Você se considera ocidental?

Eu costumava dizer que sim. Até por uma questão geográfica – Europa, Américas e uma pequena parte da África seriam do Ocidente; dessa linha imaginária em diante seria o exótico Oriente. O Oriente das Índias, da China e do Japão. Enfim, o famoso “outro lado do mundo”. Mas então como explicar a Austrália e a Nova Zelândia, ocidentais mesmo estando do lado de lá? Ou a Itália e a Grécia, berço do mundo Ocidental, mas que estão do lado Oriental desse muro imaginário que nos separa?

E tem mais: quase todo brasileiro urbanizado e de classe média se sente ligado à cultura ocidental, afinal crescemos ouvindo músicas, vendo filmes e acompanhando séries norte-americanas e europeias. Mas os autores dessas produções não sentem a mesma coisa. Pergunte para um inglês, um norte-americano ou um alemão se o Brasil faz parte do mundo ocidental. É muito provável que você se surpreenda com um tremendo não, afinal para eles brasileiros é que são exóticos. Tão exóticos quanto os orientais.

Rio de Janeiro

O escritor Alex Castro conta que, ao dar aulas numa universidade dos Estados Unidos, recebia inúmeros alunos no curso de literatura brasileira, gente que ia em busca de quatro créditos de uma disciplina sobre culturas não-ocidentais. E, pelas regras da universidade, literatura brasileira preenchia esse requisito.

Já o jornalista Guga Chacra disse que passou por uma situação parecida quando estudou nos Estados Unidos e lembrou que no Conselho de Segurança da ONU o Brasil nunca é tratado como país ocidental, mas como um dos BRICS. E a também jornalista Gisela Anauate, que mora na França, contou que professores e colegas europeus também não enxergam o Brasil como um membro do clube ocidental.

Mas você nem precisa viajar ou conversar com um gringo para perceber isso. Basta perguntar ao Google. Digite “países ocidentais” na aba de notícias, de preferência em inglês (western countries), e veja se o Brasil aparece entre os citados. Eu não achei.

Por outro lado, encontrei um artigo da britânica The Economist que nos coloca bem longe do ocidente:

“A chegada da China melhorou a infraestrutura da África. (…) Outros países não-ocidentais, como Brasil, Turquia, Malásia e Índia, estão seguindo esse caminho”.

Salvador, Bahia

É mais do que uma questão geográfica

O conceito de ocidental não tem nada a ver com o Meridiano de Greenwich, que só foi estabelecido em 1851 e passou a separar o mundo geograficamente entre Oriente e Ocidente. A visão de mundo é muito mais antiga do que essa convenção. Ela já existia quando a Grécia era comandada por Alexandre, que dominou os persas, os egípcios, os babilônios e os indianos, todos orientais.

Foi após Alexandre, que espalhou a cultura grega pelo planeta, que a ideia de dois mundos começou a nascer. Até que veio o Império Romano, expandiu o mundo de Alexandre, mas por fim acabou dividido entre Império do Ocidente (Roma) e Império do Oriente (Constantinopla, hoje Istambul).

Séculos mais tarde, já na Guerra Fria, Ocidente e Oriente foram divididos pelo sistema político. Capitalista? Vai pro balaio ocidental. Comunista? Entra no montinho Oriental. Isso explica como Cuba, mesmo a 100 quilômetros de Miami, dificilmente seria considerada Ocidental por alguém. Por falar nisso, e Miami, hein? Tão hispânica assim, será que faz mesmo parte do Ocidente?

Hoje, com o fim da divisão do mundo em três – 1º mundo, 2º mundo e 3º mundo – a visão de Ocidental é uma mistura de dinheiro, política, religião e cultura. Países que tenham tido forte influência religiosa cristã costumam ser colocados como ocidentais. Muçulmanos, hindus e budistas são o Oriente. Só não vale lembrar que o cristianismo nasceu no Oriente Médio, exatamente no mesmo lugar que nasceram o islamismo e o judaísmo – aí a confusão toma conta da conversa.

E, mesmo com toda a importância que o cristianismo teve na América do Sul, o conceito atual de ocidente envolve necessariamente países desenvolvidos, independente da posição geográfica: Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França, Alemanha, Austrália e Nova Zelândia são ocidentais. Brasil, Argentina, China, Índia, Malásia, Chile e Turquia não são.

São Paulo

Se não somos ocidentais, então somos orientais?

Claro que não. Durante o quase um ano que vivi na Ásia, tinha certeza que os brasileiros eram tratados como exóticos, simpáticos e como parte de outro mundo. Mas para o Oriente esse mundo não era o Ocidente.

Logo após o fim da Guerra Fria, o cientistas político Samuel Huntington publicou o livro “O Choque de Civilizações e a Reconstrução da Ordem Mundial”. Nele, Huntington dividiu o mundo em oito grandes civilizações: hindu, chinesa, japonesa, islâmica, budista, ortodoxa, subsaariana, ocidental e latino-americana.

Sim, somos latinos. Apesar da língua, é impressionante a quantidade de semelhanças que temos com nossos vizinhos argentinos, chilenos, uruguaios, paraguaios, colombianos, venezuelanos (e todo o resto da América do Sul). Todos temos influência cristã, língua ibérica e problemas sociais típicos de nações em desenvolvimento.

E os peruanos? São ocidentais?

Isso importa?

Separar o mundo entre Ocidente e Oriente acabou não dando conta das diferenças contadas aos bilhões. A mesma coisa acontece com a divisão em oito partes. Por isso, acho que no fundo a importância do rótulo de ocidental, oriental ou latino-americano é só essa mesmo: a de rótulo. Importa mais para os livros de geografia do que para a vida real.

Afinal, a vida real de um indiano de classe média é bem parecida com a vida de um brasileiro ou norte-americano de mesmo nível social. Há diferenças, claro: o indiano pode ser budista ou hindu, enquanto o brasileiro tende a ser cristão, por exemplo. Mas também é possível que um brasileiro budista um dia trombe com um indiano cristão, afinal essas diferenças se dão no plano pessoal.

Buda Gigante em Hong Kong

Para mim, disso tudo ficam duas questões importantes: por que nós, brasileiros, muitas vezes nos sentimos mais próximos do mundo ocidental que do mundo latino?

Passei cerca de dois meses na Argentina, logo depois da Copa do Mundo. Desembarquei em Buenos Aires menos de 24 horas depois da Argentina perder para a Alemanha e com o país num clima de enorme frustração. Assim que desembarcamos, o taxista que nos levou ao hotel fez questão de perguntar: “Por que vocês brasileiros não se sentem latinos?”.

Buenos Aires, Argentina

A pergunta era uma provocação, principalmente porque os argentinos não entendiam como brasileiros preferiram torcer contra a Argentina (e a favor da Alemanha, a inimiga do 7 x 1). Mas, mesmo feita num momento de rivalidade entre os dois países, a pergunta tem o seu fundo de verdade: brasileiros se sentem menos parte da América Latina do que nossos vizinhos. Até por uma questão de idioma. Até por uma questão de colonização, já que o único país colonizado por portugueses virou um Império independente, enquanto a América espanhola se dividiu em várias repúblicas. Mesmo com essas diferenças, é preciso lembrar: somos latinos.

A outra pergunta, talvez ainda mais interessante, envolve conceitos de oriental, ocidental e latino-americano, entre outros: o que é uma cultura exótica? Por que classificamos assim aqueles que são diferentes da gente? Seria exótico tudo que é oposto ao que julgamos ser cultura ocidental?

Aceito pensamentos (e discordâncias) nos comentários.

Inscreva-se na nossa newsletter

Avalie este post
Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Olá!
    Encontrei seu texto em uma busca preparando uma aula sobre o mundo ocidental e oriental e adorei.
    Suas citações estão perfeitas , infelizmente é assim mesmo que o mundo nos vê, nos classifica, afinal é uma divisão feita pelos "seres superiores".
    É uma divisão complexa na atualidade, mas ainda usada .

  • Somos sim um país ocidental.É muito analfabetismo funcional,por conta do preconceito rídículo deles,não considerar a américa latina como ocidente.

    Mundo Ocidental

    Ocidente- Europa
    Baixo Ocidente- África
    Ocidente Médio- América (Norte,Central,Sul)
    Extremo Ocidente- Oceania (Austrália,Nova Zelândia e ilhas adjacentes: Polinésia,Melanésia,Micronésia)

    • O problema é que a divisão deles vai além da questão geográfica, Marcelo. E há tempos a palavra já perdeu o sentido original também.

      E, como digo sempre, essa não é minha opinião, que entendo perfeitamente seu ponto de vista e até concordo parcialmente. Só faço um comentário sobre o ponto de vista deles nisso.

      Abraço!

  • O significado de ''latino'' foi desvirtuado, na verdade muitos europeus também são povos latinos, logo, é errado chamar apenas sul americanos de latinos. Americanos mais uma vez fizeram um desfavor ao mundo com isso.
    Países sul americanos são ocidentais sim, embora tenham suas peculiaridades.

  • Nossa, que absurdo! Nunca passou pela minha cabeça que nós não fôssemos ocidentais! É claro que somos. Nossa cultura é formada quase toda pela herança portuguesa. É óbvio que o Brasil faz parte do ocidente. Toda a América Latina faz. Quem falar o contrário só pode estar louco.

  • Gostei bastante do post.

    Lendo os comentários, acredito que outro ponto a ser levantado é: por que é tão importante assim sermos considerados ocidentais? Por que seria ruim não ser ocidental? E, principalmente, será que não seria melhor assumirmos de vez nossa identidade latino-americana e parar de ficar lambendo botas de europeus e norte americanos?

    • Não se Trata de “pagar Pau” se trata de Assumir a Identidade que Nos foi dada e pela nossa ancestralidade , os australianos moram na oceania e são decendentes de Ingleses , eles deveriam “negar” esta ancestralidade e criar a civilização “oceanica” não daria certo não acha ? o mesmoa aconteceu por aqui a maioria de nós e decendentes de Portugueses espanhois italianos e mesmo misturados com os povos locais temos ligação cultural , etnica e religiosa com a civilização ocidental ao qual portugal, espanha e italia fazem parte então acho justo por uma questão de honra (como o amigo pedro Mundim disse) sermos considerados parte do mundo ocidental , não é porque seremos melhores do que ninguem sendo mas sim pq fazemos realmente parte do legado do mundo ocidental

      • Então, para muitos norte-americanos, Portugal e Espanha também não são ocidentais.

        Não estou dizendo que concordo com isso, só que muita gente pensa assim.

    • Por que é tão importante assim sermos considerados ocidentais?

      Principalmente por uma questão de honra. É bastante óbvio que a nossa exclusão do mundo ocidental, defendida por europeus e norte-americanos, não é uma questão de ponto de vista nem deriva de nenhuma argumentação histórica ou antropológica, mas trata-se do desejo de colocar os pobres para fora. A nossa presença no mundo ocidental envergonha-os, porque se for assim, então eles não podem afirmar que o mundo ocidental é composto 100% por países ricos. Então nos apontam a porta da rua. É como aquele pai cujo filho não deu para nada, então ele chega e diz para ele: você não é meu filho. Você gosta de ser bastardizada?

      É verdade, contudo, que muitos sul-americanos têm a mesma opinião, mas com motivação diferente: por uma questão de nacionalismo pueril e autoafirmação, eles querem romper com o colonizador, vendendo a ideia de que o europeu não passou de um invasor e que sempre tivemos aqui uma civilização original e distinta da Europa. Como se pessoas de sobrenome Almeida, Silva e Oliveira fossem porta-vozes de povos originários... É bobagem. Se renegamos nossa ancestralidade ficamos sem valores, sem referências, totalmente perdidos, condenados a construir toda uma nova civilização da estaca zero, coisa que está obviamente acima de nossa capacidade. A Civilização Sul-Americana não é uma civilização, mas um gueto, um conceito que foi inventado para nos apartar do mundo ocidental.

      Penso que devemos, sim, receber como ofensa pessoal nossa exclusão do mundo ocidental.

      • Concordo com boa parte do que você disse, Pedro. É complicado, para essa visão do mundo ocidental admitir que também há países pobres nesse meio. É o contrário do que a ideia muitas vezes vendida, né? De ocidente evoluído e oriente caótico...

        Mas não tomo essa questão como ofensa não. Acho que é mais uma questão da gente refletir sobre isso mesmo, ver como essas coisas são criadas.

        Abraço.

  • Acho Uma audacia dos Europeus e Americanos Não nos considerarem ocidentais até mesmo o cientista-politico samuel Huntington , em "criar" a civilização "latino-americana" NÂO ! eu me recuso assim como a maioria dos Brasileiros a ser parte desta "civilização" afinal A espanha e Portugal fazem parte do Ocidente e Nossa Politica , religião , costumes, Lingua e uma infinidade de outras coisas são trazidas diretas do ocidente então Na Minha opnião somo ocidentais SIM! como uma outra pessoa comentou aqui - Os europeus e americanos se sentem envergonhados em compartilhar a civilização ocidental com os paises Pobres da America latina , e pra fazer o mundo ocidental 100% precisavam nos excluir e "criar" uma civilização pra nos, MAS ACHO ISSO UM ABSURDO ! porque quem deve decidir a que povo deve pertencer são os proprio cidadões dessas nações ! E SIM! NA MINHA OPNIÃO ATE MESMO O MUNDO "LATINO" PERTENCE A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL POR QUE SÃO DECENDETES DOS ESPANHOIS QUE SAO UM POVO DO OCIDENTE ! ESSA DISCUSSÃO ME DA NOS NERVOS , E ACREDITO QUE NOS NERVOS DE MUITOS BRASILEIROS QUANDO SÃO CONSIDERADOS "não-ocidentais"

    • Muito bem Guilherme. Você percebeu direitinho o que está por trás dessa discussão que muitos ingenuamente julgam ser apenas uma questão ao de ponto de vista. Mesmo se aceitarmos a definição de "mundo latino", deve ser lembrado que o mundo latino pertence à civilização ocidental - o Latium não ficava no centro da Itália, onde se originou Roma? Acaso Roma e Grécia não são as matrizes da civilização ocidental. Nossa latinidade nos une ao próprio cerne dessa civilização!

      Penso que devemos, sim, receber como ofensa pessoal nossa exclusão do mundo ocidental.

  • Muito bacana o seu post. Nunca havia pensado neste ponto de vista. Pra mim eu era ocidental. Realmente não somos integrados e nem nos reconhecemos como latinos, e isso é uma pena, pois nós brasileiros que perdemos com isso. É incrível como os nossos vizinhos sabem sobre a nossa música, Cultura e não é não sabemos praticamente nada,com exceção da colombiana Shakira, ou dos mexicano do Maná, ah mas aí não conta, pois são artistas "globalizados". Mas se pararmos pra pensar em nosso próprio país colocamos barreiras e divisões que reforçam o preconceito, vide as declarações contra os nordestinos pos-eleiçao. Mas aí é uma outra história.

  • Excelente post!
    Creio que realmente não há sentido em separar em oriental e ocidental.
    Mas verdade seja dita, os brasileiros são os que se sentem menos latinos de toda a América Latina.
    Apesar de fazer fronteira com quase 7 países de língua espanhola, como segunda língua se prefere o inglês, alguns tem aversão total ao espanhol, mas é realmente muito difícil achar alguém que tenha aversão ao inglês (podem achar difícil de aprender, mas aversão não!).
    Isso é em relação a tudo! Música então, nem se fala!

    • Sim, há a berreira da língua espanhola. Mas é engraçado como a língua inglesa parece não ser uma barreira para muitos de nós, né?

      Abraço.

  • Meu professor na graduação de RI uma vez perguntou pra turma se o Brasil era parte do ocidente,a resposta foi um sonoro "CLARO!" Hahahaha Como estávamos enganados ! Ser um país ocidental é a mesma coisa que ser um país de maioria branca, capitalista, desenvolvido, cristão católico ou protestante (apesar de uma pequena parte atéia) e herdeiro cultural e político da grécia, por isso a Austrália e a Nova Zelândia são ocidentais e nós ,assim como os Indianos,Chineses e Árabes, não o somos.
    O Brasil sempre tentou,principalmente durante o Império, se distanciar de nossas origens indígenas/africanas e se ater a parte européia da nossa formação, afinal ser branco e europeu era sinônimo de civilização ! Parece que ainda não superamos essa fase... por quanto tempo mais taparemos o sol com a peneira antes de começar a valorizar o que é nosso e reconhecer nossa afinidade com a América do Sul, Central e a África? Os Brics foram um passo importante para que ao menos o nosso governo parasse de brincar de fazer parte do clubinho presidido pela união européia e os EUA e tentar formar e fortalecer sua própria turma ( o que não significa de forma alguma cortar relações com o clube desenvolvido,mas somente usar dessas relaçoes com inteligência), mas ainda temos muito chão a percorrer...

    • Cristina, uma coisa é termos afinidade e interesses econômicos comuns com outros países emergentes, outra coisa é a nossa colocação dentro da civilização ocidental. As afinidades a gente escolhe, a herança cultural a gente não escolhe - é História. O tempo não volta atrás.

      Se o fato de termos influências não-européias na formação de nosso povo aparta-nos do mundo ocidental, então, pelas mesmas razões, os EUA deveriam ser considerados não-ocidentais. Mas é claro que ninguém afirma isso. Ao contrário, já ouvi muitos americanos comentarem que não consideram certos países europeus como membros do mundo ocidental, que na visão deles, compreenderia somente a chamada anglo-esfera - o Reino Unido e suas ex-colônias. É a opinião deles.

      A verdade é que a auto-exclusão da América Latina do mundo ocidental esconde um excesso de nacionalismo de nossa parte e uma revolta algo pueril contra os antigos colonizadores, tidos como opressores e saqueadores de nossas riquezas - assim, valorizar nossa herança não-européia seria uma forma de expulsar os invasores e resgatar nossa suposta identidade. Muitos apregoam isto movidos por um sentimento de culpa pela opressão passada sofrida por ameríndios e africanos. Mas a verdade é que uma herança cultural não-européia, neste continente, só é presente em umas poucas regiões da América Central e dos Andes, onde os povos pré-colombianos eram evoluídos e suas tradições sobreviveram até os dias de hoje. No restante, Brasil inclusive, os povos originários eram primitivos e de sua cultura só restaram vestígios. Nós, brasileiros, sejamos brancos, pretos ou caboclos, ou temos uma formação cultural de origem européia, ou somos simplesmente ignorantes.

      Na extremidade oposta - na Europa e nos EUA, ou seja, no mundo desenvolvido - a exclusão da América Latina do mundo ocidental reflete um sentimento de vergonha por compartilhar o mesmo contexto civilizacional com países pobres. Como diz o ditado, filho feio não tem pai. Se a América Latina faz parte do mundo ocidental, então o mundo ocidental não é 100% composto por países ricos, e isso é desagradável de admitir. Mas se a América Latina é excluída do mundo ocidental, então o problema está resolvido. Sob este enfoque, o conceito de mundo ocidental perde toda a sua conotação étnica e cultural, e torna-se um paradigma, na prática reduzido a sinônimo de primeiro mundo: quem é rico é ocidente, mesmo se for o Japão (muitos o incluem no mundo ocidental). Mas eu acho que nós não devíamos engolir isso.

Compartilhar
Publicado por
Rafael Sette Câmara
Tags: Reflexões

Posts Recentes

O que eu vi do alto do campo base do Everest

*Por Silvia Paladino No dia 12 de outubro de 2023, eu cheguei ao acampamento base…

6 meses atrás

Como é a relação dos iranianos com o álcool

– Aí estão vocês, eu estava esperando! Venham!, disse, apontando para um beco que parecia…

6 meses atrás

Lençóis Maranhenses e o artesanato com fibra de Buriti

Chegar no povoado Marcelino é uma atração à parte na visita aos Lençóis Maranheses. Depois…

3 anos atrás

Como são os Cursos Domestika? Descubra como funciona a plataforma

A Domestika é uma comunidade criativa e que oferece diferentes categorias de workshops: do desenho…

3 anos atrás

Niède Guidon, a arqueóloga que mudou a Serra da Capivara

“Na Pedra Furada, abaixo de um local onde havia pinturas, escavamos tentando encontrar marcas do…

3 anos atrás

Comida saudável pra todos: comer bem e descolonizar o paladar

“Muita gente acha que comer saudável é cortar açúcar, por exemplo, entrar num mundo de…

3 anos atrás