar. Topei na hora. Novos colegas de trabalho, novo escritório, novas atividades. Para dizer a verdade, por um lado melhorou bastante. Por outro foi o inferno na Terra. É que nesse trabalho eu não tinha feriados. Pior, muitas vezes não tinha nem finais de semana, tanto o sábado quanto o domingo.  Vivia para trabalhar. Só.

A função era até legal, mas nunca deixei de pensar nas coisas ainda mais legais que existiam lá fora, em tudo que eu deixava de fazer enquanto me prendia a um trabalho cujo único mérito era não ser insuportável. Lembra do controle do Click? Usá-lo nos dias de semana não bastava mais. Era preciso acelerar também os finais de semana. Até quando? Até a aposentadoria, quando faltarão forças para fazer tudo que eu desejava?

Não, dessa vez eu não pedi demissão. Eu tinha sido contratado por um tempo específico, poucos meses. Um dia o contrato acabou. Nesse dia eu resolvi parar de remar contra a corrente, lamentando o passado. Resolvi olhar para o futuro. Demiti da minha vida, de uma vez por todas, o modelo de carreira que tinha me preparado para ter desde que entrei na universidade.

volta ano sabático

Isso não quer dizer que eu virei vagabundo. Ainda tenho contas a pagar e preciso trabalhar. Continuo prestando serviços para as mesmas empresas que me contratavam antes. Só que agora eu mando na minha vida, eu falo meus horários. Vivemos online, mas o modelo de trabalho é antiquado. O que eu sou capaz de fazer num escritório, para uma empresa, posso fazer de qualquer lugar, para várias. Lembra que eu disse que a viagem nunca termina quando se cai na estrada? Isso me ajudou a tomar essa decisão.

“Esqueça isso. É o trabalho.”

Não dá. Dizem que a vida é assim e ponto, temos que nos contentar. “Eu até quero fazer uma viagem longa dessas, mas tenho medo de nunca me adaptar à vida normal. Tipo aconteceu com você.” Eu ouvi coisas mais ou menos assim algumas vezes. Talvez você tenha pensando isso enquanto lia o relato acima. Quero deixar claro que a viagem de volta ao mundo mudou minha vida para melhor. Graças às experiências que vivi durante meu ano sabático, tive coragem de lutar por uma situação mais feliz.

Viajando aprendi que não preciso de todos os bens que julgava precisar. Entendi que uma vida simples, sem ostentação, é o melhor caminho num mundo tão desigual. Passei a enxergar um salário altíssimo, antes até mesmo desejado, como sem sentido. Entendi que muitas das coisas que acumulamos ao longo da vida não têm nenhuma função, exceto a de nos prender.

Não prego aqui um estilo de vida sem nada e completamente desapegado e não, definitivamente não vou viver ao relento e mendigar. Só percebi que com uma vida mais simples é possível acumular mais experiências do que bens, crescer enquanto pessoa e não apenas na carreira.

O resultado? Hoje eu ganho bem menos. Por outro lado, não pego metrô no horário de pico e não fico preso no trabalho quando minha permanência é apenas uma questão de burocracia. Posso voltar a pensar em viagens mais longas, afinal meu escritório é qualquer lugar. Tenho, enfim, liberdade. Hoje mesmo passei a manhã conhecendo pontos turísticos e lugares legais de São Paulo, coisa impossível durante todos os meses em que um crachá me prendia.

Diários de motocicleta

Diários de Motocicleta.  Nesse caso, sem a moto

Esse é o meu relato. Outros viajantes que passaram por experiências parecidas vivem outras coisas. Tem quem adote uma vida nômade para sempre, numa viagem que literalmente nunca acaba. Tem que prefira um estilo seminômade. Tem quem volte a viver a vida que tinha antes, mais feliz por ter realizado um sonho e mais preparado como profissional. Tem até quem desenvolva uma ideia de empresa por causa da viagem, mudando de carreira – e fazendo muito dinheiro com isso.

Eu resolvi encarar a vida na minha carreira, como jornalista e comunicador, mas de uma forma não tradicional. Pode ser que eu me arrependa. Pode ser que um dia eu tenha que voltar atrás. Não importa. Hoje eu sou mais feliz, e isso graças a tudo que aprendi e absorvi durante minha viagem, ao conviver com outras culturas e pessoas. Isso é o suficiente para enfrentar qualquer medo pelo futuro que começa agora.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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84 comentários sobre o texto “A difícil volta de um ano sabático

  1. Oi Rafael, parabéns pelo seu texto, me ajudou muito pois estou para iniciar minha jornada de 1 ano sabático e confesso que estava preocupada com o retorno. Mas analisando o retorno de várias pessoas que fizeram me deixou animada , pois sei que mudarei por dentro e essa é a melhor mudança que pode ocorrer a um ser humano. Venho me programando financeiramente há um bom tempo para realizar esse sonho, caso eu retorne sem vontade de pegar no batente vou me dar o direito de parar por uns dois anos e ver o que acontece. Valew pela troca de experiências

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