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Nem novela, nem pacote: conheça o Jalapão com o turismo de base comunitária

Em um dos posts sobre o Jalapão aqui no 360meridianos, o Rafa escreveu:

Até tem quem encare uma aventura pelo Jalapão por conta própria, mas a verdade é que esse é um destino turístico que funciona melhor dentro dos pacotes vendidos por agências. É que o Jalapão, além de lindo, é ermo: essa região do Tocantins tem uma das menores densidades populacionais do Brasil. A maior cidade ao redor do Jalapão não alcança oito mil habitantes, não há internet ou sinal de celular, as estradas são de terra e carros atolados são comuns.

Eu sou uma dessas pessoas que fazem jus ao “até tem quem encare”.

Entre setembro e outubro de 2016, eu e os parceiros Luiz Felipe Silva e Fellipe Abreu rodamos os sertões brasileiros para fazer reportagens sobre os 60 anos do livro Grande Sertão Veredas, Samara Braga (uma das primeiras transexuais a se candidatar para um cargo executivo no Brasil) e sobre o Jalapão — com a ideia de registrar a colheita do capim dourado e a vida das comunidades que se organizam em torno desse artesanato.

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Foi uma experiência incrível.

E por mais que a nossa viagem tenha tido o trabalho como motivação, resolvi falar um pouco dessa história porque três de seus pontos mais importantes coincidem também com minhas viagens a lazer. A preocupação com o custo, a necessidade de ter independência para fazer o que achar melhor e a vontade de conhecer as pessoas e os lugares de modo mais profundo.

Para quem valoriza esses três pilares, o turismo de base comunitária que tem sido fomentado no Jalapão (e em outros cantos do brasil) vem bem a calhar. Além de te deixar próximo das dicas de quem nasceu e cresceu na região, esse modelo mais sustentável de viagem direciona o dinheiro dos viajantes direto para os moradores.

Saiba mais: O que é turismo comunitário?

Como encontrar formas diferentes de fazer turismo

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Os buritis e a Serra do Espírito Santo

Tocantins foi oficialmente estabelecido em 1989 e a novela “O outro lado do Paraíso” tem mostrado parte das belezas naturais do estado em 2017, mas a história das pessoas que vivem no Jalapão começa bem antes disso.

A comunidade quilombola de Mumbuca, que nos serviu de casa por lá, foi fundada em meados do século 19, quando negros escravizados fugidos da Bahia se encontraram com indígenas da etnia xerente. Hoje, 42 famílias descendentes da índia Jacinta vivem no local, cuja economia se organiza em torno do artesanato de capim dourado e do turismo.

Reza a lenda que Dona Laurina, bisneta de Jacinta, foi a primeira pessoa a colher o capim dourado nas veredas da região e utilizá-la para a confecção de utensílios. Primeiro foram os chapéus para a lida na roça. Depois, vieram utensílios domésticos como baús, potes e bandejas até chegarmos aos brincos, colares, bolsas, mandalas e outros objetos que seus descentes vendem na loja mantida pela Associação Comunitária.

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A lojinha, aliás, é o principal ponto de peregrinação para quem está no Jalapão e vai à comunidade por apenas algumas horas ou um dia. Mas para quem aproveita a chance de ficar alguns dias por ali, dormindo na casa de algumas das famílias que recebem viajantes, o povoado oferece muito mais.

Antes de mais nada, há uma longa história de luta. A invasão de contrabandistas e o estabelecimento do parque na região em que moram, por exemplo, quase os impediu de colher o próprio capim dourado. Depois de multas e muita negociação, só no ano passado foi assinado um termo de conduta com o Ministério Público que permite a agricultura de subsistência, criação de animais e extração de capim fundamentais para a população local.

A chance de compartilhar um pouco do modo de vida simples e experimentar a generosidade dos moradores é outra característica que pacote nenhum oferece. O tempo corre diferente. As frutas da estação estão sempre ali, no pé. Se quiser visitar os fervedouros ou os rios da região, moradores dispostos a servirem de guias não faltam. No fim de tarde, a conversa sob as árvores ou à porta de alguém é a única atividade que parece obrigatória. Com a luz elétrica menos abundante e internet limitada à rede da escola local, a noite ainda pertence às estrelas.

Se você der sorte, em algum momento ainda ganha uma aula com a sabedoria popular que transborda em algumas das figuras mais conhecidas do povoado, como Ana — primeira quilombola de Mumbuca a ingressar em uma universidade —, Dona Santinha ou a Doutora, líder informal que conhece como ninguém os poderes das ervas da região.

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As mulheres de Mumbuca e o capim dourado. Ana é a última à direita.

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Rios cristalinos e fervedouros são algumas das atrações da comunidade

Do ponto de vista comunitário, o melhor período para a viagem é em meados de setembro, durante a tradicional Festa da Colheita (foi o período em que estive lá), quando teatro, desfile de artesanato, fogueiras e música típica também fazem parte das atividades.

Para saber mais e agendar uma temporada em Mumbuca, uma boa opção é entrar em contato com a Associação dos Artesãos e Extrativistas do Povoado de Mumbuca, pelo e-mail capimdouradomumbuca@hotmail.com. O telefone de Edvan, presidente da entidade, é o (63) 99968-8489. O telefone da Pousada da Tonha, que além de hospedagem e chuveiro compartilhado também prepara refeições sob encomenda, é o (63) 99958-6897.

Para que possamos continuar o papo nos comentários, queria fazer duas perguntas:

Primeiro: o que vocês pensam sobre o turismo de base comunitária como oportunidade para conhecer algum lugar mais de perto? Segundo, mas não menos importante: se vocês já usaram serviços do tipo, que outros destinos comunitários vocês recomendam?

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Ismael dos Anjos

Ismael dos Anjos é mineiro, jornalista e fotógrafo. Acredita que uma boa história, não importa o formato escolhido, tem o poder de fomentar diálogos, humanizar, provocar empatia, educar, inspirar e fazer das pessoas protagonistas de suas próprias narrativas.

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13 comentários sobre o texto “Nem novela, nem pacote: conheça o Jalapão com o turismo de base comunitária

  1. Muito interessante. Sou chegado nesse tipo de viagem desde a primeira vez que a fiz, em 2015. Aproveito para recomendar, caso você não conheça, a Fundação Casa Grande do Homem Kariri, em Nova Olinda, Cariri Cearense, que além de promover a educação e cultura tradicional daquela região, é uma excelente alternativa para descobrir aquela região no modelo de turismo de base comunitária.

  2. UMA PENA TER COLOCADO O PARQUE ESTADUAL DO JALAPÃO(PEJ) COMO EMPECILHO AO CULTIVO DO CAPIM DOURADO. SERIA INTERESSANTE MOSTRAR O LADO REAL DA PARTICIPAÇÃO DO PEJ NA PROTEÇÃO A ESTA ESPÉCIE E FOMENTO AO ARTESANATO. PASSEI MAIS DE DEZ ANOS ACOMPANHANDO O TRABALHO DELES E CONVIVENDO COM AS COMUNIDADES. VI A PORTARIA DO CAPIM NASCER, VI O TRÁFICO AUMENTAR, VI MUITA COISA, MAS, VI, ACIMA DE TUDO, A IMPORTÂNCIA DAQUELA UNIDADE PARA A CONSERVAÇÃO AMBIENTAL DA REGIÃO, NÃO SÓ ELA, MAS TODO O MOSAICO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO JALAPÃO.
    SUCESSO E BONS PASSEIOS PELO BRASIL!!

  3. Ismael, demais seu relato. Venho da nascente e depois fui a foz do Rio São Francisco, e nestas experiências o mais gostoso é conhecer as pessoas e seu modo de vida, tão diferente mas nem menos importante que o nosso. Este é o Brasil que adoro conhecer.
    Para este turismo comunitário no Jalapão como posso entrar em contato com estas comunidades? Parabéns pelo blog, abs.

  4. Ismael, que delícia ler seu texto! Consegui me colocar mais próximo desse cenário tão encantador que só vejo por fotos e que a novela tem nos apresentado.
    Concordo contigo que essa experiência de turismo comunitário pode ser muito mais enriquecedor no ponto de vista para a absorção e entendimento de cada cultura… Infelizmente, não tive nenhuma experiência nesse sentido, mas, está nos meus planos. Quem sabe isso não acontece no Jalapão, não é mesmo?! rs
    Mais uma vez, parabéns pelo texto!

  5. Adorei a matéria. Nunca fui ao Jalapão. Tenho um blog de viagens voltado para mulheres 50+ e acho que nossas leitoras adorariam conhecer esse trabalho feito lá. Ser você quiser escrever um texto pra gente estamos super abertas. Eu sou jornalista especializada em turismo e fui editora do setor no EStado de Minas. Super quero fomentar essas experiências no site. E também fazê-las enquanto jornalista. Tem muitas mulheres interessadas nesse tipo de experiência.

  6. Que delícia de vivência, Ismael! Adorei o post. Tou escrevendo um texto lá pro blog sobre Turismo Sustentável e vou mencionar essa experiência 🙂 Muitas vezes o que atrapalha o acesso a iniciativas assim é a falta de informação, né? Temos mesmo que espalhar! Um abraço

  7. Oi, Ismael, bom dia!

    Que maravilha de relato, já me sinto totalmente convidada a buscar mais detalhes sobre esse local.

    Então, já conheço o TBC e pra quem busca outras experiências através da atividade turística essa é a mais indicada. Você conhece o local pelo contato com os próprios moradores, as histórias, ensinamentos são passados no boca a boca, de pai para filho, a hospitalidade …. é sem definição! E além de tudo isso, tem a sua relação com a natureza que é totalmente diferente de quando vc conhece ela através de pacotes de agências.

    Eu só recomendo esse tipo de se fazer turismo. Aqui no Ceará, temos a Rede Tucum com várias comunidades disponíveis para você conhecer, se vier, até topo partir em uma aventura pelo litoral cearense.

    Na Bahia tem a ong Luz de Grão e Griô que trabalha com TBC também e é uma comunidade kilombola. Lá eles trabalham com a pedagogia Griô, totalmente oral. Maravilhoso!

    Abraço!

    1. Adorei saber sobre essa rede Tucum, Léa! Conheço pouco do Ceará ainda, e seria uma maneira excelente de experimentar de perto.

      Obrigado pelas dicas 🙂

  8. Ismael

    Eu achei seu relato bem bacana e fiquei com vontade de conhecer o Jalapão. Confesso que a novela também ajudou na minha decisão, assumo rsrs, Mas acho super válido esse tipo de experiência.

    Eu não sei se um dos lugares que fui durante minha viagem para Alagoas seria um tipo de Turismo Comunitário. Em um dos pacotes de passeios em que comprei na agência, estava a de conhecer a Serra da Barriga, na época esse tipo de visita estava começando. Foi uma experiência maravilhosa sair um pouco das praias e entender um pouco de como era o Quilombo de Zumbi, Dandara e tantos outros.. enfim .. amei e super indico.

    1. Fico feliz que você gostou do relato, Giovanna! O Jalapão é muito, muito interessante mesmo, e acho que reforçar o turismo por lá é inclusive uma forma de barrar o agronegócio, que cresceu muito no entorno.

      Adoraria saber um pouco mais sobre essa experiência na Serra da Barriga! Está nos meus planos de viagem ir até lá

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