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A fantástica história do chocolate: a volta ao mundo que transforma o cacau

“Se esbaldar numa fonte do mais puro chocolate. Esse era o desejo de Augustus Gloop, mas, infelizmente, o jovem acabou se afogando no rio de chocolate e sendo sugado pela uma tubulação, enquanto o horrorizado dono da fábrica, Sr. Willy Wonka, reclamava da contaminação de seu produto, que não deveria ser tocado por mãos humanas. Os funcionários da empresa, conhecidos como Oompa Loompas, se encarregaram de ir, junto com a mãe do menino, buscá-lo na sala de recheios antes que ele fosse parar numa das caldeiras.”

A Fantástica Fábrica de Chocolate, filme de 1971, de onde eu peguei emprestado o trecho acima, sempre marcou o imaginário infantil sobre o doce que é quase unanimidade entre a população mundial. Qualquer pessoa que gosta de doce já sonhou em visitar a fonte do mais puro chocolate, mesmo que na vida real não exista uma cachoeira como a que mistura os chocolates Wonka e muito menos Oompa Loompas.

O encantamento e a curiosidade eram os mesmos quando estive na fábrica da Garoto, em Vila Velha, ainda criança; nas lojas de chocolate em Gramado ou num tour de chocolates finos na Chocoversum, em Hamburgo.

Entender como o chocolate é produzido, desde o cacaueiro até as prateleiras, e também sua história, é praticamente dar uma volta ao mundo e fazer uma viagem no tempo – talvez não tão fantástica como a história de Charlie e a fábrica de chocolate, mas certamente interessante.

Quem inventou o chocolate?

Quem inventou o chocolate primitivo foram os povos que habitavam a região originária do cacau, nossa querida América Latina. Há indícios de consumo do cacau desde 1500 a.C, pela civilização Olmeca, que habitava o território que hoje compreende México e Guatemala. Mas foram os maias que popularizaram e desenvolveram o costume de beber chocolate. Torravam as sementes, misturavam com especiarias como pimenta e utilizavam em cerimônias especiais. O cacau era tão importante que foi encontrado pintado nos templos e artefatos maias, além de pinturas de reis e deuses bebendo chocolate.

O sabor amargo é bem diferente do que conhecemos hoje, mais próximo do café – tipo uma barra daquelas com mais de 70% de cacau.

fruto do cacau historia do chocolate

Foto: freedomnaruk em Shutterstock

Por volta de 1400 d.C, os astecas dominaram os maias e o cacau passou a ser uma bebida para nobres e deuses. É que como não havia cacau nas terras astecas, eles só conseguiam acesso à fruta por meio de tributos pagos pelos maias. Mesmo com o acesso restrito, era uma bebida importante. O nome utilizado se parece com que usamos hoje: cacauhatl (água de cacau) ou xocoatl (água amarga).

Dizem as histórias que o Rei Montezuma bebia 50 copos de chocolate por dia – e um extra se fosse se encontrar com uma mulher. Por conta desses efeitos estimulantes, as mulheres astecas eram proibidas de beber chocolate. Acreditava-se que sabedoria e poder vinham de comer a fruta.

Uma lenda asteca contava que o Deus da Vegetação, Quetzacoatl, veio para a Terra com uma árvore de cacau e ensinou os mortais a como cultivar o fruto e fazer a bebida com suas sementes. Isso fez com que os outros deuses ficassem furiosos por ele dividir uma bebida sagrada com os humanos e o expulsassem do paraíso. Ele partiu, mas prometeu que um dia voltaria.

A história do retorno do deus foi um tiro que saiu pela culatra. É que Hernán Cortés, um importante conquistador espanhol, chegou nas terras astecas em 1519, usando armadura e joias – bem no ano que a lenda de Quetzacoatl prometia seu retorno. Com isso, os astecas acreditaram tragicamente que aquele era seu deus. Montezuma teria oferecido a Cortés um copo de chocolate e uma plantação inteira de cacau. A confusão, infelizmente, fez com que a conquista de Cortés sobre o Império Asteca fosse muito mais fácil.

Dizem que Cortés não gostou do sabor amargo da bebida de cacau, mas ficou espantando com o tamanho valor que os astecas davam a isso. Ele descobriu que esquentar a bebida tornava seu sabor mais suave e foi assim que surgiu o chocolate quente primitivo. O desbravador levou para a Europa não só as sementes, mas também o equipamento necessário para produzir a bebida. O comércio criado pelos conquistadores espanhóis e portugueses, acabou, cedo ou tarde, difundindo o cacau pela Europa.

Dos mil anos da bebida à barra de chocolate

Por volta de 1600, as primeiras tentativas de adicionar açúcar à receita aconteceram. Foi nessa época que a corte francesa teve contato com a bebida. Em 1659, David Chaillo abriu a primeira chocolateria em Paris. Dois anos antes, na Inglaterra, um comércio do tipo surgiu na Inglaterra, para competir com as casas de café. A bebida ainda era considerada luxuosa e somente homens podiam frequentar esses lugares.

A Revolução Industrial, por volta dos anos 1700, foi o passo essencial para que o chocolate, pela primeira vez, deixasse de ser feito de acordo com as tradições maias. Dois franceses tiveram um papel importante nessa história: Doret criou uma máquina hidráulica para transformar as sementes de cacau torrado numa pasta. Mais tarde, Dubuisson criou um moinho de chocolate movido a vapor. Assim, passou a ser possível moer grandes quantidades de cacau e produzir chocolate de forma mais barata, tornando o alimento disponível para qualquer pessoa.

fabrica de chocolate lindt

A máquina de conching, criada por Lindt no século 19, que mistura os ingredientes por até dois dias

O que você percebe por essa história é que o chocolate foi se transformando de acordo com a criação de diferentes máquinas. Em 1829, foi a vez de um holandês ganhar fama. Van Houten inventou uma prensa de cacau: ela conseguia retirar a manteiga de cacau fora da semente, deixando somente o pó. Ele também passou a acrescentar sais alcalinos no chocolate em pó, que ajudavam a misturá-lo com a água e deixar a cor mais escura e o sabor mais suave. Essas inovações tornaram o chocolate mais cremoso, suave e saboroso.

Mistura de chocolate acuca e leite em po

Mistura em pó de cacau, açúcar e leite. Quando colocada na boca, se transforma magicamente em chocolate

Essa separação da manteiga de cacau do pó permitiu que os chocolatiers pudessem criar novos sabores de chocolate. Sem isso, chocolate branco, chocolate ao leite e cacau em pó não existiriam.

Levou mais de mil anos para o chocolate começar a ser comido, ao invés de bebido. Somente em 1847 é que uma fábrica na Inglaterra, chamada Fry Company, produziu a primeira barra de chocolate do mundo.

A origem de tudo: o cacau

A origem do chocolate vem de uma árvore de nome engraçado, o cacaueiro, uma planta originária da bacia do Rio Amazonas. Cada fruto do cacau tem cerca de 40 sementes ou amêndoas, que são secas e torradas para originar a cocoa. Toda essa produção é bastante manual: desde a colheita até as sementes secas, os processos são poucos industrializados. Só depois que os grãos secos são embalados e enviados para as fábricas de chocolate mundo afora.

sementes ou amendoas de cacau secas

Foto: noBorders – Brayden Howie em Shutterstock

O Brasil é um país com condições ideais para o cultivo. Além da região da Amazônia, Bahia (Ilhéus) e Espírito Santo são os principais estados produtores. O Brasil é o quinto maior produtor de cacau do mundo, incluindo cacau fino (que é menos ácido e menos amargo, usado em chocolates premium), mas muito pouco dessa produção fica no país. Sempre é necessário importar para abastecer o mercado interno. Por exemplo, no primeiro semestre 2017, por conta do clima desfavorável para a produção, 54 mil toneladas de cacau tiveram que ser importadas de países africanos.

mapa producao cacau mundo

A Costa do Marfim é o maior produtor de cacau do mundo, mas tem uma história sangrenta com essa produção: escândalos de trabalho escravo e infantil já foram, inclusive, tema de documentários como “O lado negro do chocolate”. O problema é se manterem competitivos em uma industria que paga muito pouco pela matéria prima.

producao de cacau costa do marfim

Mulheres na produção de cacau na Costa do Marfim. Foto: BOULENGER Xavier em Shutterstock

Hoje em dia, algumas empresas produzem boa parte do chocolate do mundo: são a Mondelez, Mars, Nestlé, Hershey e Ferrero, que formam a “Big Chocolate”. Outras grandes empresas de chocolate usam selos de “fair trade” e buscam uma produção mais ética e sustentável. Mas ainda é muito pouco: a característica essencial do “Fair Trade” é que as organizações que produzem o cacau recebem mais pela produção, um valor que possa garantir o seu sustento e cubra as taxas de certificações. Segundo a Internacional Cocoa Organization, apenas 0,5% do cacau é vendido nessas condições.

Será que seu chocolate é chocolate mesmo?

Outra controvérsia da indústria do chocolate, e que afeta bastante o Brasil, é o mínimo do uso de cacau e a adição de gorduras vegetais na produção. Quando a gente se pergunta por que o chocolate belga ou o chocolate suíço são considerados os melhores do mundo, é porque eles usam no mínimo 38% de cacau e proíbem adicionar gordura hidrogenada. Esse é o caso também de chocolates premium. A União Europeia tem uma regra de no mínimo 30% de cacau na receita, e apesar de permitir a adição de gorduras vegetais além da manteiga de cacau, a quantidade não pode ultrapassar 5%.

composicao chocolate ingredientes cacau

Já no Brasil não é bem o caso. Nos rótulos de alguns dos “chocolates” brasileiros mais famosos, como o Batom, a lista de ingredientes, é a seguinte: água, açúcar, xarope de glicose, leite em pó desnatado, gordura vegetal, soro de leite e cacau. Lembrando que os ingredientes são listados de acordo com as quantidades na composição do produto, dá para imaginar que, nesse exemplo, pouquíssimo cacau é utilizado na preparação.

A resolução atual da Anvisa é de que o produto no Brasil precisa ter pelo menos 25% de cacau para ser chamado de chocolate. Há, desde março de 2018, dois projetos para tentar mudar isso: na Câmara dos Deputados, propõe mudança de 25% para 27%. No Senado, a sugestão é que o percentual suba para 35%.

história do chocolate tipos

Foto: Shulevskyy Volodymyr em Shutterstock

Segundo Priscilla Efraim, engenheira de alimentos e professora da Unicamp, entrevistada pela UOL, “De forma geral, espera-se que, quanto maior o teor de cacau, mais intenso o sabor do chocolate fique. Se subisse para 35%, a mudança seria mais notável”, isso sem contar que, para aumentar a quantidade de cacau, o açúcar e as gorduras vegetais teriam que diminuir, o que é um benefício para a saúde.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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