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Sobre minha relação com futebol e promessas de amor eterno

Quando o Athirson marcou o terceiro gol, no final do segundo tempo, eu repensei minha vida. Chovia na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas. Com o Mineirão e o Independência fechados para reforma, por causa da Copa do Mundo, esse estádio, que fica a cerca de 80 km de Belo Horizonte, virou a casa dos times da capital mineira.  Inclusive do meu.

Que perdeu naquela noite chuvosa, em setembro de 2010.  A derrota veio de virada, por 3 a 2, para a Portuguesa. O América – sim, eu torço para o América Mineiro – vencia por 2 a 1 até os 35 minutos do segundo tempo. Com um jogador a mais em campo, parecia que a vitória era nossa. Até que o Marco Antonio empatou para a Lusa. E, aos 40 da etapa final, o Athirson virou o placar, para o desespero dos 207 pagantes.

Duzentos e sete. Os poucos – e loucos – que deixaram suas casas, em Belo Horizonte, numa noite de quarta-feira. Que, de ônibus ou de carro, percorreram os 80 quilômetros que os separavam do estádio e esperaram o jogo começar debaixo de chuva e com frio. A partida estava marcada para às 21h50, naquele horário absurdo que é imposto pela TV.

Com a tristeza das derrotas, que frequentemente vem acompanhada de juramentos do tipo “não volto enquanto esse time não tomar vergonha na cara”, enfrentamos a estrada para BH. Cheguei em casa quando os relógios marcavam 2h30 da manhã, com raiva por ter que acordar muito cedo no dia seguinte e ainda jurando que não voltaria ao estádio. Quebrei a promessa no jogo seguinte.

“Você torce para o Atlético ou para o Cruzeiro?” Essa é uma das primeiras coisas que escuto assim que conto que sou mineiro. Pergunta que também era comum na minha infância. Numa sala de 45 alunos, éramos dois americanos em meio a um monte de atleticanos e cruzeirenses. “Mas você não torce de verdade, não é”?, disse um professor, quando eu tinha 12 anos. “Não tem como você torcer”, completou ele. Só não fiquei com raiva porque tenho certeza que aquele professor não entendia nada de futebol. Para quem gosta do esporte mais popular do mundo, uma vez que você escolheu uma camisa, é impossível não torcer. Não importa quantas derrotas digam o contrário.

Num estado que tem uma rivalidade enorme entre dois times gigantes, aprendi cedo que escolher – ou ser escolhido – pela terceira via não é algo que as pessoas compreendam facilmente.  Ainda bem que minha relação com futebol não depende do time vizinho. Essa história começou nos primeiros anos da década de 90, quando meu pai me levou num jogo do América, pelo campeonato mineiro. Perdermos, mas eu ganhei um time. Como escreveu Nick Hornby, no livro Febre de Bola, “Eu me apaixonei pelo futebol do mesmo jeito que me apaixonaria mais tarde pelas mulheres: repentinamente e inexplicavelmente, desprovido de qualquer senso crítico e sem me importar com as consequências.”

Nos anos seguintes, dividi minhas atenções futebolísticas entre o estádio, o rádio e a TV. Vi o América ser campeão da Sul Minas, do Mineiro, subir para a série A, cair de novo para a B, depois para a C e por pouco não arrumar um lugar na D.  Vi meu time disputar o módulo II do Campeonato Mineiro e estava no estádio, comemorando feito um louco, quando vencemos a competição e voltamos para a série A do estadual. Em 2010, apesar daquela derrota para a Portuguesa, testemunhei o momento em que voltamos para a Série A do Brasileiro, após um empate sem gols com a Ponte Preta. Chorei e não tenho vergonha disso.

antigo independência

No antigo Independência, em 2009

Eu estava fora do Brasil, morando na Ásia, quando o América jogou a série A de 2011. Acompanhava os jogos pelo rádio, lutando contra o fuso horário. Eu também estava fora do Brasil quando o Independência, um dos lugares que mais gosto no mundo, foi reinaugurado. E morava em São Paulo quando o desejo de voltar a ser um frequentador dos estádios de futebol começou a ficar incontrolável. A pequena bio que você lê no final de cada post meu no 360 não é mentira: depois de três anos fora, em 2014 voltei para Belo Horizonte, onde estou perto da minha família, do meu cachorro e dos jogos do América.

Porque, pra mim, futebol é isso: família. Não no sentido tradicional da coisa, quando pai ou mãe passam para os filhos o amor por determinada camisa. Embora isso tenha acontecido comigo, não faltam exemplos de pais fanáticos que descobrem – não sem tristeza – que seus filhos resolveram torcer para o rival.

Meu time é parte da minha família, um membro querido e sempre presente nos almoços de domingo. Como um pai, uma mãe, avós, tios, irmãos ou primos. Aquela pessoa que nos dá alegrias, tristezas e às vezes pode nos decepcionar – e muito. Mas, não importa o que ela faça, nossa única opção é amar e torcer a favor. Não torço por causa de títulos, vitórias ou conquistas, por mais que eu obviamente goste de tudo isso. Torço porque é impossível não fazê-lo. Torço porque não tenho outra opção e nem quero.

antigo indpendência

Torcida no antigo Independência, em 2008

Como eu trabalho viajando, frequentemente perco jogos porque não estou em Belo Horizonte e não é incomum que, ao planejar viagens, eu abra a tabela da competição antes de comprar a passagem, só pra ter certeza que não perderei um jogo importante e para minimizar minhas ausências no Independência. Apesar da vida na estrada, acho que minha frequência nos jogos do América é maior do que a que apresentei nas aulas da faculdade, pelo menos nos últimos semestres do curso.

E pode ter certeza: se no dia do jogo eu estiver em BH, estarei no estádio. Não há compromisso que me tire de lá. Já cheguei atrasado em aniversários de amigos, deixei de ir em festas, já dei desculpas para explicar ausência em bares, já viajei para ver a bola rolar e já fui ao estádio gripado e sem voz, jurando que não iria gritar, mas descumprindo esse juramento com cinco minutos de jogo.

Torcida após um jogo, em 2015

Torcida após um jogo, em 2015

Não jogo futebol há anos, nem no videogame. E da parte tática eu quase não entendo e sempre fico sonolento quando amigos, nos bares da vida, resolvem discutir se o time A está bem montado ou quais os erros do técnico do time B. Eu só entendo do aspecto mais primitivo do futebol: gritar, explodir de alegria, de raiva, morrer de angústia, chorar de nervosismo. Poucos momentos são mais intensos do que aquele em que seu time faz um gol e você pula desesperado nas cadeiras do estádio. Poucas coisas são mais libertadoras e opressoras que amar um time de futebol.

Por mais que encare a ida ao estádio com o mesmo tom de obrigatoriedade que muitos dão para uma experiência religiosa, em geral não gosto de dividir meu espaço. Normalmente vou ao Independência sozinho e assim permaneço durante o jogo, com cumprimentos educados para aqueles rostos que aprendi a ver num jogo atrás do outro. E, pode ter certeza, se eu aceitar dividir as arquibancadas de um jogo do América com você, principalmente se você torcer para outro time, é porque não tem mais nada que eu não compartilharia também.

minha relação com futebol

Torcida no novo Independência, em 2015

Me arrependo de não ter conhecido os times locais durante o tempo que morei no exterior. Passei alguns meses em Buenos Aires, em 2014. Queria ir aos estádios de lá, não para ver Boca ou River, mas para ver os times menores, no que parece ser uma eterna tendência para escolher o Davi de cada competição. Por falta de tempo, planejamento e daquela motivação que me faz ir a todos os jogos do América, não fui.

E se um dia morar ou passar um período mais longo na Europa, farei questão de acompanhar um time ao estádio, sempre que possível. Por mais que a paixão familiar que dou para o América seja impossível de ser gerada em outro lugar, afinal quem escolheu uma camisa não muda jamais, nem mesmo em outro país, gostaria de me emocionar ao compartilhar a emoção de outros com um jogo de futebol – quem sabe assim não entendo um pouco mais sobre minha própria obsessão?

Vivi coisas incríveis até aqui e muitos dos momentos mais memoráveis envolvem uma bola no fundo da rede e milhares de pessoas – ou só 207 – gritando gol!  “Por favor, seja tolerante com aqueles que descrevem um momento esportivo como o melhor momento da sua vida. Não é por falta imaginação. Não significa que tivemos vidas tristes e estéreis. A vida real é apenas mais pálida, mais maçante e contém menos potencial para o delírio inesperado”, escreveu o Nick Hornby.

Eu não poderia concordar mais. E olha que meu time não vence há oito partidas e é o lanterna do brasileirão. Nada que me afaste dos estádios, claro.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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