Por que tanta gente odeia as ciclovias?

Imagine o seguinte: 30 pessoas fecham uma importante avenida. Em forma de protesto, eles colocam pneus no meio da via e ateiam fogo. Além disso, espalham uma série de blocos de concreto pela avenida.

Esse protesto foi real. Ocorreu na última terça-feira, no Barreiro, região de Belo Horizonte. E não foi por conta da falta d’água. Tampouco contra a violência ou por causa da baixa presença do governo (seja municipal, estadual ou federal) na vida daquela comunidade. Nada disso. O protesto foi contra uma obra pública. Foi contra a instalação de uma ciclovia de pouco mais de um quilômetro. Comerciantes e moradores protestaram porque vagas de estacionamento iriam desaparecer, entre outros argumentos.

Enquanto as ciclovias são apontadas por especialistas como uma das soluções para resolver o problema do trânsito nas grandes cidades de todo o mundo, no Brasil impera o ódio. Faça um teste: digite “Ciclovias Protesto” no Google e veja o que você vai encontrar. “Moradores vão à delegacia contra ciclovia (e fazem boletim de ocorrência)”. “Moradores prometem protesto e luta contra ciclovias”. “Motoboys fecham avenida em protesto contra ciclovias”.

Até aí tudo bem. Por mais que esses protestos estejam muitas vezes na contramão do que defendem engenheiros de trânsito, ainda é o uso do legítimo direito de expressão. Viver em sociedade é assim – todos têm direito a mostrar seus argumentos. Mas não são incomuns os casos em que o ódio contra as ciclovias é transformado em ódio contra o ciclista.

No bairro Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, ciclistas já foram surpreendidos por tachinhas espalhadas na ciclovia, resultando em pneus furados e dor de cabeça. Isso para não falar dos ciclistas que são diariamente atropelados, muitos deles enquanto pedalam por faixas exclusivas para bicicletas. Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, um ciclista morre por semana na cidade.

É óbvio que projetos de ciclovias que sejam defeituosos e com erros de planejamento merecem protestos da população, principalmente dos próprios ciclistas, os maiores prejudicados em situações assim. Mas, como fica evidente pelos exemplos listados acima, não é isso que motiva muitos dos que lutam contra as ciclovias.

As ciclovias são uma boa ideia?

Um meio de transporte limpo e que ocupa muito menos espaço que outras opções. Além disso, a bicicleta comprovadamente faz bem à saúde, afinal tira pessoas do sedentarismo e ajuda a diminuir a poluição atmosférica. Junte isso ao preço mais baixo – seja para implantar uma ciclovia ou comprar uma bicicleta – e pedalar parece ser uma boa alternativa para resolver o problema do transporte público nas grandes cidades.

E é mesmo. Só não é o único. O investimento em faixas exclusivas para ônibus e num metrô eficiente também são fundamentais na criação de um sistema de transporte público de qualidade. “Uma boa cidade não é aquela em que até os pobres andam de carro, mas aquela em que até os ricos usam transporte público. Cidades assim não são uma ilusão hippie. Elas já existem”, costuma dizer Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá e responsável por realizar uma intensa mudança na cara da cidade, nos anos 90.  Numa entrevista recente para a Folha, ele completou o pensamento: “Quando falamos de bicicletas, não estamos falando que vão substituir os ônibus, os trens nem nada disso. Mas as bicicletas podem chegar a ter um percentual importante nas viagens”.

Para Jan Gehl, arquiteto e professor universitário que se tornou famoso ao melhorar a qualidade de vida na Dinamarca, as ciclovias são uma das respostas para um dos maiores problemas das grandes metrópoles: os engarrafamentos. “Se todas as cidades desenvolverem um sistema de ciclovias e de transporte público eficiente, se reduzirem a ênfase do transporte privado, conseguirão reduzir o trânsito”, diz ele

Ciclistas em Budapeste (Foto: becherpig, Wikimedia Commons)

É evidente que ciclovias não são a saída para todo mundo e nem em todas as ocasiões. Um idoso pode ter dificuldade de pedalar, uma pessoa que precisa fazer compras no supermercado pode não querer ir de bicicleta. Mas nem por isso elas deixam de ser uma saída para muita gente – mesmo que não a sua – em várias situações.

Um trabalhador que mora longe do centro pode optar por percorrer alguns quilômetros até a estação de metrô mais próxima, guardar a bicicleta lá, pegar o metrô para o trabalho e fazer o percurso inverso no fim do expediente. Uma pessoa que precisa ir até a padaria pode fazer isso pedalando, evitando usar o carro para distâncias nem tão grandes assim.

Para especialistas, esse é o grande segredo das ciclovias: a maioria das pessoas não vai usá-las para percorrer grandes distâncias, mas para fazer trajetos mais curtos. O detalhe é que uma grande quantidade de deslocamentos dentro de grandes cidades é para distâncias assim. Segundo Guilherme Wisnik, professor de Arquitetura e Urbanismo da USP, “25% do congestionamento que temos hoje (em São Paulo) se deve a percursos curtos feitos de carro – menos de três quilômetros”.

Vou repetir: 25% dos deslocamentos dentro de nossa maior metrópole são para curtas distâncias. Um em cada quatro carros. O que impede esses motoristas de pedalar? Embora sempre existam os casos em que o carro, mesmo para distâncias curtas, é necessário, uma pesquisa do Ibope mostrou que 63% dos paulistanos que nunca usam bikes fariam isso se houvesse mais segurança. Antes que alguém diga que falta de segurança é algo muito amplo, 27% dos entrevistados indicaram expressamente que essa falta de segurança reflete uma necessidade de ciclovias.

Apesar desses dados, basta ler os comentários de qualquer texto sobre esse assunto para perceber que muitos leitores se apressam a afastar a possibilidade de usarem as ciclofaixas, que são chamadas de “aberração”, “populistas” e “coisa de pseudoprogressistas jovens que não têm compromissos sérios e só sabem vadiar”. Para essas pessoas, gente séria não pedala. É por isso que em Amsterdam não tem gente séria.

São Paulo

“São Paulo não é Amsterdam”

“Mas São Paulo não é Amsterdam! Lá é tudo plano, não tem morro, não faz calor, você não chega suado no trabalho”, garantem muitos dos que protestam contra as ciclovias. E eles têm um ponto: São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, enfim, nenhuma das nossas cidades é  Amsterdam. Começando pelo clima.

Se o Brasil é o país do verão de 40 graus, partes da Europa são dominadas pelo inverno rigoroso. Não tem sentido usar o clima para argumentar que o uso maior de bicicletas como meio de transporte é inviável no Brasil. Holandeses e dinamarqueses pedalam para ir ao trabalho mesmo com temperaturas muito baixas, chuva e vento contrário. E, como diz o Daniel, autor do blog Ducs Amsterdam, “o vento é a subida da Holanda – é sempre contra”. Só quem nunca viveu em lugares onde o inverno é rigoroso diz que o calor de 40 graus é pior que o frio congelante. E com vento contrário.

Amsterdã

Sobre chegar suado ao trabalho, quem resolve pedalar até a empresa costuma tomar banho por lá, antes de começar o expediente, principalmente quando uma grande distância é percorrida ou o calor é muito intenso. Isso é inviável? Provavelmente não – e atualmente muitas empresas já são pensadas com banheiros adaptados para isso. Mas exige uma mudança de comportamento das pessoas.

Se a falta de morros ajuda a vida de ciclistas de cidades como Amsterdam, lugares nem tão planos também provam que as ciclovias podem fazer parte do transporte urbano. Um bom exemplo é São Francisco, nos Estados Unidos, frequentemente apontada como uma das melhores cidades do planeta para pedalar. E que é famosa por seus morros e colinas. Já Bogotá, na Colômbia, prova que a implantação de ciclovias não é coisa de países ricos, algo distante da realidade de países em desenvolvimento.

O jornalista André Trigueiro, da Rede Globo, chamou atenção para esse ponto numa entrevista para a CBN, que você pode escutar aqui: “Por mais absurdo que o paulistano hoje em dia diga: ‘Imagina se uma cidade desse tamanho, do jeito que está, um dia vai oferecer conforto, segurança para o ciclista? Duvido!’ Bom, é a parte do copo vazia. Todo mundo tem o direito de ser pessimista, de ser cético. Agora, Bogotá, eu não estou falando de Europa, estou falando de Bogotá, aqui pertinho, estou falando da Cidade do México, do lado de cá, nossos irmãos latinos, mexicanos, e a Cidade do México é uma cidade que lembra muito São Paulo, em certos aspectos, tomaram a decisão, assumiram e custearam políticas públicas para abrir espaço para a bicicleta e não se arrependeram”.

E ele completa: “Não é inteligente, para uma cidade saudável, abrir mão da bicicleta, da bicicleta sem estar ligado ao lazer e ao entretenimento”.

Ciclistas em São Franciso ( Foto: Mwparenteaur, Wikimedia Commons)

Mesmo cidades com relevo montanhoso, como Belo Horizonte, têm vales e áreas planas, locais que podem ser transformados em áreas de circulação de ciclistas. E subidas de menor intensidade podem ser encaradas pedalando, como qualquer site especializado no assunto costuma mostrar. E nas subidas muito íngremes, como fazer? Bem, se nem todo mundo vai encarar um morro acima pedalando, tem quem encare morro abaixo. Para voltar, basta fazer outro percurso, optando por ruas menos íngremes.

A questão dos morros é algo que exige do poder público planejamento na hora de implantar ciclovias, mas ainda ficam no ar as questões: por que cidades brasileiras que são planas não fazem uso da bicicleta como meio de transporte? Por que há oposição contra a instalação de ciclovias mesmo em áreas planas?

Assim como no Brasil, a implantação de ciclovias em cidades da Europa e dos Estados Unidos (entre outros lugares) não foi algo que nasceu da noite pro dia, mas ocorreu por conta de muita luta da sociedade e de diversos governos.

Copenhague, Dinamarca (Foto: Leif Jørgensen, Wikimedia Commons)

De onde vem tanto ódio?

Ninguém gosta de ser tirado da própria zona de conforto. Quando uma ciclovia é instalada na porta de uma casa, é provável que esse morador se incomode caso não possa mais parar seu carro em frente à residência. Só que não há mudança sem impacto. Ou, melhor dizendo, não há mudança sem mudanças.

É claro que muitas vagas de estacionamento irão desaparecer por conta das ciclovias. É claro que motoristas e pedestres terão que se adaptar, aceitando essa nova realidade. Com o tempo, muitos deles tendem a aderir ao uso, mesmo que ocasional, das bicicletas. Segundo uma pesquisa do Ibope, o uso de bicicletas na capital paulista subiu 50% em 2014.

Além de uma questão de costume, algo que vem com o tempo, o aumento do número de lugares para guardar as bicicletas, o aumento da segurança do ciclista, a conclusão e interligação de todas as ciclovias nos grandes centros urbanos e a criação de campanhas de conscientização pelos direitos do ciclista tendem a fazer esse número aumentar ainda mais.

Belo Horizonte

O que não pode ser feito é transformar o assunto numa questão partidária. Não é. Em São Paulo é o PT, de Fernando Haddad, que acredita na implantação das ciclofaixas. Em Belo Horizonte, o prefeito Márcio Lacerda, do PSB e aliado de Aécio Neves, do PSDB, dedica esforços em seu segundo mandato para a implantação de ciclofaixas, com gastos que podem chegar a 50 milhões de reais – o plano é alcançar 380 km de ciclovias até 2020. E na capital mineira o diretor da BHTRANS, empresa que cuida do transporte e do trânsito em Belo Horizonte, está no cargo dentro da chamada cota do PSDB.

Não importa qual seja o partido ou político por trás das ciclovias, ele enfrenta oposição, sempre com os mesmos argumentos. E não só aqui no Brasil. No exterior também foi assim. Na Alemanha as ciclovias foram implantadas ao longo da década de 1980. Lá também houve protestos contra o fechamento de ruas e perda de vagas de estacionamento, alguns deles violentos e com demonstração de ódio contra ciclistas.

Em Copenhague, na Dinamarca, aconteceu algo parecido. Quando a prefeitura resolveu fechar o trânsito para carros numa das principais ruas da cidade, população e jornais bradaram: “Não somos italianos”. “Usar espaços públicos é contrário à mentalidade escandinava”. Essas manchetes lembravam que, ao contrário da Itália, na Escandinávia faz muito frio. Quem iria querer enfrentar o inverno pedalando?

Copenhague (Foto, Wikimedia Commons)

Ao contrário do que pregavam os céticos, muita gente. Hoje 36% dos deslocamentos dentro da cidade são feitos de bike, número que ajuda Copenhague a ser a capital europeia com menores índices de engarrafamento. Mudou só o continente: quem protesta contra ciclovias no Brasil não se cansa de garantir que não somos holandeses ou dinamarqueses.

E Nova York, até ela, também fechou ruas e tirou espaços dos carros para criar ciclovias. A partir de 2007, NYC criou 320 quilômetros de ciclovias, não sem muita polêmica e reclamação popular. Segundo John Orcutt, ex-diretor de transportes da cidade, a aceitação só veio seis anos depois. “Criticar o governo é o esporte favorito da população de Nova York. A rede de ciclovias foi um desses projetos. Construímos 320 km e surgiram brigas por causa delas. Em 2011, algumas pessoas ameaçaram nos processar por causa das ciclovias”, disse ele (entrevista completa aqui).

Criar ciclovias é uma tendência em muitas metrópoles do mundo, independente do partido ou posição política que está no governo. No entanto, mesmo gente inteligente parece não perceber isso, como a professora de semiótica da PUC, Lucia Santaella, que no ano passado disse que as ciclovias de São Paulo são vermelhas não por conta do vermelho ser a cor usada em quase todo o mundo para ciclofaixas, mas para fazer propaganda do PT.

O pior tipo de ódio é o político, aquele que só existe contra as ações de determinado partido, mesmo que essas ações sejam positivas e necessárias para a sociedade. A pessoa não é contra algo por acreditar nisso ou ter argumentos. É contra pelo simples fato de se opor. O comentário de um leitor num texto sobre ciclovias, na Veja São Paulo, ilustra o problema: “Eu andava de bicicleta antes, mas depois que isso virou modinha de esquerdopata filhinho de papai, parei. Não quero ser confundido com estes idiotas.”

Não concordar ou querer fazer uso das ciclovias é um direito válido. Ser contra por mera oposição política é idiotice.

*Imagem destacada: Hora do Rush em Copenhague, Mikael Colville-Andersen (Wikimedia Commons)

 

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Eu acho formidável pode andar de bicicleta, porém para resolver o problema de transito em SP, precisamos de transporte publico digno e de não de ciclovias. Não temos segurança, planejamento e principalmente educação do povo.

    • Ciclovias fazem parte do sistema de transporte e são importantes, são um complemento, Jessica.

      Educação falta mesmo. Resta cada um fazer sua parte. :)

      Abraço e bom dia para você.

  • Ótima reflexão, Rafael!

    Eu moro em SP e vejo de forma muito positiva da mudança que as pessoas que pensam "fora da caixa" estão participando. Uma pena que alguns KM´s foram simplesmente borrados de vermelho e hoje estão largados... e entrarão nos programas eleitorais.
    De qualquer forma, é preciso enxergar que "desorganizando, podemos nos organizar"... é um começo!

  • Muito bom o texto, como sempre, Rafael. A cada mudança imposta, penso no exemplo da obrigatoriedade do cinto de segurança e em como as pessoas reclamavam, chegando a usar artifícios para burlar a lei. The only human being who takes changes easily is a wet baby!
    Quando terminei o texto, suspirei de pesar, porque se tem algo que me entristece, mesmo, no país é esse ódio crescente, algo que não sei se sempre existiu e as redes sociais tornaram mais latente ou se realmente cresceu com a presente situação política. Infelizmente não é só ódio partidário, as pessoas desrespeitam quem pensa diferente delas, seja pela política, religião, escolhas como bike X carro e até modo de viajar (!). Triste, e precisamos nos policiar sempre para não fazer o mesmo.
    Não vou repetir o que foi dito no post ou nos outros comentários sobre os pros e contras das ciclovias em SP, ode vivo, mas gostaria de lembrar àqueles que criticam o uso do automóvel que ele é a solução para uma boa parcela da população, numa cidade que não está preparada para tanta gente, não só para tantos carros. Antes de criticar quem usa carro, todos deveriam tentar entrar o metro na estação terminal Corinthians-Itaquera no horário de pico matutino. Eu também escolheria o carro... E tem ciclovia que chega lá, sim, mas quem aguenta pedalar, por exemplo, mais de 20 km até a Paulista, ralar o dia todo e na volta encarar mais 20 km?
    Eu não ia falar, mas vou dizer: o que revolta é o custo das ciclovias e a qualidade delas. Pequenos comércios foram prejudicados, sim. Moradores perderam suas vagas em frente a suas casas. Mas se tivéssemos o mínimo de retorno com os altos impostos que pagamos, esses pontos negativos seriam minimizados. Saber que o dinheiro de impostos escorre cachoeira abaixo prejudica a auto estima de uma nação. Acho que uma boa parte do ódio - que não se justifica, a meu ver, mas que compreendo, vem daí.
    abraços!

    • Esse ódio todo é assustador, Márcia.

      Eu não vejo o carro como vilão. Nunca vi. Mas tirei ele completamente da minha vida e não senti falta. Sei que nem todo mundo pode fazer isso - pessoas diferentes, contextos diferentes.

      Eu tenho outra percepção sobre o metrô de São Paulo, no entanto. Eu tinha que pegar o trem numa estação lotadíssima, quando trabalhava aí. Cheguei a sair da estação com a mão sangrando uma vez, por conta de uma confusão no embarque. Era o caos.

      Mas eu nunca, nem no meu pior pesadelo, queria ir pra casa de carro. Preferia esperar meia hora até o fluxo diminuir. Muitas vezes meu chefe pagava meu táxi para casa, mas eu passei a recusar. Um trecho que eu demorava 50 minutos de metrô demorava 2h, 2h30 de carro. No meu caso era uma opção muito pior.

      Enfim, cada caso é um caso. Sim, há muitos problemas políticos, há superfaturamento, há revolta. Mas as ciclovias são tendência, assim como a perda de vagas na frente da casa de moradores. Isso é irreversível. Tem engenheiro de trânsito que defende que tudo seja transformado em rotativo, com cobrança de taxas em todos os casos, de forma a diminuir a presença do carro nas ruas.

      Paris e Madrid discutem acabar completamente com o trânsito de veículos no centro das cidades. Imagine o problema que isso vai dar!

      Mas vai acontecer, não tem volta. É o espírito do tempo. Ninguém gosta de mudanças, ainda mais quando elas mexem com nosso estilo de vida, mas isso é uma mudança geral que será tomada para evitar problemas maiores. 90% da poluição das grandes cidades é causada por carros.

      É uma questão muito complicada, eu sei. Mas a mobilidade urbana é uma das grandes questões de nossa época. E tinha que ser complexa mesmo.

      Abraço e obrigado pelo comentário. Como sempre, você ajudou - e muito - no debate. E de forma educada e saudável. :)

  • O problema do Brasil definitivamente é educação, cada um vive por si e não respeita o próximo, seja ele motorista, pedestre ou ciclista. Um ponto muito importante que ninguém comentou é a segurança, eu moro em São Paulo e existem muitos assaltos... complicado....

    • A questão da insegurança é seria no Brasil mesmo. O problema mais sério de todos, inclusive, e que está ligado ao problema da desigualdade.

      Abraço, Jessica.

  • Eu sou a favor de ciclovias sim, mas acho que precisaria de um projeto melhor de ciclovia que facilitasse o transito e que não prejudicasse ninguém, é louvavel que facilitemos que os ciclistas andem nas ruas, mas com um projeto bem feito.

    • O projeto tem que ser bem feito. Concordo com você nisso, Lorenzo.

      Só não sei dizer se os projetos atuais são ruins. Na realidade, acho que já são positivos só de existirem, mesmo que com defeitos.

      Abraço.

  • Como sempre, adoramos generalizar. É mais simples dizer que todo político é corrupto e votar em qualquer um, xingar o chefe sem conhecer a realidade da empresa fora de seu setor. A mesma coisa acontece com as ciclovias, uma iniciativa louvável, que sim, têm seus erros, mas e os acertos? Por que não tem destaque? Uma das principais críticas que ouço é a falta de ciclistas nas mesmas. Na minha cidade (Sorocaba-SP) o número de ciclistas saltou de 190 mil para 300 mil em 3 anos. Graças a quê? Implantação de ciclovias, paraciclos espalhados pela cidade, empréstimos de bicicletas pela prefeitura em diversos pontos. O sistema é perfeito? Óbvio que não, ainda possui muitas falhas, mas foi uma quebra de paradigma muito positiva. Um breve passeio pela única (e mais polêmica) ciclofaixa da cidade nos horários de pico reflete isso: pessoas indo e voltando do trabalho com as magrelas. Eu, mesmo sem ser adepto, já usei a estrutura para complementar viagens feitas com transporte público. Em São Paulo o mais importante vem sendo feito: a discussão está sendo trazida à tona. O modelo adotado é perfeito? Não, mas é ótimo alguém ter coragem de fazê-lo. Quem faz alguma coisa pela primeira vez e acerta logo de cara? Nem no primeiro mundo é assim, uma rápida pesquisa e esse mito de que tudo lá fora é perfeito cai por terra. Críticas pontuais são válidas sim, mas desde que haja uma reavaliação dos nossos próprios conceitos e uma visão um pouco mais ampla da questão.

    • Aqui em BH também está assim, Sam. A prefeitura fez mais ciclovias, embora de forma bem mais tímida que na capital paulista. Mas tenho notado um aumento no número de ciclistas. Vejo vários indo para o trabalho assim, inclusive por avenidas que ainda não têm ciclofaixas.

      Obrigado pelo seu comentário.

      Abraço.

  • Não sou contra a ciclofaixa ciclovia ou seja lá a denominação que dão a isso..O que fico indignado é a falta de.planejamento da prefeitura...e também o desrespeito de ciclistas..ando por toda a são Paulo como.motorista executivo e vejo locais onde é inviável a instalação delas.. cito aqui um exemplo...Rua Max Berg. Ela começa na av padre Arlindo Vieira e termina na rua marquês de Lages..um trecho de pouco mais de 400 mts mas nosso "inteligentissimo" prefeito fez uma ali..sem nenhum planejamento pois é uma rua bem estreita onde mal passam 2 veículos em sentido contrário. .É um local onde também passou linhas de ônibus além do que só tem esse trecho..minha conclusão. .MEU..SEU dinheiro sendo desperdiçado..

    • Não moro há anos em SP, então não sei bem como está isso. Se há falta de planejamento, é sim um problema. Mas é fato também: é preciso fazer ciclovias pela cidade toda. Enfim, parar de pensar cidades para carros.

  • Bom... tenho carro e não tenho bike, atualmente dirijo menos de 8 km para ir ao trabalho e me sinto totalmente ridículo dentro de um carro num trajeto tão curto desperdiçando incríveis 45min... Acho inaceitável que alguém que dirija ache ruim a proliferação de ciclofaixas pela cidade... Eu mesmo serei um dos pularei fora do carro quando fizeram trechos de ciclofaixa para a região onde trabalho... Essa desculpa do banho é totalmente furada pois hj em dia muitas academias de musculaçao oferecem um plano só para banho... Em breve outras opções surgirão. A desculpa do planejamento tbm é outra coisa ridícula ee se ouvir... QUANDO EM ALGUM MOMENTO DA HISTÓRIA DESSE PAÍS FOI PLANEJADO ALGO? QUANDO ALGO PLANEJADO NESSA TERRA DEU CERTO? QUANDO FOI, QUE VC CIDADAO QUE ADORA QUESTIONAR PLANEJAMENTOS, PLANEJOU ALGO?
    Tem mais é que espalhar ciclofaixa por todo o canto mesmo! Depois vai vendo onde foi sucesso e onde foi cagada corrige.
    E esse papo dos desvios de recursos e superfaturamentos... Bom... Infelizmente essa é a cultura dos governantes e empreiteiros... E não somente do PT como muitos de mente fechada costumam querer dizer... Isso é uma infecção cronica desse pais...
    Concluindo... Tem que espalhar ciclofaixa mesmo...400km é pouco! Haters gonna hate sempre e parem de mimimi...

  • Não, definitivamente não odeio a ciclofaixa, pelo contrario, as utilizo diariamente para trabalhar. Moro em um lado do Ibira e trabalho do outro, vou de bike pelo meio do parque...uma delicia! O que não está certo é a falta de planejamento e a forma como foi contratado o serviço. A principal irregularidade apontada pela auditoria do TCM foi o uso da Ata de Registro de Preços, em que a Prefeitura faz uma cotação prévia e usa os preços para contratar o serviço dos fornecedores. Segundo o TCM, esse modelo deve ser usado para serviços de simples execução, que dispensam a elaboração de projeto básico. Para o tribunal, as obras de implantação das ciclovias ou ciclofaixas não se enquadram nele por causa da complexidade dos projetos. Nesses termos acredito que a atitude correta seria paralisar as obras até que se faça um estudo de impacto nas diferentes áreas da cidade, um estudo de implantação, um projeto executivo e a contratação dos serviços de forma correta e transparente.

    • Ciclovias não são mais do que calçadas sinalizadas de uso exclusivo p/ ciclos e afins, assim como as ciclofaixas não passam de sinalização de ruas. Se p/ construção de calçadas ou sinalização é necessário projetos básico ou executivo, bem como contratação dos serviços por edital,concordo com as críticas, caso contrário não passam de artifícios daqueles que de alguma forma se sentem prejudicados, seja por perderem privilégios ou ideologia política.

    • Oi, André. Se há alguma irregularidade, claro que precisa ser apurada e, caso comprovada, os envolvidos devem ser punidos.

      Mas nada disso muda o ponto básico: é preciso fazer mais ciclovias. Todas as capitais brasileiras, independente do partido político, estão entrando nessa onda.

      Abraço.

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Publicado por
Rafael Sette Câmara
Tags: Reflexões

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