Na natureza selvagem e a síndrome de Alex Supertramp

Em setembro de 1992, Christopher McCandless foi encontrado morto dentro de um ônibus por um grupo de caçadores ao norte do Denali National Park, no Alasca. Mas sua história percorreu muitos quilômetros antes de chegar ali. Filho de uma família disfuncional de classe média, Chris renunciou a toda comodidade que tinha para viajar pelos Estados Unidos levando praticamente nada de dinheiro e pertences pessoais.

Depois de viajar de carro, trem, carona e de percorrer centenas de quilômetros a pé, ele embarcou para a sua última aventura nas terras geladas do Alasca, onde pretendia passar meses sem qualquer contato com a civilização. Ali, por uma falta de preparação que beira a ingenuidade e a estupidez, morreu por inanição e envenenamento.

A história de Christopher, que adotou o nome de Alex Supertramp enquanto viajava, em mais uma tentativa de cortar os vínculos com seu passado, chamou a atenção da imprensa e da opinião pública. Mais tarde, o jornalista Jon Krakauer investigou os motivos que levaram o viajante à morte e relatou a tragédia no livro Na Natureza Selvagem, adaptado aos cinemas com roteiro e direção de Sean Penn. O filme foi um sucesso de bilheteria e transformou Chris McCandless em um mito moderno, fascinando milhares de pessoas com espírito aventureiro em todo o mundo. Mas por que a história de um andarilho inconsequente e com posturas potencialmente suicidas nos fascina tanto?

“Recebo milhares de cartas de pessoas que admiram McCandless por sua rejeição à conformidade e ao materialismo com o objetivo de descobrir o que era autêntico e o que não o era, colocar a si mesmo em prova e experimentar a essência da vida sem uma rede de segurança ”, conta Krakauer, em um artigo que escreveu sobre o tema.

O longa também foi responsável por estimular uma nova tendência turística no Alasca: o ônibus no qual Chris passou seus últimos dias é hoje um lugar de peregrinação que atrai viajantes inspirados por sua história. Gente que, muitas vezes, enfrenta perigos muito parecidos com os experimentados por McCandless, devido à natureza hostil desta parte do Alasca.

Os guias locais calculam que mais ou menos 50 pessoas fazem o caminho a cada semana. Alguns desses aventureiros que conseguem alcançar o ônibus em segurança acampam ali por dias, refletindo, escrevendo e conversando sobre o estilo de vida moderno, as alternativas possíveis e a fascinação pelo isolamento. Ao partirem, deixam notas que refletem a influência do estilo de vida perseguido por Chris, seja nas paredes do ônibus ou em uma mala que guarda relatos de outros viajantes que passaram por ali.

Chris Ingram, um desses peregrinos que teve sua jornada até o Magic Bus – como McCandless o batizou em uma de suas anotações – registrada no site christophermccandless.info afirma que a aventura não valeu o risco de perder a vida. Ele fez o trajeto em 2010, poucos dias depois que outra viajante, Claire Jane Ackermann, morreu afogada nas águas caudalosas rio Savage, o mesmo que impediu o protagonista de voltar à civilização a tempo de se salvar.

Na página, Chris Ingram escreve: “Eu tive muito tempo ao longo do caminho para contemplar a história de Chris, assim como minha própria vida. O deserto é um lugar pobre para colocar suas preocupações, seus sonhos, suas esperanças, seus pensamentos, desejos e felicidade. A natureza selvagem é apenas isso, selvagem. Imutável, implacável, que não conhece nem se preocupa com a sua vida. Que existe por si mesma, não sendo afetada pelos sonhos ou cuidados do homem. Mata os que não estão preparados ou conscientes”.

A conclusão de Chris Ingram é compartilhada por muitos. Em especial entre os habitantes do Alasca, McCandless está longe de ser popular. Em geral, nos fóruns e debates que proliferam web afora, é possível encontrar dois tipos de pessoas: as que admiram o viajante e as que acreditam que ele era um irresponsável e botam na conta de Krakauer a culpa por transformá-lo em um ídolo pop.

O jornalista admite que, tantas quantas são as cartas de admiração que recebe, são as de desprezo: “Também chegam um monte de cartas de pessoas que pensam que ele era um idiota, que merecia passar pelo que passou porque era um arrogante, muito mal preparado, um desequilibrado mental e possivelmente com tendências suicidas”.

A verdade é que, ainda que tenham sido as aventuras de McCandless que conquistaram os holofotes da cultura pop, ele não estava sozinho em sua fascinação pelo isolamento. No livro, Krakauer dedica dois capítulos inteiros para contar histórias de outros viajantes com ideias e excentricidades muito parecidas às de Chris.

Lendo o relato, é fácil entender por que esse tipo de aventura enamora, inspira e aguça a imaginação de tanta gente. Por mais que o desfecho tenha sido trágico, é alentador imaginar que as respostas às nossas preocupações e vazios existenciais estão escondidas em algum lugar no meio da natureza. Ou talvez tenhamos que ir tão longe em nossas jornadas pessoais para chegar à mesma conclusão de Chris McCandless em seus últimos dias: “A felicidade só é real quando partilhada”.

Texto publicado originalmente em espanhol no blog que escrevo para o meu mestrado em Jornalismo de Viagens, o Road to Nowhere.

Fotos: Reprodução

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones, no Youtube e em inglês no Yes, Summer!. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

Ver Comentários

  • Vi o filme quando era criança, e por certos motivos, me encantei com tudo, quem procura esse tipo de fuga da sociedade está o menos preocupado possível com segurança e conforto.
    Sair de um lar terrível vai além de dizer fodasse a sociedade, é mais um fodasse a si próprio.
    No final das contas, ele se encontrou no meio do isolamento, viu certas respostas para a vida dele.

  • Acho que o erro dos demais viajantes que refizeram o caminho de Chris foi o propósito. Chris não estava procurando o Alasca, não procurava um pedaço de terra ao qual encontrasse identificação. A viagem era interna. Não é difícil não ligar para os riscos físicos de um lugar quando os riscos pessoais e interiores são mais violentos. Chris não caminha para dentro da natureza selvagem do Alasca. Ele procura a natureza selvagem dentro dele, espaços indecifráveis e o autoconhecimento.

  • O irônico é que a própria natureza "selvagem" mostrou que a liberdade é uma ilusão. E que insight ele teve no fim da história. Reinventou a roda. Enfim, todo esse drama poderia ter sido poupado com uma boa terapia.

  • Gostei muito do texto, natalia!
    Como sempre, considero praticamente irretocável o que a luiza, rafael e vc escrevem.
    Assisti o filme e li o livro do krakauer.
    Acho que mc candless, se não tinha tendências suicidas, era muito desorganizado e inconsequente, o filme mostra isso.
    O sujeito vai pra um lugar inóspito, desabitado, despreparado e sem coletar informaçōes? É pedir pra morrer.
    Mas gostei de ler a história dele.
    Acho que ele tinha sede de liberdade, e morreu fazendo o que queria.
    Tem gente que acha isso é egoísmo, viver como quer, eu chamo isso de liberdade.
    Aliás, esse é um tema muito bom pra vcs dos 360 meridianos, e a duquesa de alba, cayetana, representa isso como poucos.
    Fica a sugestão, escrevam um artigo sobre cayetana, grande viajante, viajou até morrer, e cujo epitáfio poderia ter sido « viveu como quis « , o que era difícil pra uma mulher na época dela e na sua posição.

    • Ei Denise,

      Eu adoro a história dele, o livro, o filme. Só não acho que a gente precisa tratar ele como santo, intocável ou herói. Foi uma pessoa única, diferente de todos e que não se encaixava, com certeza.

      Sugestão anotada e obrigada por comentar!

  • Pra mim idiota e quem não tem a capacidade se perceber a grandeza de espírito desse cara. Continuem presos no cabresto que colocaram em vocês. Ver a realidade e para os fortes e não para os fracos. Grande lição Chris

  • A maioria das pessoas julga a atitude de Christopher McCandless porque não sabe da história toda, já que a irmã dele pediu para omitir parte disso no livro de Jon Krakauer em que se baseou o filme. Não faz nem 3 anos que ela decidiu revelar os "bastidores" através do livro "The Wild Truth", que ajuda a entender melhor os fatos.

    Só uma correção: O rio que causou esses problemas foi o Teklanika e não o Savage, que apesar do nome não é tão selvagem assim, conforme constatei há alguns meses :)

  • Assisti o filme há algum tempo e até hoje trago na memória, história inspiradora e com um final trágico, pude refletir muito sobre a minha maneira de viver e ver as coisas, acho que passei a olhar com mais valor á algumas coisas.

  • E no final do caminho você percebe que o que realmente importa não é o destino mas sim o caminho. Essa é uma história que pode ser interpretada de muitas maneiras dependendo dos olhos de quem vê, ms julgar é difícil pois não sabemos realmente quais eram seus objetivos. Talvez ele tenha encontrado no caminho o que buscava mas não percebeu, talvez ele tenha subestimado a natureza ou superestimado a si próprio. Mas de uma coisa eu sei, ele já estava morto quando saiu em sua aventura, não se encaixava no modelo de sociedade em que vivia e jamais iria conseguir voltar e ter uma vida normal.

  • Bem, assisti ao filme nestes dias, meio atrasado, rsrrs. Existem dois focos, um é o filme, mesmo que baseado na história real, o outro é o julgamento da intenção do Supetramp. Ora, o filme encanta, pois foi extremamente bem trabalhado o enredo, de fácil entendimento, atores fantásticos. Ele deixa uma bagagem psicológica imensurável, que certamente me fará lembrá-lo por muitos anos. Julgar o despreparo do andarilho em sua jornada real não cabe. É fato, é história e ponto. Sua escolha, mesmo que equivocada para alguns, é rica de exemplos que cada um, em seu interior deve discernir. Assisti-lo sozinho (alone), sempre evidenciado no filme, foi crucial para minha interpretação. Portanto, entendo que não se trata de criticar o protagonista, coisa de escoteiro e salvadores, praticando seu conhecimento técnico. Seu "legado" é atemporal, mesmo com a crítica áspera dos incautos. Sensibilidade e capacidade de abstração não é para todos. Parabéns pela resenha, Natália!

  • Para aqueles que dizem: "Ele foi irresponsável por não ter se preparado corretamente para aquela aventura", "Ele deveria informar-se melhor sobre o local", "Ele deveria levar mais comida" e etc, quem diz esse tipo de coisa realmente não entendeu nada sobre o idealismo dele. Temos esse tipo de pensamento porque temos medo. Medo da incerteza sobre o futuro, da insegurança que teríamos se abandonássemos os padrões que estamos acostumados e conformados. Esse medo faze-nos tomarmos escolhas mais seguras para a nossa vida, mas o preço pago por essa segurança é a falta de liberdade, de sermos livres para vivermos da maneira como gostaríamos, para adquirirmos experiências e emoções que gostaríamos de vivenciar, mas não temos a devida coragem para isso, somos escravos da ilusão de segurança que os padrões da sociedade nos proporciona. Chris teve essa coragem, e ele não se preparou devidamente para isso porque como ele mesmo disse: "Nada é mais maléfico para o espirito aventureiro do homem que um futuro seguro", essa frase é uma lição para aqueles que o criticam, se ele tivesse o devido preparo e planejamento, talvez isso tornaria sua aventura mais segura, mas como eu disse antes, o preço a se pagar pela segurança é a falta de liberdade, e Chris queria ser livre, então suas escolhas impulsivas e ditas como "irresponsáveis", não foram tomadas por mera ignorância ou inconsequência, ele sabia muito bem o que ele estava fazendo, mas ao invés da segurança, ele escolheu a liberdade.

    • Se o preço da segurança é a falta de liberdade, o preço da liberdade é a morte? Não consigo ver as coisas desse jeito e concordar com isso. Acho que há um ponto de equilíbrio ao qual se pode chegar.

      • Essa questão de segurança e liberdade é um tema complexo que deveria ser ou já deve ter sido analisado do ponto de vista da administração de um governo, mas acredito que ainda não chegaram a alguma conclusão. Referente a vida de McCandless é lamentável fazer julgamentos, pois cada um tem seus motivos, mas referente ao filme fiquei bastante admirado e curioso, pois li pela internet que deixaram de lado a parte esotérica da história. O que deixa mais interessante, pois temos diversos exemplos desse ritual de isolamento no mundo místico, essa busca do "Eu" interior... É irrelevante a questão de chegar ou não ao Alaska, se ele morreu ou se não tivesse morrido, se ele foi imprudente ou não, se agora é um simbolo ou não. No fim das contas a intensão, os pensamentos, a verdade é o que conta para cada um de nós, essa é a verdadeira realidade. Destarte é melhor discutir não sobre a vida dele, mas sobre o sentido da vida, talvez era isso que McCandless procurava, talvez ele achou ter encontrado, talvez ele encontrou... Dormir, talvez sonhar; oh, ai está o maldito empecilho, pois do sono da morte, que espécies de sonhos podem vir?

        • Ao ver o filme realmente fiquei impressionado com o que ele fez e sua jornada e o estilo de vida que ele estava perseguindo.
          O local ao qual ele veio a falecer é de extremo risco, provavelmente sem um grande preparo e estoque de alimentos (que era a comodidade que ele queria deixar de lado) é muito difícil de sobreviver. Para quem acampa sabe que a falta ou esquecimento de qualquer item é um grande incomodo, imagina se escolher não levar alguns itens talvez essenciais.

          Mas o meu ponto de reflexão quanto ao que ele procurava, talvez fosse realmente a felicidade, que ele imaginava existir no isolamento, o que ele percebe ao final de sua vida que ela é compartilhada.

          Lembro daquela história do pescador que estava a afundar em seu barquinho e orou a Deus para que ele o salvasse, veio outro pescador o salvar e ele disse que Deus o salvaria... bom acredito que conheçam a história, ao chegar no céu o pescador pergunta a Deus por que ele não o salvou, e Deus responde que enviou 3 pessoas para salva-lo. (Não sou evangélico nem nada, apenas para contextualizar meu pensamento).

          Na história me parece que ele encontra muitas pessoas que iriam lhe proporcionar a felicidade que ele tanto buscava, mas ele optou pelo isolamento.

          Sem maiores julgamentos ao que ele fez consigo mesmo, cada um de nós tem o direito de procurar a felicidade, cada um a sua maneira.

          Mas é só uma reflexão.

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Natália Becattini
Tags: Reflexões

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