A primeira Parada LGBTQI+ de São Paulo a gente nunca esquece. Eu saí do armário tarde, e quando ainda estava na faculdade escolhia os jogos universitários que aconteciam no mesmo feriado de Corpus Christi. Já tinha uns 24 anos quando aconteceu de participar pela primeira vez, e me vi extasiado ali entre trios elétricos e milhões de gays, lésbicas, bis, trans, travestis e simpatizantes. Lembro do choque com a quantidade de gente que só São Paulo consegue reunir na maior Parada do mundo. E de ver que havia tantos como eu por aí. Entrei embaixo da imensa bandeira colorida, levantada em conjunto, e, com a luz vermelha batendo no meu rosto, admirei toda aquela gente feliz da vida, livre. Tinha um quê dionisíaco, teatral, muito bonito.
A Parada LGBTQI+ de São Paulo, que acontece no próximo dia 23 de junho de 2019, é mesmo única. Digo isso porque tive a oportunidade de visitar outras duas. A de Santiago, no Chile, é sisuda, cara de protesto mesmo, alinhada com a cultura chilena que foi vítima da ditadura pesada de Pinochet por tantos anos. As pessoas carregam placas, entoam palavras de ordem e caminham organizadas pelas ruas. Não vi nenhum beijo acontecer (além do meu, com outro brasileiro encontrado dançante na multidão). Um mirrado caminhão com caixas de som fazia a cabeça de um ou outro festeiro que se podia contar em una mano.
Já em Berlim, a cidade mais livre de que se tem notícia, como contei aqui nessa coluna, acontecem duas paradas simultaneamente. Uma delas, que desfila na avenida em frente ao Portão de Brandenburgo, é a que os moradores chamam de “pra turista”, com caminhões de patrocinadores e muita gay sarada. Preferi ficar na de Kreuzberg, que não tem floreios. Lembra mais uma festa fetichista, onde a galera extravasa na rua seus desejos e dança nos palquinhos fixos montados ao longo da Oranienstrasse. Mas ainda é bastante alemã, marcada pela batida da música eletrônica, e um tanto raivosa, eu diria.
A de São Paulo é salpicada pela brasilidade. Os trios elétricos deslizam pela Avenida Paulista e pela Rua da Consolação com uma vocação carnavalesca deliciosa: música alta, muita pele ao ar livre, fantasias e a intensidade como se as horas do mundo estivessem contadas.
Por Luciano Marques (Shutterstock.com)
Ainda assim, política. Como disse o escritor Thomas Mann, “tudo é política”. Desfilar seminu no centro financeiro do país, como fazem diversos meninos da periferia paulistana, possui uma carga política e simbólica imensa. Mas além dessa política do comportamento, não escapam discursos e chamadas para a luta de cima dos trios. Em 2019, a temática será “50 Anos de Stonewall”. Saiba mais sobre essa rebelião que foi um marco histórico na luta pelos direitos LGBTI+.
Agora do alto da posição de veterano de Paradas, eu daria algumas dicas:
- A primeira é chegar cedo para aproveitar a festa, que dá a largada às 10h da manhã.
- A segunda é evitar os trios mais concorridos (Anitta em 2017 e a gravação da série Sense 8 em 2016 pareciam cenas do apocalipse). Busque aquele trio que toca as músicas que você mais gosta, porque há um cardápio variado e eclético.
- Uma dica boa também é acompanhar a pista ao lado da que o trio está passando, geralmente é mais vazia e permite dançar mais.
- Seja quem você quiser, e deixe as pessoas aproveitarem esse dia para serem quem quiserem também, muitas delas vivem reprimidas e essa é a hora de abrir as asas, soltar as feras, cair na gandaia (um beijo para As Frenéticas).
- Ah, valem as mesmas dicas do carnaval: tem que levar documento, dinheiro e celular em uma doleira dentro da roupa, passar protetor e beber água, porque, apesar de estar mais friozinho, o sol ainda queima e o rolê desidrata.
- Não deixe de acompanhar a intensa programação da semana e use sempre camisinha, ãhn?
*Imagem destacada: Por Vergani Fotografia, (Shutterstock.com)