Quando você perde alguém em uma viagem

Já tem um tempo que eu escrevi essas palavras, mas ainda não tinha me decidido se iria publicar aqui no blog. Mas este mês faz três anos que meu avô faleceu, quando eu estava no meio do meu intercâmbio na Índia. Eu achei que valia a pena fazer essa homenagem.

Quando o email do meu pai chegou, era madrugada na Índia. Eu só fui ler na manhã seguinte, antes de sair da cama. Foi a primeira coisa que fiz naquele dia.

“Seu avô não suportou e faleceu.”

Havia outras linhas na mensagem escrita às pressas, mas essa foi a única que eu consegui ler. Meus olhos estavam embaçados demais para enxergar o resto e eu estava exausta. Não havia dormido direito a noite inteira, esperando que essa mensagem chegasse a qualquer momento. Não foi nenhuma surpresa, mas isso não torna as coisas mais fáceis.

Doze horas antes, eu estava em um jantar de Ação de Graças na casa de outros intercambistas. Lá, recebi uma notificação do Skype de uma das minhas tias dizendo que meu avô estava mal. Não tinha nenhuma novidade naquela mensagem, já havia alguns anos que ele estava mal. E foi por isso que eu entendi exatamente o que ela queria dizer.

Dias antes de embarcar para a volta ao mundo, eu disse para uma amiga que meu maior medo era que meu avô morresse enquanto eu estava longe. Mesmo que a gente saiba do risco, nunca acha que vai realmente acontecer. Quem a gente ama deveria ser eterno.

Acho que foi sorte, ou alguma coisa meio mística, que eu pude falar com ele apenas dois dias antes de sua morte. Ele estava na casa de um tio e do nada eles tiveram a ideia de me chamar por Skype. Ele estava amuado, meio cansado da vida e da doença que consumiu suas forças e tirou dele tudo o que ele mais gostava de fazer. Eu desliguei com um aperto no coração, pedindo em silêncio que ele me esperasse voltar, que esperasse nascer a bisneta, que esperasse minha irmã se formar em medicina como ele sempre disse que queria. Naquela mesma noite, ele foi para o hospital.

Minha família deixou claro desde o início: voltar não era uma opção. Eu estava muito longe de casa para chegar a tempo do velório, de qualquer forma. Quanto tempo você demora para viajar de uma cidade pequena no meio da Índia até Belo Horizonte, sem qualquer planejamento e reserva de passagens? Eu teria que me conformar em não estar onde eu deveria estar. A decisão tinha sido tomada quando eu embarquei para a volta ao mundo.

Eu não estive em seu enterro, mas procurei minha própria forma de dizer adeus. Na hora do velório, fiz uma chamada de vídeo para o celular de alguém e falei com minha família, mas preferi não vê-lo, como eu sempre prefiro em enterros. E sempre que eu passava por um templo ou local sagrado durante a viagem, pensava em uma despedida.

Foi assim até o dia que eu voltei ao Brasil, quando ele já tinha partido há oito meses. Para mim, era como se tivesse acabado de acontecer. Foi só então que eu tive que lidar com sua ausência na sala de TV e com a sensação de que ele podia sair do quarto a qualquer momento, dizendo o trocadilho com meu nome que ele sempre fazia. Demorou um tempo até que eu me acostumasse com a ausência.

Sempre que eu viajo tenho a sensação estranha de que tanta coisa aconteceu comigo enquanto estava fora, mas que a vida que eu deixei para trás no Brasil continuava a mesma, esperando para me receber quando eu voltasse. As mensagens que eu recebi naquele dia foram uma lembrança cruel de que a vida não espera por você para seguir em frente.

Meu avó nunca saiu do Brasil, mas uma de suas paixões era viajar. Era um pouco nômade e cada um dos seus filhos tem uma cidade diferente registrada na certidão de nascimento. Quando ele fixou raízes em uma cidadezinha no norte de Minas, as viagens não pararam.

Eu me lembro de ficar admirada com as histórias que ele me contava quando criança, de intermináveis jornadas de ônibus e de diferentes paisagens. Talvez essa tenha sido a sementinha do que eu sou hoje. E nessa e em tantas outras sementinhas que ele plantou por aí, talvez a gente possa pensar que ele ainda vive.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones, no Youtube e em inglês no Yes, Summer!. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

Ver Comentários

  • Deveriamos ser eternos aqui na terra. Mas a vida continua e um dia vamos encontrar com quem se foi...e e muito triste perder alguém.

  • Sei exatamente desse medo.. uma vez viajei e minha avó foi para o hospital.. viagem curta, e quando voltei, a idéia era visitar no mesmo dia.. não deu tempo.. mal aterrisou o avião, meu pai liga.. fiquei arrasada.. Agora ao vir morar nos EUA o meu maior medo era esse.. e parece que fui posta à prova.. em um mês minha afilhada e sobrinha de 4 anos parou no CTI com pneumonia gravíssima, depois minha avó (a que restou) retirou um tumor.. quase surtei, isso em 3 meses aqui.. chorava todos os dias.. em julho fui ao Brasil, pra ver todos e ficar calma.. vi que todo mundo estava bem e voltei.. mas o medo sempre existe..

    • Nossa Flávia! Que barra! Mas ainda bem que tudo ficou bem com a sua sobrinha e sua avó. Obrigada por comentar! =)

  • Bonita homenagem!
    A gente lê com um aperto no peito, pois sabemos que isso é a realidade. Tenho muito medo que aconteça algo assim comigo, mas é inevitável.

    A propósito, qual é o trocadilho que ele fazia com seu nome? =D

    • Rs, na verdade, era com meu apelido, que entre a minha família é Tata. Dai ele sempre chegava perguntando: "Onde é que a Tata tá?"

  • As perdas fazem parte de nossa vida. Sete meses depois de perder minha mãe, meu pai, que havia ficado muito abatido com a viuvez, diante da possibilidade de conhecer Israel e de rever a única irmã, que vive no Porto, convidou-me a ir com ele nessa viagem. Seriam 45 dias fora do Brasil, 20 dias em excursão com um grupo da igreja que frequentávamos, onde visitaríamos alguns países, incluindo Itália e Israel e depois, por nossa conta, 25 dias em Portugal, revendo a família e a irmã, que ele não via há anos... No 10º dia da viagem, estávamos fazendo um bate volta aos arredores de Nápoles. Saí com o grupo para fazer uma visita e meu pai resolveu ficar no ônibus, pois não se sentia disposto, achava que ia gripar. Quando volto ao ônibus, encontro meu pai morto! Teve um ataque cardíaco fulminante. Morreu dormindo. O grupo seguiu viagem e eu fiquei em Roma resolvendo questões burocráticas do repatriamento do corpo. Isso foi em 1997... Foi um baque pra mim. Mas, graças a Deus, esse evento não tirou de mim a paixão por viagens. Já retornei às cidades que visitei com meu pai e foi muito bom. A saudade é para sempre. À ausência vamos nos acostumando...

    • Nossa Cândida! Que situação terrível! Mas ainda bem que você consegui lidar com esse baque e continuou com a sua paixão de viajar, mesmo para as mesmas cidades onde aconteceu! Acho que é importante a gente sempre olhar pra frente. Obrigada por comentar!

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Publicado por
Natália Becattini
Tags: Reflexões

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