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Somos todos migrantes: é impossível pertencer a um só lugar

“A cidade mais próxima de você era, dois séculos atrás, quase inimaginavelmente diferente da cidade que é hoje. Dois séculos no futuro, é provável que seja pelo menos tão diferente quanto. Poucos cidadãos de praticamente qualquer cidade hoje prefeririam viver em suas cidades dois séculos atrás. Nós devíamos ter a confiança de imaginar que o mesmo será verdade para os cidadãos das cidades do mundo em dois séculos para frente” (Mohsin Hamid)

Esse parágrafo (e as demais citações ao longo do texto) foi retirado de um artigo de Mohsin Hamid para um especial da revista National Geographic sobre migrações. O ponto é nos dizer que somos uma espécie migrante, que a ideia de nativos versus forasteiros é um tanto estapafúrdia ao olharmos a história da humanidade. Que não só estamos em constante movimento geográfico pelos mais diversos motivos, mas também não paramos no tempo.

O que mais me marcou no parágrafo acima, sobre as cidades, foi por ser o exemplo mais perto de casa que ele poderia dar. Há uns 250 anos, o bisavó da minha avó, mal saído da adolescência, pegou um barco partindo da mesma cidade da qual hoje eu estou sentada escrevendo este texto, cruzou o Oceano Atlântico e foi para Minas Gerais, deixando para trás uma cidade e pessoas que nunca mais viu.

fotos antigas

Fotos Antigas. Crédito: Elena Dijour / Shutterstock 

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Tento imaginar o cenário e o contexto da cidade do Porto naquela época, como eu não poderia reconhecer a Porto em que ele viveu e ele não reconheceria o lugar onde eu vivo hoje, mesmo que muitas das construções aqui permaneçam. Talvez alguns tijolos e azulejos continuarão de pé daqui a 250 anos, mas provavelmente não haverá muitas memórias minhas, ou de meus antepassados, por aqui. Mesmo que nossos descendentes, se é que existirão, decidam também viver aqui um dia.

“Nenhum de nós é nativo do lugar que chamamos de casa. E nenhum de nós é nativo desse momento no tempo.” (Mohsin Hamid)

 

Meu antepassado que veio de Portugal é o único que eu consigo traçar com alguma certeza as origens. Sei que tenho no meu DNA marcas de índias capturadas, outros portugueses e espanhóis e provavelmente alguns negros que foram escravizados. No fim das contas, será que toda essa mistura pode dizer que sou somente brasileira? Afinal, cada país decide arbitrariamente o que define a nacionalidade de seu povo. Tem aqueles que consideram que são os seus laços sanguíneos que dizem que você é um nativo, ainda que tenha nascido a milhares de quilômetros dali. Outros, acreditam que o que mais importa é o espaço geográfico-temporal no qual você veio ao mundo.

Mais arbitrário do que isso, somente o fato de que as fronteiras geográficas de cada nação, essas linhas imaginárias que mudam com uma frequência assustadora ao longo do tempo, sejam consideradas por tantos como algo tão fixo e cristalizado. Um exemplo: hoje eu moro com uma polonesa cuja cidade natal fica na fronteira com a Alemanha. Há cerca de 70 anos, ela teria nascido alemã. Porém, a guerra alterou em alguns quilômetros uma fronteira – e com isso mudou também para o mundo a percepção de quem ela é.

Quantas pessoas na história de cada um de nós se mudaram no espaço e no tempo e deixaram marcas que fazem parte de quem somos hoje? Estendendo nossa árvore genealógica para milênios no passado, todos viemos de um fluxo migratório a partir do Continente Africano. Partindo desse princípio, o que significa ser nativo de algum lugar e por que isso importa tanto?

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“Humanos têm que fingir serem estáticos, imutáveis, ancorados à terra onde estão atualmente e a um tempo como o tempo de sua infância – ou da infância de seus ancestrais – um tempo imaginário, onde ficar parado é só uma possibilidade imaginária.” (Mohsin Hamid)

Nosso imaginário coletivo, social e cultural muitas vezes nos diz que pertencemos a apenas um tempo e um espaço. É a forma de tentar conter toda essa força que nos move, que nos faz não ficar num só lugar, que nos permite viver um instante depois do outro. Quantas guerras não são travadas nessa tentativa exaustiva e inútil de parar os movimentos da geografia e do tempo? Não podemos voltar ao passado tanto quanto não podemos impedir as pessoas de se moverem.

Tal como Hamid, sonho com o dia em que a nossa espécie de migrantes torne-se mais confortável com a realidade de ser uma espécie de migrantes. Que enfrentemos os desafios e oportunidades das mudanças e a riqueza que nasce com o contato de pessoas de outras partes. Afinal, o pertencimento não é nada mais que um estado.

“Todos nós experimentamos o constante drama do novo e a constante dor da perda do que deixamos para trás” (Mohsin Hamid)

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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