Castellers: os castelos humanos da Catalunha

Sentada nas escadarias que levavam à praça principal da Universidade Autônoma de Barcelona, eu olhava confusa para a festa que se formava ao meu redor. O campus estava mais agitado que o normal naquele dia. Do outro lado do restaurante, casais ensaiavam alguns passos de swing, uma dança norte-americana dos anos 1940 que é estranhamente popular por aqui. Na quadra de basquete, um jogo entre para-atletas corria. Estudantes tomavam cervejas por todos os lados e, justo ao meu lado, pessoas subiam umas nas outras tentando formar uma estranha pirâmide humana. Essa foi a primeira vez que eu vi um Casteller, o tradicional castelo humano da Catalunha.

“O que está acontecendo nessa universidade hoje? E o que são essas pessoas fazendo coisas de circo?”, uma amiga que se aproximou, riu. “Não é circo. É uma tradição nossa. Subimos uns nos ombros do outro para formar tipo uma torre humana”. Então era isso, as coisas agora faziam mais sentido. Quem teve a brilhante ideia de arriscar a integridade do próprio crânio pela primeira vez e por que, no entanto, ela não tinha a menor ideia. Mas isso não é nada que o onisciente Google não resolva.

A tradição derivou de danças e procissões religiosas valencianas que, desde o século 15, terminavam com o levantamento de uma formação humana. Com o tempo, a formação foi se libertando desse tipo de evento. O primeiro Casteller documentado foi no século 18, na região de Terragona, e logo se espalhou para toda a Catalunha. Desde essa época, os catalães já se dividiam em grupos rivais que competiam para ver quem fazia o Casteller mais alto.

A atividade teve altos e baixos que acompanharam a história da região. Durante a Guerra Civil Espanhola, por exemplo, a tradição quase desapareceu, apenas para surgir novamente com força depois dos anos 1960. Em 2010, a Unesco declarou os Castellers Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Hoje, eles são sempre vistos nas festas populares de Barcelona e de toda a região da Catalunha.

Pessoas praticam a vida inteira para fazer parte dos Castellers, já que existem técnicas de formação bem específicas para evitar que a galera despenque lá de cima. Há também diferentes maneiras e estilos de se montar um Castell. Como regra geral, há uma base, chamada piña, que concentra a maior parte das pessoas e é o que vai sustentar ou outros.

Para participar da piña não precisa ser treinado, basta ser amigo ou parente de alguém na formação ou estar dando bobeira por perto quando um Castell está para ser formado. Já nos primeiro “andares” ficam os participantes mais fortes e robustos. Os mais leves e ágeis vão escalando até o topo.

Nas partes mais altas do Castellers costumam estar crianças de seis ou sete anos, protegidas por um capacete e nada mais, o que me dá um pouco de agonia. Mas, bem, elas parecem saber o que estão fazendo. Tanto que, ao chegar lá em cima, elas ainda param para dar um tchauzinho para o público.

 

Em geral, a formação de um Castell vem acompanhada de diferentes tipos de música para indicar o que está acontecendo, dependendo do tamanho do castelo e da etapa que está em sua formação. Há também uma roupa específica que identifica as equipes pela cor da camiseta, altém de uma calça branca e um lenço amarrado na cintura, que é onde as pessoas vão apoiar os pés na hora de subir ou descer.

E se um Castell cai? A taxa de sucesso dos Castellers é bastante alta, de cerca de 95%, mas isso quer dizer que pelo menos 5% deles terminam no chão. Quando isso acontece, a piña está logo abaixo para absorver o impacto de quem vem de cima e é provável que alguns participantes terminem com contusões e machucados não tão graves.

Ao longo da história, foram registrados três acidentes mortais: um no século 19, um em 1983 e o último em 2006, em Mataró, fato que fez que o uso dos capacetes fosse obrigatório. Um dos Castellers que eu assisti bem de pertinho, em Terrassa, tremelicava tanto que parecia que ia cair, mas a formação aguentou bem até que todos descessem. Dá uma emoçãozinha e, quando você vê, já está torcendo para que eles consigam chegar ao topo e voltar em segurança.

Fotos: Shutterstock

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones, no Youtube e em inglês no Yes, Summer!. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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Natália Becattini

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