A aventura é um estado de espírito

Mercados são uma das minhas atrações prediletas em qualquer lugar que eu vou. Isso é muito estranho, pois eu morro de preguiça de sair pra comprar comida quando estou em casa. Mas, por algum motivo, amo visitar esses lugares quando estou fora do país, ver o que as pessoas compram, a vida no lugar, o que elas comem. É isso o que eu mais amo nas viagens, como até as coisas banais se transformam em uma grande descoberta, uma grande aventura.

Há muitos e muitos anos, quando a terra não era um livro aberto, viver uma aventura era explorar o mundo em busca de terras desconhecidas, tesouros ou possíveis rotas de navegação. No século passado, a aventura cruzou a estratosfera e tentou expandir nossas fronteiras para o espaço. Não é sem motivo que a lista para o primeiro povoamento de Marte já está lotada.

A verdade é que, independente da época, a aventura faz parte do nosso imaginário. Crescemos ouvindo as histórias épicas sobre magia e dragões. E não é a toa que nós sempre nos identificamos com os heróis. Mais tarde, somos apresentados a histórias inspiradoras de gente que desafiou padrões, venceu desafios e derrotou os dragões da vida real. E a gente cria uma sede por um pouco daquilo, por também viver algo fora do comum.

Mas qual é a grande aventura reservada pra gente? O marketing turístico tenta te convencer a amarrar uma corda no seu pé e saltar rumo ao vazio. O chamado turismo de aventura é todo fundado na ideia da coragem, da superação, dos picos de adrenalina. É para os fortes, eles dizem. É para os bravos e destemidos, eles dizem. Como se ignorar qualquer instinto básico de sobrevivência fosse um, talvez o único possível, atestado de bravura (mas rafting é bem divertido, experimentem!).

Eu realmente admiro gente radical, mas isso me faz pensar em algumas coisas. O que será que exige mais coragem, contratar uma operadora de bungee-jump ou realizar uma mudança drástica em um ponto crucial da sua vida? Qual dessas duas situações nos dá mais frio na barriga? Em qual delas a gente sente que está se jogando rumo ao desconhecido?

A vida deveria ser uma grande aventura, certo? Só assim tudo vai valer a pena. Mudanças, empolgação, desafios excitantes por segundo. Mas no fim das contas, tudo o que nos resta é o cotidiano. Podemos passar a eternidade buscando emoção do lado de fora, mas essa atitude pode ser frustrante e deprimente. Se não prestarmos atenção, essa incansável busca pode acabar nos levando a um estado de ansiedade, insatisfação crônica e vazio. 

A tendência das coisas é se acomodarem. Uma transformação que parece gigantesca em um primeiro momento, logo, logo se torna uma parte rotineira do nosso dia a dia. O que pode levar cores para tudo isso, na verdade, é a forma como nós encaramos a vida comum. É trazer aquele mesmo encantamento pelo cotidiano que temos nas viagens para todos os dias.

Um dia normal pode ser o mais tedioso ou o mais incrível, tudo depende da forma como você o vê. Se eu decidir que esse vai ser o ano mais empolgante da minha vida, acredito que existem grandes chances dele realmente ser. Não porque o universo vai te enviar tudo que você quer graças a sua positividade. A coisa funciona no sentido inverso. É você que vai encarar os acontecimentos comuns com um ânimo diferente. É você quem vai criar oportunidades de fazer o ano ser diferente.

Eu costumo pensar muito nessas coisas, pois tenho um medo horrível de um dia acordar no meu leito de morte e perceber que eu desperdicei boa parte dos meus dias vivendo no piloto automático. É meio besta, eu sei, mas é algo que me gera muita ansiedade. E foi aí que surgiu meu  problema: como nos jogar em um estado de espírito em que aprender, criar, evoluir e superar é algo diário, estando em casa ou do outro lado do mundo, fazendo o almoço o pulando de para-quedas?

Acho que isso muda de pessoa pra pessoa. E é trabalho de cada um encontrar aquilo que o motiva. Pode ser um objetivo, uma causa, um esporte, empreendedorismo, um projeto pessoal, viagens. A lista de possibilidades é muito extensa. O que importa é estar desperto, comprometido e inteiramente presente em tudo aquilo que a gente escolheu fazer.

Eu, vocês sabem, costumo viajar sempre que quero dar uma sacudida na poeira. Isso funcionou lindamente em algumas situações, mas em alguns momentos comecei a sentir falta de construir outras coisas. Hoje, eu abraço também meus projetos profissionais. As duas coisas se encaixam perfeitamente na minha definição de aventura: vou ser testada, vou ser colocada em uma situação de desconforto, nunca sei direito o que eu vou encontrar lá na frente e com certeza eu não vou sair deles do mesmo jeito que eu entrei.

E a conclusão que eu tiro de tudo isso é que a vida pode ser sim uma grande jornada mágica e inesperada. Mas antes de sair buscando por adrenalina e encantamento pelo mundo, precisamos achar a aventura dentro de nós mesmos.

 

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones, no Youtube e em inglês no Yes, Summer!. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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