Mulheres devem viajar sozinhas pelo mundo?

Devem. Eu poderia começar e terminar este post com essa resposta simples. Mas acho importante a discussão, uma vez que percebemos que algumas leitoras do blog têm essa dúvida e o receio de partir sem mais ninguém para conhecer o mundo. Não sei se vocês sabem, mas 64% dos nossos leitores são, na verdade, leitoras. Em 2012, uma pesquisa da Associação Brasileira de Blogs de Viagem (ABBV) revelou ainda que 72% dos acessos nos blogs brasileiros vem de mulheres. Foi a mesma tendência que ouvimos de uma agência de viagem online, esta semana. Então, peraí, se são as mulheres as principais consumidoras de informação sobre viagem no Brasil, por que ainda ouvimos tanto a pergunta do título?

Minha melhor amiga desde a infância passou os últimos 20 dias viajando pelo Caribe. Esteve em diferentes países, aproveitando o único período de férias que ela teria antes de começar a residência em Medicina. Quando contei isso para minha família, o que ouvi foi: mas ela foi sozinha, por quê? Durante nossa Volta ao Mundo, conhecemos muitas mulheres viajando sozinhas. Hoje, sabemos que várias viajantes também compartilham suas histórias em blogs nacionais – como a Mari Campos e a Fernanda Souza. E tem ainda as estrangeiras, como o blog da Liz ou o da Kate. Mas ainda assim, o discurso não mudou, assim como os questionamentos, os olhares tortos e a campanha de medo que surge em cima do tema.

Parque Aquático de Cingapura

Apesar de o cenário estar melhorando com a internet, basta uma mulher falar que vai viajar sozinha (eu incluída) para começar a ouvir o discurso da insegurança, dos horrores do mundo e da necessidade de ter alguém ao seu lado. O discurso é tão constante, e vem de tantas fontes, que isso gera um bloqueio em muita gente e impede a pessoa de ao menos pensar na possibilidade de viajar sozinha. Claro, homens também sofrem com o preconceito contra o viajante solitário. Aliás, nossa sociedade em geral tem muita dificuldade em aceitar que as pessoas são capazes de realizar coisas e serem felizes sozinhas. Viajar, então! É um absurdo não ter alguém ao seu lado. Mas não podemos negar que, para as mulheres, educadas para se acharem frágeis e dependentes, fica ainda mais chocante e inaceitável esse papo de rodar o mundo sem ninguém conhecido por perto para defendê-la.

Os motivos para se viajar sozinha podem ser muitos: ninguém tem folga no mesmo período que você, ninguém tem grana para viajar no momento, ou o simples “eu só quero estar sozinha para uma jornada de autoconhecimento”. Fato é que a decisão de largar tudo por 15 dias ou 1 ano, seja sozinha ou acompanhada, é uma escolha pessoal. E não, não é o fim do mundo. Muito pelo contrário, é só o início dele.

Veneza

Mas é perigoso para uma mulher ficar sozinha aí nesse mundo?

Esse é o principal discurso, que pode ou não vir junto de alguns números de mulheres que foram assassinadas ou estupradas enquanto estavam viajando. Mas já diria Guimarães Rosa, “Viver é muito perigoso”. Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 70% dos casos de violência contra a mulher são causados por pessoas que elas conhecem, sejam familiares ou amigos. Então, o principal perigo para uma mulher está na própria cidade que ela vive, ou quem sabe, dentro de casa.

Sim, ao viajar você vai estar mais exposta a situações que não conhece, a culturas que são muito diferentes e podem até ser (pasmem!) mais machistas que o Brasil. Porém, com o tempo e a experiência de estrada, percebemos que a maioria dessas situações não é muito diferente do que já enfrentamos no nosso dia a dia. Requerem jogo de cintura, cuidado em determinados momentos e um pouco de experiência.

Buenos Aires

Também descobrimos que o mundo tem muito mais pessoas legais e generosas que imaginamos. Sempre que viajo, tenho o prazer de ser surpreendida com a ajuda de estranhos, com a simpatia das pessoas e com a bondade alheia. Claro, já passei por situações chatas, mas não se compara com tanto de coisas boas que vivi.

Mas qual a graça de viajar e não ter ninguém para compartilhar?

Bom, cada um acha graça no que quer na vida, mas, sinceramente, apesar de eu adorar viajar com meus amigos, acho que a viagem em si é a parte mais importante. Além disso, é mais difícil descobrir do que você gosta (ou o do que não gosta) e aprender a curtir a sua própria companhia se você sequer tentar viajar sozinha. Como minha amiga, você pode não ter escolha. E, aliás, isso é muito comum. Você tem seu salário, suas férias, a vontade de ver o mundo, mas não tem companhia. Então, vai desistir e ficar em casa se lamentando? Ou vai se dar uma chance de descobrir não só outros países, mas também quem é você sem ter ninguém por perto?

Washington

E, veja bem, ao viajar sozinha você não precisa ficar solitária o tempo inteiro. Viajar também te possibilita conhecer outras pessoas: locais ou outros viajantes. Da pessoa mais extrovertida, que vai falar até com o cotovelo dos outros, até a mais tímida, é possível conhecer pessoas e fazer amigos – eternos ou temporários – durante uma viagem. Com essas pessoas, muitas vezes lobos solitários como você, dá para compartilhar momentos, principalmente quando você se sentir muito sozinha.

Mas o que é preciso para uma mulher viajar sozinha?

Para começar, escolha um destino mais “fácil”. Principalmente se você não tem muita experiência de viagem. Isso vale para todas, mais jovens ou mais velhas. Países com uma língua que você domine ou que seja fácil de entender ou destinos muito turísticos, nos quais uma mulher viajando sozinha não chame tanto a atenção. Também dá para viajar dentro do Brasil, o que facilita no quesito cultura.

Seja esperta. Se você não se expõe a situações perigosas enquanto está em casa, por que faria isso quando está fora? Ao escolher o hotel, pesquise bastante a região que você vai ficar, leia os reviews no Trip Advisor, cheque a vizinhança no Google Maps. Sei mais do que ninguém os sacrifícios que fazemos em nome da economia. Mas estando sozinha, ficar num hotel esquisito ou numa vizinhança perigosa não é a melhor ideia.

Não custa também se informar sobre a situação política do país que você vai visitar. É importante ler notícias e verificar as recomendações internacionais. Mas, claro, não se deixar levar pela histeria midiática, que muitas vezes vem carregada de sensacionalismo e preconceitos. Vale a pena ler blogs e conhecer as histórias de quem foi ou está no momento viajando para o local.

Roma

Quando já estiver viajando, não dê bandeira de turistona. Não ande com mapa aberto, sem prestar atenção no mundo, sem pesquisar minimamente antes de sair do hotel. Aparentar confiança e experiência – mesmo que você não tenha nenhuma – dá segurança.

Algumas coisas a gente aprende com a estrada, mas também dá para aprender com a experiência alheia. No caso, evite passagens que tenham horário de chegada e saída muito cedo ou muito tarde, quando está escuro ou que o transporte público não estiver funcionando. Não escolha os vagões vazios em trens, mas sim aqueles que tiverem famílias, principalmente em países mais conservadores onde mulheres não costumam se aventurar pelas ruas sem pais ou maridos. Respeite a cultura e os códigos de vestimenta de onde você vai. Mesmo que seja chato não ter a liberdade de vestir o que quiser, lembre-se que viajar também é ter que lidar com a cultura do outro.

A principal dica é a que usamos também nas nossas vidas: confie nos seus instintos e fique atenta à possíveis ameaças. Não tenha medo de gritar, brigar, pedir ajuda, se você se sentir minimamente ameaçada. Somos ensinadas a ser educadas demais, a não levantar a voz, mas em certos momentos, principalmente quando sozinhas, só temos a nós mesmas para nos defender – então não precisa ter vergonha de dar escândalo ou de ser chamada de louca.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Tô ficando de saco cheio de viajar sozinha... no começo é curtição, novas amizades, novidade...novidade...novidade... Mas, na boa? Tô querendo companhia, tenho espaço sobrando na mochila :)

    • Um bom ponto de vista também Mila, não necessariamente viajar sozinha é a melhor coisa o tempo inteiro. Ter companhia também é bem legal e faz falta. Só acho que as pessoas não deviam deixar de viajar só porque são mulheres e não tem alguém para ir junto =)

  • Muito bom o texto, Luiza. Existe mesmo esse preconceito.
    Viajei por duas vezes sozinha para fora, mas em ambas fui para estudar por três meses, então é mais fácil fazer amizades nas aulas - diria até que inevitável rs.
    Ainda pretendo me jogar sozinha de tudo, para autoconhecimento mesmo. Nem que sejam só uns 15 dias de andanças, mas acho que assim a gente se conhece melhor e se permite fazer o que der vontade, sem depender da opinião alheia.
    Beijos

    • Ei Carla,

      Ando querendo fazer cursos no exterior. Se tudo der certo vou ainda esse ano!

      E boa sorte na sua viagem.

      bjs

  • Muito inspirador o seu texto, Luíza!
    Até bem pouco tempo, eu, como alguém que foi criada para ser educada, boa moça e "pra casar", não conseguia me imaginar saindo por esse mundo afora sozinha. Mas a vida foi me mostrando que a solidão não é ruim e, pelo contrário, pode até ser de grande valor! No ano passado, fiz minha primeira viagem sozinha. Foi aqui no Brasil mesmo (aliás, recomendo muito o lugar: Cambará do Sul / RS). Fui me acostumando aos poucos com aquela descoberta de que, ohhh, minha própria companhia era bem agradável! Já no final da viagem o estranho para mim era a cara que algumas pessoas faziam quando eu chegava num restaurante e pedia mesa para uma pessoa, ou quando eu dizia que estava viajando sem ninguém. Depois disso, voltei mais uma vez ao RS sozinha (é que eu amo aquele lugar!) e fui preparando o meu espírito para o maior desafio que já enfrentei: viajar sozinha para outro país. Tá certo que o destino não é assim tão desafiador, mas as circunstâncias, sim. Estou indo para os EUA, mas vou para cidades não tão turísticas assim, com exceção de Los Angeles e São Francisco. Vou viajar pelo sul, meio-oeste e depois pular para o noroeste americano. Mas tem mais um detalhe: até bem pouco tempo, eu falava um inglês bem meia-boca que mal servia pra me virar! O que eu fiz? Enfiei a cara nos estudos e tenho conseguido ficar mais fluente. E o mais legal disso tudo é que, há um ano, eu jamais me imaginaria fazendo tanta coisa! E, cara, a sensação de enfrentar um desafio com coragem faz um bem pra autoestima!
    Ainda me deparo com olhares surpresos de quem não entende o que leva alguém a querer passar 20 dias sem a companhia de outra pessoa. Mas aqueles que não conseguem conceber essa ideia ainda não aprenderam que viajar sozinho não é um problema quando não nos sentimos solitários!
    Um grande abraço e obrigada por compartilhar suas experiências!
    Quando voltar, passo de novo por aqui para falar como foi a viagem!

    • Oi Mônica, adorei sua história. Acho muito inspirador quando as pessoas vencem as limitações e tem coragem de fazer o que querem.
      E mais legal ainda você se esforçar para aprender outro idioma para ir viajar.Tenho certeza que você vai ter uma experiência incrível nos Eua. Volta mesmo para contar como foi!!

      Muito boa a frase: "Ainda não aprenderam que viajar sozinho não é um problema quando não nos sentimos solitários!"

      bjs

  • Luíza, este post disse tudo! Como já mencionei algumas vezes por aqui, em outubro parto sozinha para uma viagem de volta ao mundo. Não aguento mais ouvir as pessoas (principalmente mulheres mais jovens, vai entender) dizerem o quanto é perigoso, e que eu sou louca por fazer isso sem companhia...
    Viajar sozinha não é um bicho de sete cabeças!

    • Isso mesmo Bruna, não é um bicho de sete cabeças. Mas são as mulheres jovens que mais recebem o discurso de que viajar sozinha é perigoso, então é mais comum que elas o reproduzam - até porque, acabamos por internalizar um pouco esse medo.

      Mas tenho certeza que sua viagem vai ser ótima e você vai acabar inspirando mais mulheres a sua volta a fazer o mesmo!

      bjs

  • Adorei o novo post! Mas só de pensar em viajar sozinha minha pressão cai. É possível que seja pelo "medo e terrorismo" que inculcam em nós, vai saber. Espero que eu me livre logo desse medo. Vamos ver!

    Abraço, Luíza! ;)

    • Ei Ligia, dá uma olhada nos comentários. Um monte de histórias legais para te ajudar a superar esse medo. A gente é muito mais forte e corajosa do que aparenta!

      bjs

  • Excelente post, mais uma vez, Luíza! Realmente inspirador.. estou programando pra 2015 (no mês do meu aniversário de 30 anos), viajar sozinha pela 1ª vez e cada vez que leio um post desses por aqui, me animo ainda mais ;)

  • Genteeeee, sou muito louca por viagens tb! rsrs
    Já viajei sozinha... mas fui cautelosa... fui ali em buenos aires só! rs
    Acho que todo mundo deveria viajar sozinho/a! Eu confesso que eu fiquei me sentindo muuuuito solitária no famoso horario do jantar!
    Mas amei todas as experiencias que passei por estar sozinha.
    Além disso, tomei alguns cuidados que se eu tivesse com mais alguem não teria.
    Ah, vou contar uma coisa: foi a primeira vez que pisei num albergue! tava morreeeendo de medo! hahahahah que besta, né?

    Mas, o que me estimulou a comentar aqui (leio TODOS os post, serio, TODOS! mas acho que comentei em 3 até hoje.. rsrs) é pq eu acho as fotos de vocês três muuuito legais! E ai, eu fico me matando de curiosidade pra saber onde é cada uma! Que tal botar a cidade e pais de cada foto? =DDD

    Beijos

    • Ei Isabel,

      Legal que você não só viajou sozinha como também superou seu preconceito com albergues né!

      Logo depois do seu comentário coloquei as legendas nas fotos. Obrigada pelo toque!

      bjs

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Luiza Antunes

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