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Atlas: China

A concubina que governou 1/3 do mundo: a história de Cixi, Imperatriz da China

Ela só podia conversar com homens por trás de um biombo de seda e não tinha permissão para andar em certas partes da Cidade Proibida. Mesmo assim, a Imperatriz Cixi governou a China por quase cinco décadas, controlando a vida de pelo menos 400 milhões de pessoas – no final da dinastia Qing, entre os séculos 19 e começo do 20, Cixi era a governante de um em cada três seres humanos no planeta.

Apenas os monarcas britânicos tinham mais súditos, e mesmo assim a diferença era pouca. Naquela época, todas as colônias e territórios do Reino Unido somavam 430 milhões de habitantes. A diferença é que enquanto a Rainha Vitória, que foi contemporânea de Cixi, era uma monarca constitucional e não chefiava o governo de fato, Cixi exercia o poder de forma oposta: na teoria ela não mandava em ninguém, mas sim seu filho, o Imperador Tongzhi. Na prática, porém, quem dava as cartas era Cixi, que criou uma biografia polêmica. Ela foi responsável por modernizar a China e abrir o oriente para o ocidente, aboliu castigos medievais e práticas cruéis, inseriu a mulher na sociedade chinesa, mas também acumulou assassinatos, perseguições políticas e golpes de estado.

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cidade proibida em pequim

Cidade Proibida, em Pequim

Cixi, de concubina a Imperatriz

Por conta da forma eurocêntrica de ver o mundo, Cixi é pouco conhecida no Ocidente. Mas basta uma passagem pela Cidade Proibida, em Pequim, para perceber que a Imperatriz é uma figura histórica tão importante para o país como Mao Tsé-Tung, cujo corpo descansa num gigantesco mausoléu na Praça da Paz Celestial, do outro lado da avenida.

Nas explicações dadas pelo audioguide da Cidade Proibida, Cixi é uma das personagens mais citadas. Nascida numa família importante e com acesso à educação, que em geral era apenas para homens, ela entrou para a corte aos 16 anos, quando foi escolhida como uma das muitas concubinas do Imperador Xianfeng. Mas ela não era uma de suas favoritas – na realidade, Cixi conquistou certa antipatia do monarca ao dar conselhos sobre questões políticas, algo que era inadmissível para mulheres.

Amiga da Imperatriz Xiaozhenxian, Cixi foi, aos poucos, galgando posições na escala das concubinas. O passo definitivo veio quando nasceu Tongzhi, filho de Cixi com o Imperador e único descendente masculino deste. Xianfeng morreu quatro anos mais tarde, deixando Tongzhi como herdeiro do trono chinês.

Cixi, rainha da China

Oito regentes, todos homens, foram apontados para governar o país até que o monarca crescesse, mas Cixi e a Imperatriz Xiaozhenxian viram nesse momento uma oportunidade. Elas derrubaram os regentes. Depois, ambas acharam um precedente, do século 17, que permitiu que Cixi também fosse declarada Imperatriz, o que deixou a China com duas governantas. Usando o sinete imperial, elas passaram a governar o país em nome do Imperador-criança. O governo dividido das duas Imperatrizes só chegou ao fim vinte anos depois, quando Xiaozhenxian morreu.

Cixi ficou no trono por mais 30 anos, até sua morte, em 1908. Seu poder permaneceu o mesmo com a maioridade de Tongzhi, que em seu curto reinado não se interessou por assuntos políticos e preferia farrear – o Imperador morreu jovem, aos 19 anos. Cixi adotou então um sobrinho, Guangxu, que foi declarado Imperador. Assim começou um novo período regencial, novamente com a Imperatriz no centro do governo de um Imperador-criança. Quando Guangxu atingiu a maioridade, ele até tentou governar de fato, mas esbarrou em Cixi, que continuou dando as cartas.

Foi só Guangxu resolver afastá-la do poder para que, em pouco tempo, ele acabasse numa espécie de prisão domiciliar dentro da Cidade Proibida. Foi o segundo golpe da Imperatriz, que ao longo de 50 anos colecionou assassinatos. A concubina favorita de Guangxu foi atirada num poço por ordem de Cixi, que ordenou que vários opositores cometessem suicídio.

Em outros campos, as décadas de Cixi foram de avanços. Ela criou as primeiras ferrovias do país, incentivou o desenvolvimento da indústria chinesa, ordenou a instalação do primeiro telégrafo, modernizou o exército e melhorou as relações e o balanço comercial da China. Ao trazer estrangeiros para dentro do governo, ela abriu a China para o ocidente. Ela também patrocinou e estimulou as artes, incentivou a educação de mulheres e era uma entusiasta das novas tecnologias, como a fotografia.

Por outro lado, a Imperatriz foi responsabilizada pelo massacre dos boxers, quando uma sociedade secreta chamada Punhos Harmoniosos e Justiceiros assassinou centenas de estrangeiros, entre eles vários diplomatas. O ato levou a nova intervenção estrangeira na China, que foi invadida pelo Exército das Oito Nações. O governo chinês, que tinha incentivado os boxers, foi forçado a aceitar várias imposições das potências estrangeiras.

Outro feito do governo de Cixi foi a abolição da prática dos pés de lótus, que já durava séculos. Meninas tinham os dedos dos pés quebrados, um a um, e em seguida atados com tecidos, para fazer com que os ossos se solidificassem em outra posição. Isso garantia que as meninas crescessem com pés menores, de até 10 centímetros, uma exigência dos padrões estéticos chineses da época. Em 2014, um fotógrafo fez um ensaio com idosas que tinham pés de lótus, as últimas testemunhas vivas dessa prática.

Numa linha parecida, Cixi também proibiu a pena de morte por mil cortes, em que o condenado era, como o nome indica, fatiado em pedaços pequenos até morrer.

Cixi Imperatriz da China

Desprezada por quase um século, a história de Cixi ganhou uma biografia de destaque em 2014, quando a escritora chinesa Jung Chang lançou o livro “A imperatriz de ferro: A concubina que criou a China moderna”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. A autora publicou também uma biografia sobre Mao Tsé-tung, esta proibida na China. “Mao cresceu durante o seu governo (de Cixi), e, mesmo sendo filho de um camponês, conseguiu bolsas de estudo para viajar pelo país. Ele teve o tipo de liberdades e oportunidades que eu, crescendo sob seu governo décadas depois, não poderia sonhar em ter”, disse a escritora.

Cixi morreu em 15 de novembro de 1908, um dia depois da morte do Imperador Guangxu, seu sobrinho e filho adotivo. Segundo a versão mais contada desde então, Cixi, ao perceber que estava perto da morte e com medo do que Guangxu faria se tivesse poder novamente, mandou que o Imperador fosse envenenado. Não há garantias de que esse assassinato possa ser mesmo colocado na conta da Imperatriz, mas as evidências de envenenamento são muitas. Em 2008, pesquisadores analisaram os restos mortais de Guangxu e encontraram uma grande quantidade de arsênico, num nível 2000 vezes acima do considerado normal.

Após a morte de Guangxu, Cixi, já em seu leito de morte, apontou Puyi como o futuro Imperador. Ele tinha apenas dois anos. Quatro anos depois, Puyi foi forçado a renunciar, por conta da Revolução Republicana – a renúncia foi assinada pela mãe dele. Para muitos, a Imperatriz Cixi é responsável pela queda da dinastia Qing, ao adotar políticas que causaram a ascensão dos republicanos. Para outros, Cixi chegou perto de transformar o país numa monarquia constitucional.

Cixi, que viveu numa época em que quase 70% da população do planeta era chefiada por duas mulheres, deu seu ponto de vista sobre o próprio legado ao se comparar com a Rainha da Inglaterra: “Apesar de eu ter escutado muitas coisas sobre a Rainha Vitória, não acho que a vida dela seja tão interessante e cheia de eventos como a minha”. Impossível discordar. Não importa qual seja a avaliação feita de seu legado, Cixi foi uma das pessoas mais importantes da China – o que a coloca num lugar de destaque na História mundial.

Após um velório grandioso e que durou um ano, o corpo de Cixi foi finalmente enterrado, envolvido numa grande quantidade de joias. Em 1928, a tumba foi saqueada, o corpo foi danificado e as riquezas desapareceram. Cixi está enterrada no Qīng Dōng líng, as Tumbas Orientais da Dinastia Qing, que ficam a 125 quilômetros de Pequim. 

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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13 comentários sobre o texto “A concubina que governou 1/3 do mundo: a história de Cixi, Imperatriz da China

  1. gostei muito do texto sobre a Grande Imperatriz da China Eu já havia lido um livro sobre esta extraordinária mulher! Conheço um pouco da China e gostaria de voltar lá.

  2. Também gostei muito da tua matéria, é cultura, essa maravilha que poucos gostam de escrever em seus blogs, obrigada por compartilhar e parabéns.

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