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O Tinder, a homossexualidade e a Tailândia

Detesto o Tinder e todos os aplicativos de pegação. Acho que eles objetificam, fulanizam, industrializam as relações humanas. E, porque não me levo a sério, volta e meia estou lá dando a cara a tapa. Aprendi a usar em viagens como ferramenta útil para conhecer gays locais — independentemente de como a noite termina. Na maioria das vezes é só um papo regado à cerveja favorita dele (que eu peço para que escolha) em um ambiente que ele goste. De quebra já conheço: a) uma pessoa b) uma bebida c) um lugar.

Poucos países me deixaram tão interessado em ter esse contatinho local quanto a Tailândia. O que sabemos aqui no Ocidente sobre os LGBTQI+ do Oriente? O máximo que eu conhecia eram as ladyboys, travestis ou transexuais tailandesas famosas pela perfeição das formas. Mas como a sociedade as vê?

Abri o app com essa dúvida, mirando nos orientais e me esquivando de tiros europeus, que têm uma artilharia pesada naquela região e um exército de homens prontos para a guerra. Com outros ocidentais. Era recorrente a mensagem “no asians” no perfil deles. Posso escrever uma coluna completa sobre o racismo estrutural contra asiáticos disfarçado de “não curto”.

Quando vi, estava parado na porta do hotel em Chiang Mai, no norte do país, esperando por um tailandês que me apanhou de carro. Ele era franzino e se movia de um jeito inseguro que denunciava seu nervosismo. Desviava o olhar quando percebia que eu o encarava, como se me devesse respeito. Perguntou para onde iríamos, e eu pedi que me levasse ao seu lugar favorito. Ele sugeriu um parque, eu aceitei com a condição de comprarmos umas cervejas para tomar. Engatou a primeira e pousou a mão sobre a minha coxa, testando os limites com códigos corporais universais. Removi e devolvi ao câmbio do carro. Acho que naquela hora ele sacou que não ia rolar, relaxou, e permitiu que a noite fosse realmente legal.

Sentados em dois balanços, bebendo e com o céu estrelado sobre nós, ele me contou que Thai significa livre na língua local, e por isso o país leva esse nome, já que nunca foi colonizado. Explicou por que a morte do Rei Adulyadej, que acontecera poucas semanas antes, havia impactado tanto a Tailândia.

viagens Tailândia

Wat Chedi Luang, Chiang Mai

E não entendeu quando eu perguntei sobre como era a vida dos LGBTQI+ por lá. “Normal”, desdenhou. “Somos completamente aceitos, não é uma questão, nada é proibido no budismo”, concluiu. “Mas seus pais, amigos…”, insisti. Deu de ombros. Apesar de relatos de preconceito pontuais que se encontra na internet, ele pareceu ter razão.

No dia seguinte, ainda intrigado, fui ao Monk Chat, ou “Conversa com os Monges”, no suntuoso templo Wat Chedi Luang, de 1441. Os monges circulam por ali com seus mantos de cor laranja intensa e se sentam debaixo das árvores com os visitantes para discutir sobre o que quiserem, sempre à luz do budismo. Pode ser um papo em grupo ou individual, uma experiência única. Não diga a um jornalista que ele pode perguntar o que quiser, porque ele vai perguntar mesmo. Fui direto ao ponto: “como o budismo encara a homossexualidade?” “Para nós, o que importa é que você seja uma boa pessoa com você e com quem te cerca”, foi o que ele se limitou a dizer sobre o tema. Sem tabus. Sem julgamentos. O Ocidente tem muito a aprender.

Imagens: Shutterstock.com

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Victor Gouvêa

Meu pai sempre me disse que a melhor coisa da vida era viajar. Eu acreditei. Misturei as formações em Turismo e Jornalismo para viver de viajar e contar tudinho. Parti de uma cidadela de 30 mil habitantes para morar em SP, EUA e Alemanha, visitar mais de 40 países (e contando) e acumular as histórias mais malucas.

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10 comentários sobre o texto “O Tinder, a homossexualidade e a Tailândia

  1. Gostei bastante do seu texto e da sua percepção como um ocidental viajante dessa experiência asiática. Infelizmente não conheço a Tailândia, mas conheci alguns tailandeses durante o meu mestrado e minha percepção é que eles são muito parecidos com os brasileiros sob os mais diversos aspectos, exceto a questão religiosa; as religiões monoteístas são extremamente opressoras e normativas em relação a sexualidade.

    Eu sei que a publicação é um pouco antiga, porém, fiquei bastante interessado na sua visão do racismo estrutural contra asiáticos. Tenho lido inúmeros artigos sobre o tema e gostaria muito saber a opinião de um brasileiro não-asiático.

    Agradeço o texto e desejo um excelente 2020, repleto de viagens e experiências incríveis.

  2. Fantástico o texto Victor. Dicas e comentários bastante valiosos. Tbm sou louca por viagens…
    Volte sempre. ?☀️??✈

    1. Que bom! Fico feliz de estar sendo bem recebida por você. Uma hora vou escrever sobre racismo asiático, sem dúvida. Obrigado pelo comentário

  3. Abri o post achando que ia encontrar uma coisa e… encontrei outra sensacional!
    Muito bacana você abordar isso, Victor. Tive alguns problemas em relação a beijo em baladas na Romênia, o Tinder por lá não funcionava tanto e as pessoas eram meio retraídas. No fim, conhece uma girl muito bacana que demorou pra relaxar mas relaxou 🙂

    1. É bom ser surpreendido,né Adri? Cada lugar tem seus códigos, gostei de saber da sua experiência na Romenia (anotando no caderninho). Bjs e volte sempre

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