Amor, ódio, coentro e a maior polêmica da cozinha brasileira

“Tenho pena, você é um completo idiota”, escreveu um homem numa discussão de Facebook. Ofensa que era uma réplica: ele tinha sido chamado pouco antes de “vagabundo” e “mosca varejeira”. É difícil dizer quem começou a confusão e jogou no lixo o nível do debate, afinal nesses casos a intolerância costuma ser generalizada e parte de todos os lados. Num tópico tão polêmico então, aí já viu – tem muito debate político por aí que dá menos treta. O assunto da vez? Coentro. Adoradores e haters da planta, preparem-se. É hora de falar de comida. Ou de sabonete, diria a oposição.

“Tenho um amigo, paulista morando em Natal, que diz que seu primeiro ato na presidência será extinguir todos os pés de coentro do Brasil!”, escreveu uma mulher, em claro tom de brincadeira. “Qual o nome do seu amigo? Voto nele com certeza”, respondeu outra, enquanto uma terceira, também entrando na onda, firmou posição contrária à Política de Proibição do Coentro, a PPC: “que ele NUNCA seja presidente”, escrito assim, em letras maiúsculas e com o jeito de quem diz que votaria em qualquer adversário, afinal o que importa é eleger o menos pior. Eu vou além: que um candidato com essa proposta não seja nem síndico de prédio. Jamais.

A polêmica – que nunca deveria ter deixado o campo das brincadeiras – começou com um meme postado pelo historiador Leandro Karnal. “Começamos a cruzada para libertar o Brasil do mal chamado coentro!”. As 24 mil curtidas e quase 10 mil compartilhamentos ajudam a mostrar que nenhum ingrediente, receita ou comida é mais polêmico. Nem o chuchu, afinal todo mundo concorda que chuchu é sem graça e não merece o ódio de ninguém.

O coentro é um ingrediente tradicional na Ásia, no Mediterrâneo e na América Latina. Ele é adorado no México e no nordeste brasileiro, e há quem garanta que ele é uma das principais atrações de qualquer viagem para cima da divisa do Espírito Santo. Eu viajaria só por causa da (onipresença) dele. Goiás e Minas também gostam de usá-lo, em especial o norte. E como a comida do norte de Minas é boa, viu!

Por outro lado, o coentro é odiado em vários cantos do mundo, da Europa aos Estados Unidos, com uma boa dose de desgosto do sul e parte do sudeste brasileiros. Para os que o odeiam, o problema é o gosto, que lembraria o sabão e roubaria o sabor de todos os outros ingredientes do prato, além do cheiro, que é marcante e embrulharia o estômago. Muita gente garante que passou mal depois de pedir um prato que veio repleto de coentro, o que ajuda a piorar a relação dessas pessoas com a planta e seu cheiro.

Na polêmica do Facebook, a intolerância – não ao coentro, mas às opiniões alheias -, surgiu quando algumas pessoas alegaram que só gosta de colocar coentro no prato quem não sabe cozinhar. Argumento que dá munição para os que garantem que tudo não passa de etnocentrismo: quem não gosta o faz por não compreender os sabores de outras culturas.

Para Leandro Karnal, o autor involuntário da polêmica, isso não tem o menor sentido. “Morei no México e lá o coentro é tudo, mas eu odiava. Fui muitas vezes para a Tailândia. Lá o coentro é tudo e eu tinha de dizer sempre: no coriander. O mesmo no Peru: sin cilantro! O coentro é originário do Mediterrâneo e aparece na Itália e na Grécia. Nem sempre somos o centro do preconceito do mundo”, escreveu ele, em resposta a uma seguidora que apontou que boa parte do discurso, digamos, coentrofóbico ocorre “porque ele é a base da culinária nordestina”.

Imagem: Shutterstock.com

A teoria do etnocentrismo com relação às gastronomias que abusam do coentro tem outros defensores, como a chef Lisandra Amaral, que comanda o restaurante Maria Farinha, em São Paulo. “Como o coentro é um tempero nordestino, não é nobre, e não é difundido aqui (no sudeste) acho que muita gente tem preconceito puro”, explicou ela nessa reportagem da Vice.

Por outro lado, historiadores atestam que o discurso de ódio contra a planta impactou até no nome do tempero. É o que garante a obra The Oxford Companion to Food, de Alan Davidson, um escritor especializado em gastronomia. No livro, Davidson diz que a palavra Coriander (coentro em inglês) vem de uma expressão grega usada para percevejos, o que seria mais uma prova de que o problema da planta é o cheiro – e que a polêmica já dura milênios.

Além da questão cultural, a genética ajuda a entender melhor o assunto. Foi essa a conclusão de Charles J. Wysocki, biólogo e professor da University of Pennsylvania. Ele apresentou frascos de coentro para diversas pessoas, dividindo os testes entre grupos de irmãos gêmeos idênticos e gêmeos bivitelinos, sem identificar a planta. Entre os gêmeos idênticos, 80% tiveram a mesma opinião sobre o coentro, enquanto no outro grupo isso só ocorreu em 42% dos casos. Para o pesquisador, é uma prova de que o ódio ou o amor ao coentro tem componente hereditário. As pessoas sentiriam cheiros diferentes para a mesma planta e até mesmo sentiriam o amargor de formas completamente distintas.

Se é verdade eu não sei, mas torço para que a polêmica diminua. Numa viagem recente pelo Rio Grande do Norte, onde o coentro deveria ser uma das atrações turísticas, digo, gastronômicas, quase não encontrei o tempero em restaurantes. Pelo menos não em estabelecimentos à beira-mar ou que ocupam as primeiras posições do TripAdvisor.

Eu não entendia a ausência da planta na mesa potiguar, até que um garçom do Caxangá, restaurante tradicionalíssimo em Pipa e por onde passam turistas de várias partes do Brasil, explicou o problema: “Coentro? Vocês devem ser os primeiros turistas de fora do nordeste a pedirem isso. Em geral o povo reclama tanto que nem colocamos mais nos pratos”.

Pronto, agora a a implicância de vocês ficou séria – e eu apoiarei o candidato que prometer aprovar uma lei pela obrigatoriedade do coentro.  E se eu não posso lutar contra a maioria sulista e sudestina que torce o nariz para o tempero, fica a dica para situações assim: que pelo menos deixem potinhos com coentro disponíveis para quem quiser, à moda da pimenta. Definitivamente não é a mesma coisa, mas já ajuda.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • O coentro na minha opinião tira o sabor dos outros alimentos, só sente o gosto dele, infelizmente eu não consigo gostar do gosto, não como pra agradar ninguém, pq não consigo mesmo rs.

  • Sou do Pará e nem sabia que existia essa polêmica do coentro. Acho que sou tão acostumada que nem sinto o cheiro ou gosto tão fortes assim. Mas que ele dá uma temperada maravilinda na comida isso ele dá ?

    • Nossa, aqui no sudeste é uma briga danada. Vai ver é por isso que gosto tanto do Pará.

      Abraço, May.

  • Interessante essa divergência. Coentro é a única coisa que não consigo comer nem por educação e meu marido diz que não tem gosto de nada.

  • Ammmmoooo coentro, e não entendo como alguém pode não gostar, tenho horta em casa e pode faltar tudo nela, mais o coentro se faltar não tem comida...coloco em tudo, vai do pintado com leite de Coco , passando pelas carnes, ao pão com ovo, literalmente tudo aqui tem coentro, amo e sempre digo: se fosse um ilícito, seria com certeza uma viciada.

  • vocêes deviam fazer uma reportagem sobre o pequi, isso sim é que é delïcia! E com uma vantagem, além de servir de tempero também é uma delícia comido puro!

  • Sou do interior de Goiás, divisa com o triângulo mineiro, e nunca tinha visto ou ouvido falar em coentro na minha vida.
    Quando era estudante, fui fazer extenção universitária num campus avançado no tocantins e fizeram um peixe com coentro, comi e na hora não desgostei, mas passei tão mal durante a noite, que quase fui parar no hospital, de tanto vomitar o tal coentro.
    Jurei nunca mais comer semelhante veneno!
    Passados uns 15 anos, me deparei de novo com ele, num singelo patê de atum, e não é que fiquei fã?
    Cheguei à conclusão que tem é que saber dosar o danado no prato, pois tempera muito bem a comida, mas tem que ir com calma, senão é morte certa!

  • Sou do sudeste e AMO coentro. O cheiro é tão maravilhoso que poderia virar um perfume aromático pra passar pela casa.

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Rafael Sette Câmara

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