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Em defesa da viagem sem pressa (e quase preguiçosa)

Toda primeira viagem ao exterior costuma ter aquele jeitão de maratona. Sofrendo da ansiedade típica de quem vai conhecer pela primeira vez outras terras, é complicado superar a tentação de colocar mil destinos num roteiro de 15 dias. Ainda mais se você para e reflete sobre o preço das passagens aéreas.

No meu primeiro mochilão pela Europa, que teve 17 dias de duração, foi complicado escolher. Londres ou Paris? Madri ou Barcelona? Roma ou Veneza? E Berlim, fica de fora? Mas como assim não vamos ao Leste Europeu?

É preciso escolher e aceitar que muita coisa ficará para depois. O problema é que esse “depois” costuma ser tão incerto que, tomada a decisão, a ansiedade só aumenta. “Ok, não vou conhecer Berlim desta vez. Mas dá próxima vai rolar. Juro. Mas e se a próxima viagem demorar anos? (tique nervoso). E se demorar décadas? (surtando). E se nunca acontecer? E se… AHHHH (explosão e ataque de nervos). Pronto: você sofre da síndrome do viajante indeciso e vai correr para repensar o planejamento e colocar mais 27 cidades no roteiro.

Veja também: Quanto custa um mochilão pela Europa?

Onde ficar em Paris: Louvre

Paris, França

Mas voltemos ao primeiro mochilão pela Europa do 360. No fim, passado o choro e o ranger de dentes, até que conseguimos ter um pouco de bom senso – passamos os 17 dias em quatro grandes cidades (Paris, Londres, Roma e Madri). O resto ficou para o temido depois. Mesmo assim, foi corrido. O ideal era ter cortando pelo menos uma das quatro cidades do roteiro. Hoje, três anos depois, fiquei ainda mais, digamos, preguiçoso na hora de mudar de cidade: cortaria duas. Ou três.

O problema é que nós nunca pensamos no monte de coisas que é necessário fazer durante as férias, mas que não são necessariamente agradáveis. Tipo arrumar as malas, pegar um táxi para o aeroporto, fazer o check-in, despachar malas, passar pela segurança, pela Polícia Federal, esperar, entrar no avião, achar seu compartimento de sardinha, esperar, tentar dormir, acordar, descer do avião, entrar no país, carimbar o passaporte, esperar, pegar a mala, lidar com o sono, com o fuso horário, chegar ao hotel, esperar a hora do check-in, entrar no quarto, jogar uma água no rosto e ir conhecer um novo país, mas com o cansaço estampado na cara. “Viajar só é glamouroso em retrospecto”, diria Paul Theroux. Em muitos sentidos ele tem razão.

Agora imagine repetir muitos desses passos toda vez que você mudar de cidade durante a viagem. Por isso, os cinco dias que você reservou para Paris ou Londres nunca serão cinco dias mesmo – o dia que você chega na cidade e o dia que você vai embora normalmente são perdidos com coisas burocráticas e que não dão a menor saudade. A coisa piora se você viaja com pouco dinheiro, já que as passagens mais baratas costumam estar nos piores horários ou envolver muitas horas de conexão e deslocamento.

Ponte da Torre de Londres

Londres, Inglaterra

Com isso, os dias de viagem mesmo, descontados os dias de chegada e saída, viram uma maratona interminável que derruba até os fortes. Afinal de contas, se tirar cidades do roteiro foi complicado, deixar de fora alguma atração turística das cidades escolhidas é ainda mais tenso. “Como assim não vai dar tempo de ver as Catacumbas de Paris? (surtando). Mas eu não posso colocar Paris de novo na próxima (prestes a explodir) viagem. E se a gente dormir só 5 horas por noite, não dá? (enlouquecendo).

No nosso mochilão, os dois primeiros dias, em Madri, foram cansativos, como contamos aqui. E no fim do período em Roma, a segunda cidade do roteiro, estávamos esgotados. Cansados num período de descanso. E com mais duas cidades pela frente.

A solução? Faça uma viagem sem pressa de ser feliz

E aí? Qual a solução? Simples: viajar devagar. É preciso assumir que nós nunca veremos todos os lugares legais do mundo. Esqueça, não vai rolar. Por isso, é melhor montar um roteiro que permita uma viagem calma, agradável e com tempo para fazer coisas necessárias, tipo dormir até mais tarde. Você não conhecerá muitas cidades durante uma mesma viagem. Mas conhecerá melhor as cidades que escolher.

Durante nosso mochilão pela Argentina, este ano, dedicamos muitos dias para cidades que a maioria dos turistas visitaria em poucas horas. Com isso, conhecemos mais a vida das pessoas que moram lá. Tivemos tempo para relaxar, tomar uma cerveja, ler um livro, ficar de bobeira no hotel e perambular pelas ruas de vilas andinas. Numa boa? Viajar nesse ritmo é muito melhor.

Purmamarca - Quebrada do Humahuaca - argentina

Purmamarca, Argentina

Não cansa. Dá para fazer coisas que não seriam possíveis no caso de uma viagem mais apressada. Tipo a aula de culinária italiana que fizemos durante nosso segundo mochilão pela Europa, que foi bem mais preguiçoso. Ou o dia na Universidade do Sorvete, em Bolonha.

E quanto mais devagar você viajar, melhor: durante as seis semanas que ficamos em Buenos Aires, fizemos trabalho voluntário, conhecemos pessoas de todas as partes do mundo, passamos dias relaxando nos espaços públicos da cidade, só vendo a vida passar, e até melhoramos nosso espanhol.

Se você acompanha o 360meridianos, sabe que nós temos um estilo de vida diferente, de nômades digitais. Por isso, podemos trabalhar de qualquer lugar do mundo, basta ter internet. Isso possibilita que nossas viagens sejam ainda mais lentas, é verdade. E como uma viagem mais lenta é também mais barata, nômades digitais costumam ficar meses na mesma cidade. Fora que nunca viajamos só por lazer. Se é necessário trabalhar durante a viagem, então o ritmo precisa mesmo ser mais lento.

Aula de culinária italiana

Aula de culinária em Bolonha, Itália

Mas viajar lentamente não é só para quem tem uma vida assim. Que tal passar seus 30 dias de férias numa única cidade, fazendo um curso? Pode ser de idioma, de culinária, de fotografia, de massagem… As opções são inúmeras e incríveis. Você terá a sensação de que viveu na cidade durante um tempo. E isso não tem preço.

Junto, vem o aprendizado de que uma viagem não precisa ser um monte de destinos cortados de uma listinha pré-definida. Afinal de contas, as melhores memórias de viagem são de experiências, não apenas uma sucessão de paisagens bonitas admiradas de relance, antes que o viajante siga apressado para outro destino.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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42 comentários sobre o texto “Em defesa da viagem sem pressa (e quase preguiçosa)

  1. Que texto excelente, Rafael! Eu estava mesmo sofrendo aqui na escolha dos destinos para primeira viagem internacional! Tô tentando ser sensata e colocar poucas cidades para poder curtir, de fato, o lugar. Isso sim é que é felicidade, viver cada momento sem pressa, não é mesmo?
    Abraço!

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