Relatos de um intercâmbio em Moçambique

*Texto de Ângela Prestes

Muito Obrigada, em xangana – dialeto local -, ao país que me fez perceber o quão grande podem ser os sonhos e como pode ser simples realizá-los. Jaime tem apenas 13 anos, mas seus sonhos são tão grandes ou maiores quanto os de um jovem de 20 ou 30. Sua casa fica na comunidade rural de Matola Gare, interior de Moçambique, a cerca de duas horas de carro da capital, Maputo.

Talvez o fato de ter perdido o pai há pouco tempo o tenha tornado um menino maduro tão cedo. Jaime sonha em ser advogado, talvez. Ou então ter um hotel, ou outra grande empresa. Sair para estudar em Portugal, como muitos moçambicanos fazem, também está entre os seus planos. Conheci Jaime há pouco mais de dois meses. Seu brilho no olho não era diferente dos demais meninos e meninas que frequentavam a ONG em que trabalhei em janeiro deste ano, característica, aliás, visível em cada um dos moçambicanos que encontrei.

Visão Global para Vida

A ONG se chama VGV – Visão Global para Vida  – e existe desde 2006, com o objetivo de auxiliar crianças como Jaime na educação e saúde, para que possam ter um futuro melhor. A organização também se preocupa em ajudar famílias. Faz isso passando de casa em casa e falando sobre prevenção de doenças e saúde em geral. Manter uma ONG funcionando em Moçambique não é uma tarefa fácil. Afinal, pessoas dispostas a trabalhar de graça não podem ser encontradas em todos os lugares.

Nem todos são como a Luíza, coordenadora da ONG. Todos os dias, ela deixa as duas filhas com a irmã e enfrenta as quase duas horas de estrada até Matola Gare para administrar e dar almoço às mais de 50 crianças que aparecem por lá, todas sedentas de comida e de educação. Luíza não ganha nada além do sentimento de saber que está fazendo a sua parte. Além dela, outros três moçambicanos auxiliam nas atividades: uma cozinheira, um artesão e um professor. As outras pessoas são estrangeiros, gente que sai do Brasil, Portugal, Argentina, Chile, África do Sul e outros países com o objetivo de fazer a sua parte para um mundo melhor.

Um país em construção

Moçambique nada mais é do que um país em construção, em evolução. Independente de Portugal há apenas 38 anos, ainda não conquistou uma estabilidade que faça com que os moçambicanos vivam tranquilos. Problemas como saneamento básico, conflitos entre os dois partidos do país (FRELIMO e RENAMO) e falta de infraestrutura ainda assolam a vida dos que lutam para viver em um país melhor.

Subir 13 andares de escadas para chegar em casa todos os dias, pegar chapas (vans) lotadas, com capacidade para 15 pessoas e levando cerca de 25 e não possuir água quente para tomar banho são algumas das dificuldades mais simples que as pessoas que moram na capital enfrentam. No interior a vida é mais mansa, mas não menos difícil. Se na cidade há falta do que aqui no Brasil consideramos o básico, no interior fica ainda mais complicado.

Pra falar de gente

Mas se há algo que a gente de Moçambique não tem é medo. Ou falta de esperança. Ou preguiça. Gente trabalhando é o que há. É muito comum vermos pessoas vendendo de tudo na rua. De tudo mesmo. Desde comida de todos os tipos, como frutas, legumes, pão e produtos industrializados, até roupas, calçados, artesanatos e eletrônicos. O comércio é, sem dúvida, um dos fatores que movimentam a economia do país. Outro que também pode ser considerado relevante é o turismo. Moçambique possui lugares incríveis para se visitar, praias paradisíacas, como Inhaca, Tofu e Ponta do Ouro, ou reservas com os tão famosos animais africanos – leão, girafa, elefante…

E como visitar a África e não fazer um safári?

Um safári é destino certo para quem visita a África Subsaariana. Nada de voltar e não ter visto um animal sequer. Devido aos conflitos existentes ao centro e norte de Moçambique (onde se encontram suas reservas mais famosas) o destino que escolhi para fazer o meu foi a África do Sul, mais especificamente o Kruger Park. A reserva é a maior do país, com 19 mil km², localizado nas províncias de Limpopo e Mpumalanga. Uma experiência incrível para quem, como eu, adora a natureza.

Um continente, um imenso e incrível continente

Quando decidi fazer um intercâmbio social, nada me fazia tirar da cabeça a África. Sempre fui encantada pela riqueza cultural, ambiental e a diversidade do lugar. Claro que teria sido mais simples e muito mais convencional ter escolhido um país da Europa, por exemplo. Pelo menos, eu teria poupado algumas caras de espanto e outras tantas explicações sobre localização política e geográfica. “Não, a África não é um país.” “Moçambique não é uma colônia da África, nem uma cidade.” A África é um continente, um grande e maravilhoso continente.

Com mais de 1 bilhão de habitantes, a África é o terceiro continente mais extenso do mundo. Com uma pequena e singela participação econômica, muitas vezes é esquecido e subjugado. A famosa foto tirada pelo fotógrafo sul-africano Kevin Carter no Sudão em 1993, que mostra um urubu a espera da morte de uma criança, é a única referência da África para muitas pessoas. E é através dela e de outras tantas fotos e notícias de desastres e de pobreza extrema que a maioria das pessoas cria sua “África imaginária”, homogênea e pobre. Sim, ela ainda enfrenta problemas básicos, como infraestrutura e saneamento básico, mas, ao contrário do que muitos pensam, está evoluindo significativamente e possui riquezas que vão além do dinheiro, como culturas incríveis e pessoas cheias de vontade de mudar.

Assista ao vídeo do TED “O perigo de uma única história”, onde a escritora Chimamanda Adichie, uma nigeriana, fala sobre estereótipos e preconceitos. É uma lição sobre como criamos e assimilamos uma única história sobre um lugar ou uma pessoa. Como a África, por exemplo.

O que fica

Sem dúvida o sentimento de saudade, de vontade de retornar um dia. Mas fica também o aprendizado de que, às vezes, o que temos é muito comparado ao que alguns possuem. E que reclamar não resolve nada. O que resolve é levantar-se e agir, sair da tal zona de conforto, fazer alguma coisa pelo mundo, por você mesmo. Kanimanbo, Moçambique, por me fazer ver além da janela do meu quarto, por me permitir conhecer uma parte pequenina desse mundão.

Quem me levou?

Já ouviu falar na AIESEC? A organização é a maior do mundo quando se trata de liderança jovem. Aqui em Passo Fundo desde 2011, já levou outros tantos intercambistas pelo mundo a fora para realizar trabalhos voluntários como esse.

*Imagem destacada: Steve Evans, Wikimedia Commons

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Ver Comentários

  • Caros! Como Moçambicano fico lisongeado pelas vossa palavras de afecto e carinho pelo país e pelo nosso Continente Africano. Fui membro da AIESEC em Moçambique de 2009-2011 e fico satisfeito em ver que o trabalho que fizemos na altura e ainda continua a ser feito, tem impacto não só nas vidas da comunidades onde os estagiários trabalharam, mas também e principalmente, na vida dos mesmos estagiários que aceitaram se desafiar ultrapassando barreiras difíceis num outro país.
    Aguardo que venham mais estagiários para Moçambique. Eu estarei no Aeroporto a vossa espera para vos levar a conhecer este belo país: A Pérola do Índico.
    Obrigado

  • Muito Lindo! Trabalhei nessa mesma ONG em janeiro de 2013, fui a primeira voluntária de lá! Muito bonito ver o projeto crescendo e tantas pessoas empenhadas em fazer o bem e ajudar o próximo. Parabéns Angela! :)

  • Fantastico.
    Eu estava certa em fazer meu intercambio profissional com a Aiesec, estava decidido, mas após pesquisar os trabalhos voluntarios, projetos, o envolvimento e forma como os intercambistas atuam onde estão nos projetos sociais, vi que não vai ter jeito.
    Vai ser o voluntariado primeiro e em breve!
    Que bom poder saber que a AIESEC tem muitos bons depoimentos, dá pra confiar!

  • Incrível, incrível!

    Ângela, li teu relato com lágrimas nos olhos pq eu também fui a Moçambique, trabalhar em um projeto social, de iniciativa da AIESEC.
    Me identifiquei muito com tua experiência pois foi incrivelmente semelhante à minha!

    Muito legal ver teu relato aqui, abraços :)

    • Oi Camilo, acho que a AIESEC e os voluntários que vão para Moçambique todos os anos são muuuito importantes no desenvolvimento do país. É muito legal encontrar pessoas que tiveram uma experiência parecida com a nossa, não é?

      Abraço

  • Muito bonito o depoimento. A cada dia mais eu fico encantado com esse continente incrível que é a Africa e o mais engraçado é que a minha curiosidade e a minha percepção do quão pouco eu sabia e subestimava ela occorreu quando eu me deparei com o video da Chimamanda Adichie. Muito bom ler isso, obrigado a todos os envolvidos por compartilharem essa história linda.

    • Oi Gabriel, eu sempre quis conhecer a África e, antes de poder fazer isso, o vídeo dessa escritora me abriu os olhos e me fez chegar lá já pensando o continente e o país de forma diferente.

      Abraço

  • A você Ângela e a AIESEC só posso dizer PARABÉNS! Podem contar comigo, nas orações que faço a DEUS para que a vida de vocês, das crianças que são atendidas e seus familiares, sejam grandemente ABENÇOADAS!!!
    Ao pessoal do 360 Meridianos, vocês, na minha opinião são diferenciados, pois acabam de abrir a "janela" do mundo para um assunto que mostra uma realidade que, não muito longe, podemos encontrar nos rincões do nosso BRASIL!!! Excelente post!
    Abraços a vocês todos e que DEUS os abençoe também!

    • A experiência da Ângela foi incrível, né, Sérgio? Ficamos muito felizes de publicar o texto dela aqui. Aproveito para deixar os meus parabéns também. =)

      Sérgio, obrigado pelos elogios ao 360 e pela sua presença constante aqui!

      Abraço.

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