“Triste o país que tem a palavra cumbuca nos dicionários, mas prefere usar bowl“. Vi essa frase – ou algo parecido – circulando pelo Twitter, no mês passado. Perdi o nome da autora no mar de posts de todos os dias, mas não poderia concordar mais.
O detalhe é que eu nunca tinha percebido o uso de bowl – palavra em inglês que quer dizer tigela ou, melhor ainda, cumbuca – no dia a dia do brasileiro. Mas foi só ver o meme para observar a realidade. Duas vezes. No mesmo dia. Na primeira só fechei a cara. Na segunda, no meio de uma conversa com alguém com quem tenho um pouco mais de intimidade, soltei um “é cumbuca, caralho”.
Não que seja um problema – cada um fala do jeito que quiser e eu não tenho nada com isso (além do direito de fazer piadas). De qualquer forma, o uso da expressão retomou um assunto que eu já me preparava há meses para escrever aqui no blog, mas empurrava para a frente com a procrastinação de sempre: as palavras em inglês que tomaram de assalto o mundo corporativo. Ou melhor, o business, que não fala português, mas uma mistura da língua de Camões com expressões selecionadas do idioma de Shakespeare, na média de duas por frase.
“Vamos marcar um call (ligação) essa semana? Tenho um budget (orçamento) para esse projeto que gostaria de apresentar para vocês”, diz alguém por e-mail. E deixa claro que precisa de uma resposta ASAP (urgente), porque tem um meeting (reunião) essa semana com o cliente.
E isso quando o assunto não é o target (alvo) da ação, definido no já tradicional briefing. Tão tradicional que já foi aportuguesado e virou verbo – do tipo eu brifei fulano de tal ou precisamos brifar tal coisa. Brifa-lo-ei, diriam no Planalto Central. Expressão que, por incrível que pareça, não é uma ofensa, mas passar determinadas informações para que algo possa ser feito. Tudo resolvido, basta esperar o feedback, embora eu realmente prefira aguardar retorno.
Até aí tudo bem. Só não entende quem não fala inglês – nesse caso o jeito é apelar pro Google Translate, afinal o uso da língua da Rainha aparentemente se tornou mandatory no mundo corporativo, seja em meetings ou durante o coffee break.
Não demora e o gmail vai se oferecer para traduzir para português um e-mail que foi enviado por um brasileiro, para outros brasileiros e dentro do território nacional. Tudo para que a gente possa startar (começar) os projetos mais facilmente, sempre respeitando as issues levantadas pelo cliente durante a call.
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Já que não paramos de importar palavras, podíamos ao menos começar a exportar algumas. Quem sabe assim não atingimos alguma espécie de superávite? Tenho certeza que executivos de Nova York se interessarão pela hora do cafezinho. E fazer uma rede de contatos parece uma estratégia bem mais inteligente, em inglês, do que lembrar que o networking é fundamental para a sobrevivência profissional. No fundo é tudo uma questão de tornar algo, digamos, mais outstanding do que de fato é. Nem que seja em outro idioma.
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