Do Alentejo se vê a grandeza do mundo

O Alentejo é dourado. Essa foi a conclusão que cheguei após dirigir quilômetros sem cruzar com nenhum outro carro ou pessoa, além de algumas vacas nos pastos e ocasionais tons de verde dos vinhedos. É dourado o tom principal do interior de Portugal. Dizem que essas cores mudam ao longo do ano, mas é esse dourado do início do verão que vai ficar na minha memória, quando precisar descrever essa terra.

O Alentejo é sertão, Veredas. Não sei se Guimarães Rosa esteve ali, mas eu conseguia ver Riobaldo e Diadorim nos campos a perder de vista, as plantações, os vazios de gente, os castelos e fortificações, as histórias – mesmo que a característica geográfica do sertão não seja acertada. Outro grande escritor, José Saramago, disse certa vez que do alto do castelo do Marvão: “vê-se a terra toda… Compreende-se que neste lugar do alto da torre de menagem do castelo de Marvão, o viajante murmure respeitosamente: Que grande é o mundo!” Foi exatamente isso que senti quando lá cheguei.

Aldeia da Luz

Marvão

O Alentejo é, para mim, brasileira, uma mistura de Minas com Bahia. Tem seu próprio ritmo e personalidade, que está assim, na fala das pessoas, talvez pelo calor que aqui é maior do que no resto do país. Também tem sua culinária tão típica, tão saborosa, tão reconhecida por todos os portugueses. O pão alentejano, a carne alentejana, o vinho alentejano. São motivos de orgulho e de boas memórias.

Castelo de Vide

Cada vila ou aldeia tem suas casas pintadas de branco, com tons de amarelo, azul ou vermelho para dar um charme. Tem chão de pedra, tem flores nas sacadas e também tem um castelo para chamar de seu. A história e a geografia contribuem para isso: a fronteira, com a Espanha, vizinha e várias vezes inimiga, é logo ali, se você errar uma saída da autoestrada, talvez caia no outro país sem querer.

Além disso, foram séculos de dominação moura. E também de judeus que ali viveram. A arquitetura é uma mistura de tudo isso. Também dos romanos que ocuparam a região séculos antes. E muitos e muitos milhares de anos, também há memórias em pedra, lembranças do neolítico. O Alentejo é história.

Évora

Monsaraz

História apagada também. A secura trouxe a necessidade pela água, principalmente nessa terra de agricultores. Para ter mais água, o jeito foi fazer o sertão virar mar, e com isso a Barragem do Alqueva, do rio Guadiana, em 2002, cobriu casas, ruas e até alguns castelos, mudando a vida das pessoas e das pequenas aldeias ao redor. O Grande Lago azul, que é o maior reservatório artificial de água da Europa Ocidental, reflete a cor do céu. Céu esse que dizem ser diferente, especial, com tantas estrelas que parece estar mais perto da gente.

Barragem do Alqueva

A verdade é que o Alentejo é onde Portugal guarda algumas das suas melhores tradições, atrás das muralhas, entre os rios, no verde das vinhas e no dourado dos campos. É imperdível e emocionante fazer parte, nem que por poucos dias, dessa terra de onde se vê o mundo.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Fantástico o texto Luiza. Bem, tudo que escreve nos traz informações úteis as nossas viagens. Muito bom de seguir... Gratidão!!!!

  • Nossa, que texto lindo! Acho que foi seu texto mais poético que li até hoje. Parabéns!

    Pontos extras por citar o queridíssimo Saramago. ?

  • Fiquei emocionada ao ler o relato! Viajar é sentir! Espero em breve sentir Portugal no que tem de mais autêntico! Parabéns pelo belo trabalho!

  • Santa Luiza, pelo amor de Deus, me dê um mapa de como sair de Lisboa e chegar à Évora sem me perder e ir parar na Espanha kkkkkk. Será minha primeira viagem internacional e alugaremos um carro em Lisboa para ir ao Alentejo conhecer algumas vinícolas, especialmente a Cartuxa, que, já sei, fica bem próximo de Évora.

  • Parabéns Luiza pela sua sensibilidade, presença e entrega ao relatar a sua experiência na região do Alentejo. Sou brasileira e como forma de agradecer a minha Cidadania Portuguesa estou desbravando as diversas regiões desse belo país. Confesso o meu encantamento e as magníficas surpresas encontradas, seja circulando pelo Algarve, Lisboa/Setúbal, Alentejo/Costa Vicentina ou na região norte onde estou no momento.
    Ana Maiato

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Luiza Antunes

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