“Quero ver na Copa”. Esse mantra nos persegue desde que o Brasil foi escolhido para sediar o mundial. Ao ver que qualquer coisa deu errado, o brasileiro Quero ver na Copa, vulgo QVNC, solta o jargão favorito da galera pessimista. O primeiro problema disso está na falta de lógica da declaração: a frase pode ser usada para situações variadas, seja depois do sujeito presenciar um arrastão ou quando ele vai ao supermercado e percebe que alguns produtos estão vencidos. Além disso, o QVNC sempre me incomodou por colocar o cidadão brasileiro num patamar inferior ao turista estrangeiro.
Chocado por um assassinato violento, o cidadão QVNC exclama seu mantra, talvez emendado com um também batido “o Brasil não tem jeito”. Só que a violência, um problema sério do Brasil, não vai piorar por causa da Copa do Mundo. Ao contrário, assim como ocorreu durante os Jogos Pan-Americanos de 2007, a criminalidade tende a cair na época do evento.
Durante o Pan, 6 mil homens da Força Nacional de Segurança patrulharam o Rio, além das ações especiais planejadas pela Polícia. A mesma coisa vai acontecer na Copa do Mundo, o que tende a deixar nossas regiões turísticas mais seguras do que elas normalmente são.
De qualquer forma, suponha que algo dê errado. Estrangeiros são assaltados, andam por nossas ruas com medo, sofrem dentro de ônibus lotados, esperam horas nas filas dos aeroportos, reclamam da infraestrutura… E aí? Por que diabos isso é pior do que o que cada brasileiro vive? O QVNC se preocupa com os efeitos desses problemas durante um evento de 30 dias, enquanto deveria se preocupar com o efeito disso hoje, agora, para quem de fato vive no país.
Os estrangeiros estarão aqui de férias, não no dia a dia do país. Sim, muitos deles vão passar por problemas. E esses perrengues vão virar piadas, uma conversa engraçada na mesa de bar, mas isso não significa que o turista vai odiar o Brasil. Eu mesmo vivo contanto histórias engraçadas dos problemas que enfrentei na Índia. Ainda assim, adorei o país e recomendo a viagem.
Mas o QVNC não para por aí. Para ele, o problema é que o Brasil vai passar vergonha durante a Copa do Mundo. E todo o planeta vai apontar para nossa cara e rir, como se o mundo fosse uma versão maior da Springfield dos Simpsons.

O que te dá vergonha?
A Rússia sediou as Olimpíadas de Inverno deste ano. Por motivos óbvios, o evento não tem impacto tão grande na mídia nacional, mas é muito importante lá fora. Junto com os jogos, a Rússia conviveu com problemas sérios de direitos humanos, a ponto de vários chefes de estado não terem comparecido à cerimônia de abertura. Desrespeitar oficialmente o direito de cidadãos não é mais vergonhoso que qualquer problema estrutural?
Foto: Atos International, Wikimedia Commons
Pense nas Olimpíadas de 1972, em Munique, quando 11 membros da equipe de Israel foram sequestrados e, após uma ação desastrada da polícia alemã, mortos. Sim, 11 judeus sofreram um atentado terrorista durante um evento na Alemanha, quando o tema holocausto nem era discutido abertamente por lá ainda.
E o que falar da China, que enfrentou uma contaminação de leite, com milhares de crianças intoxicadas, protestos no Tibet, problemas sérios com poluição, denúncias de censura e vários problemas, tudo isso durante os Jogos Olímpicos de 2008?
O ponto aqui não é apontar os erros dos outros e nivelar tudo por baixo, mas mostrar que vários países já sediaram eventos de grande porte, até nações com tantos (ou mais) problemas que o Brasil. Muitas coisas deram certo. Outras deram muito errado. Mesmo assim, a imagem desses países após os eventos nunca foi a de fiasco ou vergonha, talvez com exceção dos Jogos de Munique, que quase foram cancelados por causa do terrorismo.
Protestos pela liberdade do Tibet, em 2008 (Foto: Peter M, Wikimedia Commons)
A não ser que algo desse nível aconteça, nós não temos motivos para temer a vergonha. Com todos os problemas típicos de países em desenvolvimento, China, Rússia, África do Sul e Índia sediaram grandes eventos esportivos nos últimos anos. Houve vários problemas, mas todos os países sobreviveram. E, em vários sentidos, tiraram algo de positivo da experiência.
Já fizemos uma Copa Antes
A Copa de 1950 também enfrentou problemas. O primeiro Mundial depois da Segunda Guerra estava previsto para 1949, mas foi adiado em um ano. Mesmo com o prazo maior, vários estádios ficaram prontos na última hora, Maracanã entre eles.
Classificadas para a Copa, Escócia, Turquia e Índia desistiram de participar. A França, convidada depois dessas desistências, também pulou fora ao perceber que teria que cruzar o Brasil, de norte a sul, para jogar futebol. Portugal nem pensou em aceitar o convite. Se pensarmos por esse lado, o Mundial de 50 foi um fiasco, certo?
Não. O Brasil virou assunto no mundo, ligou sua imagem ao futebol e ganhou estádios, como o Maracanã, com um valor inestimável para a cultura do país. O grande fiasco da Copa de 50 foi mesmo a derrota para o Uruguai, na final do torneio. Foi isso que entrou para a história – o resto foi esquecido no tempo.
Se o Brasil de 50, ainda engatinhando no processo de industrialização, conseguiu sediar uma Copa, por que seria tão complicado repetir o feito, mesmo que as exigências hoje sejam maiores?
Maracanã (Foto: Arthur Boppré, Wikimedia Commons)
O legado turístico
Em 2012, pouco mais de 22 milhões de estrangeiros visitaram a Tailândia. No mesmo ano o Brasil recebeu 5 milhões de turistas. O país asiático, que é menor do que a Bahia e Minas Gerais, também é cheio de problemas de infraestrutura, além de ser mais instável politicamente – atentados terroristas são rotina em partes da Tailândia. Mesmo assim, o país recebe quatro vezes mais turistas (com bolsos cheios de grana) que o Brasil.
O turismo é uma das indústrias mais importantes do mundo e motor de várias economias. A França, por exemplo, exporta mais turismo ao Brasil do que carros – os brasileiros adoram Paris e gastam muito lá. Já passou da hora do Brasil pegar uma fatia maior desse bolo e entrar de vez numa indústria que é contada aos bilhões. Temos praias lindas, cidades históricas, muita natureza e atrações que países do mundo todo gostariam de ter, mas vendemos nosso produto mal. A Copa do Mundo é uma oportunidade fantástica de expor mais o Brasil na mídia mundial e fazer essa indústria crescer.
Para a Embratur, parte desse efeito deve ser sentido este ano, quando o país vai receber 7 milhões de estrangeiros, gente que vai gastar 38% mais dentro do Brasil. Ainda que esse número não se confirme, o grande legado é para o futuro. A questão não são os 600 mil turistas esperados para a Copa, mas como podemos capitalizar a partir do evento e fazer com que milhões de outros venham para cá nos anos seguintes. Antes mesmo da Copa, o Brasil já ganhou posições no ranking do turismo mundial, com diversos sites, guias turísticos e veículos de comunicação indicando o país como o destino a ser visitado. Essa divulgação positiva lá fora tem tudo para ser ainda maior durante a Copa.
Além da questão turística, não pode ser ignorado o legado de infraestrutura que a Copa pode deixar. Segundo o Portal Transparência, os gastos previstos com estádios giram em torno de 8 bilhões de reais. Outros 8 bilhões vão para a mobilidade urbana e 6 para reformas e ampliações de aeroportos. Você pode até achar pouco perto do que a gente precisa, mas não venha me dizer que não é nada.
É claro que existem problemas
O QVNC sabe que existem problemas. O resto da população também. No meio de tantas obras, existem chances reais de corrupção e superfaturamento, isso para não falar nos atrasos. Tudo isso precisa ser investigado e, se comprovado, punido. Só depois da Copa saberemos, por exemplo, se times de futebol que construíram estádios com dinheiro público, por meio de empréstimos, pagarão o que devem. A Fifa também merece ser criticada e, quem sabe, exigências absurdas da entidade não se repitam em outros mundias.
O problema do discurso do pessimista é que ele imagina que a maior parte do Brasil é contra a Copa do Mundo, enquanto uma pesquisa do Ibope mostra que 58% da população é a favor da Copa. Por outro lado, apesar da maioria ser a favor do Mundial, há divisão, como ficou claro pelos protestos de junho. Por mais que a Copa não tenha sido o estopim para as manifestações, o evento esteve presente nas demandas sociais.
Assim como os 58%, eu quero a Copa no Brasil. Não vou viajar ao exterior e fugir da Copa, mas ficar aqui e presenciar o maior evento esportivo do planeta. Podem ocorrer problemas? Claro. Muitos. Mas, francamente, eu não me preocupo muito com o que pode dar errado durante o mundial. A questão é depois. As obras de mobilidade urbana e infraestrutura vão melhorar nossas vidas? Os turistas estrangeiros vão perceber que o Brasil é mais legal que a Tailândia? Quero ver é depois da Copa. Se a resposta for sim, terá valido a pena.
*Foto destacada: Governo Brasileiro, Wikimedia Commons
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Para mim, foi um erro sim investir em uma copa do mundo no Brasil. O foco do governo, que deveria estar concentrado em áreas de saúde, educação e blá, blá, blá fica direcionado para o evento da copa do mundo, em fazer com que tudo sai conforme planejado (mesmo não saindo).
Uma vez iniciado o processo, já era. Não dá para voltar atrás e perder os investimentos já efetuados. Isso seria uma tremenda burrice.
E os jogos olímpicos vem aí…
Obrigado pelo comentário, Isaias. Discordâncias educadas são sempre bem-vindas. =)
Bom, a Copa está aí. Torçamos para que dê certo e sem mais problemas.
Agora, o que eu realmente quero ver é depois. Muita coisa precisa ser investigada.
Abraço.
Isso foi post patrocinado pelo governo?
Vamos debater por pontos:
“Se o Brasil de 50, ainda engatinhando no processo de industrialização, conseguiu sediar uma Copa, por que seria tão complicado repetir o feito, mesmo que as exigências hoje sejam maiores?”
“O Brasil virou assunto no mundo, ligou sua imagem ao futebol e ganhou estádios, como o Maracanã, com um valor inestimável para a cultura do país.”
A Copa de 1950 nem se compara com as exigências da Copa do Mundo atual. E ainda assim, nós não “ganhamos” o Maracanã. Nós pagamos por ele, e por toda a corrupção envolvida em sua construção. E ainda podemos debater (numa mesa de bar talvez) se foi o Copa de 50 que ligou o nome do Brasil ao futebol, ou se foram os 5 titulos mundiais.
“Outros 8 bilhões vão para a mobilidade urbana e 6 para reformas e ampliações de aeroportos. Você pode até achar pouco perto do que a gente precisa, mas não venha me dizer que não é nada.”
Eu não vou te dizer que não é nada. Eu vou te dizer que, em um país sério, não é preciso de Copa ou grande evento para ter um mínimo de infraestrutura.
“nós não temos motivos para temer a vergonha”
Nós não precisamos temê-la, nós já estamos sentindo vergonha. Quando não conseguimos entregar nenhum estádio no prazo, quando a maioria das obras prometidas de mobilidade e estrutura em geral não foram entregues, e uma boa parcela delas nem sairá do papel, isso tudo dá vergonha. E não devemos sentir vergonha dos estrangeiros. Cada povo tem seus problemas. Devemos sentir vergonha de nós mesmos, de termos aceitado e apoiado um evento como a Copa, já sabendo que seria mais um pretexto para o desvio de verbas públicas nesse país. Devemos ter vergonha de nossa incompetência. Nem a Africa do Sul, com todos os problemas que tem, estava com a construção de estádios tão atrasadas quanto as nossas a menos de 2 meses da Copa.
Esse blog é muito bom para tratar de viagens. Mas cuidado para não usar o espaço como plataforma partidária aqui. Por exemplo, não adianta falar que a Copa vai impulsionar a indústria brasileira do turismo sem apresentar um estudo com dados para valorar o impacto. Quero ver esse impulso compensar os bilhões investidos em estádios.
Oi, Marco.
Olha, estou perplexo com seu comentário. Sinceramente. Vamos tentar de novo?
Quer debater de forma saudável? Então não comece seu comentário me caluniando, ok? O 360meridianos tem uma política muito séria de posts patrocinados. Toda vez que um post é patrocinado por alguém, colocamos um aviso enorme ANTES DO COMEÇO DO TEXTO. Convido você a ler nossa política comercial (aqui: https://www.360meridianos.com/politica-comercial).
Posso conversar com você tranquilamente sobre a questão da Copa, debater de forma saudável, mas não vou fazer isso antes de você pedir desculpas pela calúnia que você postou aqui, ok?
Fico muito, mas muito chateado mesmo, ao ver que existem pessoas que descem a esse nível ao ver uma opinião diferente.
Espero que você reflita sobre a estupidez da sua acusação e passe a ter cuidado antes de atacar a ética das pessoas.
Eu não caluniei, eu não acusei e eu não desci o nível. Eu apenas perguntei.
Realmente, não li a política comercial de vocês, mas vi em vários posts que existem textos patrocinados. Por isso PERGUNTEI se esse era o caso.
Se a pergunta te chateou, não era minha intenção. Mas pelo menos, obtive minha resposta: não é post patrocinado.
E de verdade, nem quero ficar discutindo investimento em Copa aqui. Não acho que seja o foro adequado, já que eu (e acredito que todos) acesso esse blog para conhecer melhor lugares que nunca fui, e novos pontos de vista de lugares que já fui.
Só achei por bem comentar o texto, para dar minha opinião (um contraponto) sobre a sua opinião, e para pedir que determinados temas não sejam tratados aqui de forma superficial, devido a sua relevância. (sei que meu pedido também não precisa ter nenhuma relevância para vc. Mas, quem mandou ter um lugar para comentários no blog? rs)
Enfim, vida que segue. E parabéns a todos pelo blog, que ele é bem legal no que se propõe a fazer.
Marco, não sei se você sabe disso, mas publicidade precisa estar sempre avisada como tal. Publicidade velada é um tremendo desvio ético. Por isso, nossos textos patrocinados têm um aviso enorme, quase um outdoor, deixando clara essa condição. Uma preocupação que nem todos os blogs, sites e veículos de comunicação têm, mas que nós levamos muito a sério.
Portanto, você perguntou, quase insinuou, se eu estava cometendo uma atitude anti-ética.
Você não precisava ter perguntado isso, né? Poderia ter dado todos os seus argumentos sem fazer aquela pergunta e seu comentário teria sido ótimo, uma critica válida, por mais que ainda assim eu não concordasse com ela. Se tivesse optado por esse caminho, agora a gente estaria tendo um debate saudável e construtivo, algo que poderia dar bons frutos.
É na troca de ideias que o aprendizado e o crescimento pessoal acontecem. Ao optar por abrir seu comentário com uma pergunta desnecessária você jogou o debate no lixo. E baixou o nível sim.
Seu segundo comentário foi ainda mais triste do que o primeiro. Você só mostrou que não consegue pedir desculpas e reconhecer que está errado – e não estou falando da Copa, que é questão de opinião. Gentileza, por outro lado, não é.
Esse “imagina na copa” é um mantra aqui fora também. É uma dúvida que os gringos também tem, já ouvi isso de muitos. Mas a Copa vai ser fichinha perto das Olimpíadas. Eu não tenho medo dos problemas, como você disse acho que vários acontecerão, mas o Brasil vai tirar de letra e a menos que a terceira guerra mundial comece na Copa ninguém vai se apegar aos probleminhas não. Meu medo também é depois. É como uma pessoa que ganha um salario mínimo e compra uma ferrari. Existe consequencia para o ato, o carro dá uma despesa que você não pode pagar, você não tem nem onde estacionar, na hora que o carro quebra cadê o dinheiro para consertar? Etc. E as consequencias pelos gastos não é o “Brasil que sai no The times como o economia que mais cresce” que vai sentir. É o povo que continua contando moeda para viver. Essa é minha opinião. Como você, eu também não sairia do Brasil na Copa se estivesse aí. Mas também não pago o preço ridículo que estão cobrando para ver tudo de perto. Estando aí são outros 500, mas daqui eu gastaria rios de dinheiro, e eu não só não tenho como nao pagaria se tivesse. Minha opinião apenas. Abs!
Oi, Liliana.
Concordo com você nisso: também não sairia de outro país só para assistir a Copa. Na realidade, eu não faria isso para nenhum evento esportivo, independente do país. Gosto de futebol, me divirto, mas não pagaria rios de dinheiro por isso não. Até porque meu bolso não aguentaria. hahaha
Abraço!
Acho que o problema é que grande parte dos 42% que não são a favor e parecem ser seguidores dessa filosofia QVNC, demonizam o evento e transferem as responsabilidades dos problemas que enfrentamos no nosso cotidiano para ele. Depois que a Copa se for serão as Olimpiadas, mas e quando essa também se for, o que será?
Sempre gostei de acompanhar os mega eventos, é interessante descobrir na abertura, no encerramento e durante os jogos a cultura dos países que os sediam e além de ser uma vitrine que projeta a nação para o resto do mundo é uma oportunidade pra muita gente e pra muitos setores da economia, triste ver que as pessoas ao invés de se preparar para colher bons frutos perdem o tempo reclamando.
Acredito, sinceramente, que se o Brasil não fosse sediar esses mega eventos, os investimentos em serviços públicos continuariam no mesmo ritmo, porque se tem uma coisa que realmente a gente deveria se preocupar em “querer não ver” é a corrupção e essa, infelizmente, não dura apenas 30 dias.
Pois é, Gabriel, a corrupção existe e vai continuar existindo. Uma boa ideia é exercer pressão para que todas as denúncias sejam apuradas (em Minas, deputados começam a discutir uma CPI para analisar as denúncias das obras do Mineirão).
Agora, a Copa em si pode ser boa para o Brasil. É um investimento. Vejo gente discutindo formas de atrapalhar o evento. Isso não tem o menor sentido, ainda mais agora, com os investimentos já feitos.