Sobre viver, viajar e guardar coisas na memória

Talvez você vá me achar chata. Talvez você se pergunte por que eu vou discutir esse mesmo assunto que já deve ter sido abordado um zilhão de vezes. Eu até já falei disso antes aqui neste mesmo blog. Pois é, mas eu ando incomodada e resolvi usar este espaço para desabafar. Sentem-se que lá vem reflexão.

Você se lembra de quando eu falei que estava incomodada com aquela coisa das fotos nos museus? Pois é, piorou. É que eu voltei a pensar no assunto recentemente, quando estive na Lombardia para participar do Blogville, e a partir daí tive diversas discussões com amigos e conhecidos sobre o uso compulsivo do celular, das postagens nas mídias sociais e das fotos.

Bom, lá no Blogville eu conheci um grupo de blogueiros muito gente fina, uma galera do mundo inteiro, super interessante, inteligente. Sabe, um grupo massa para conviver por uma semana? Exatamente. Mas, ao mesmo tempo, eu percebi o nosso (sim, eu também estou incluída na crítica) comportamento bizarro.

No caminho do apartamento para o metrô, ninguém conversava. Cada um no seu celular, respondia emails, checava o Instagram ou qualquer coisa do gênero. Afinal, esse era o trabalho de todo mundo, né. Beleza. Mas ao longo do dia essa desculpa vai se desfazendo. As melhores conversas que a gente tinha eram quando as baterias acabavam ou quando o roteador de internet não funcionava.

Blogueiros no fim do dia. Crédito: Jérôme Cantalupo

Além disso, nós chegávamos em qualquer lugar, o mais maravilhoso que fosse, e só ficávamos tirando fotos e mais fotos. Ninguém, absolutamente ninguém, parava nem por um minuto que fosse para observar ao redor, sem a necessidade de enquadrar e registrar.

Eu amo fotografia. Amo mais ainda ver uma foto linda. E acho super válida uma selfie ou retrato num lugar bonito ou que signifique alguma coisa. Mas será que não dá tempo também de largar a câmera e o celular e olhar, nem que seja por 5 minutos, para os lugares onde estamos?

Quando eu percebi isso, fiquei muito brava comigo mesma. Esse já era o terceiro dia de viagem. Larguei a minha câmera e fiquei olhando a paisagem. Mesmo sentindo aquela coceira na minha mão para pegar a máquina.

Sim, a luz estava espetacular, mas eu já tinha vários enquadramentos e imagens provavelmente muito parecidas. Por que eu tenho que gastar o tempo inteiro disponível fazendo alguma coisa e fico ansiosa se não tenho que fazer nada, a não ser observar?

Eu no celular. Crédito: Stella Pfeifer

No voo de volta para Portugal, o pôr do sol mais lindo do mundo se apresentava na minha janela. Então eu comecei o meu novo exercício de guardar na memória. Nenhuma foto que eu tirasse, com o vidro atrapalhando, ia ficar tão boa quanto a memória daquele pôr do sol. Eu controlei minha compulsão e fiquei só observando.

E tenho buscado fazer isso desde então. Não parei de tirar muitas fotos e de gastar meu tempo encontrando a luz e o enquadramento que eu curta. Ou de ter umas 20 fotos do mesmo lugar até encontrar a que eu mais gostei para postar – porque é o meu trabalho.

Mas eu não quero mais só fazer isso. Eu quero perceber a hora de dizer chega e poder olhar para frente, sem uma lente, e só apreciar a vista, sem me preocupar em fazer mais nada. O mesmo vale para quem tira zilhões de selfies ou qualquer forma de registro fotográfico. Eu quero ser capaz de parar de fazer isso sem ficar agoniada ou estranhar não fazer nada além de contemplar. E digo mais: eu não só quero ter tempo para isso, mas eu quero apreciar isso tanto quanto tirar uma foto linda.

A fotografia não é meu único motivo de reclamação. Ultimamente tenho vontades extremas de gritar quando eu estou falando com uma pessoa e ela solenemente me ignora porque está no celular. O tempo inteiro. E acho que tem gente que quer gritar comigo de volta. Estar ocupado no celular é um comportamento obsessivo. Não é possível que a gente tenha tanto assunto assim com que não está a nossa volta. E, olha, eu moro há um oceano de distância da minha família e de quase todos os meus amigos.

Ter assunto no celular e esquecer do resto do mundo parece ser uma forma muito esquisita de dizer: olha como eu sou popular, importante, requisitado, *insira aqui seu adjetivo*. E o pior é que a gente está dizendo isso para si mesmo, nem é para os outros.

E agora ainda tem o Snapchat, que é o ápice de você passar o dia inteiro com o celular na mão, criando o perfeito reality show da sua vida. Por mais divertido que seja, serião gente, que horas sobram pra a gente viver desse jeito?

Nada contra quem usa e ama o Snapchat, ou depende do Whatsapp para falar com as pessoas que ama, ou que usa o Facebook para distrair da rotina, ou o Instagram para compartilhar as belezas do dia. Mas eu estou cansada disso tudo, elevado ao quadrado, tudo ao mesmo tempo. Isso vira ansiedade. Ansiedade para compartilhar, ansiedade para responder, ansiedade para ter likes, ansiedade para ser melhor, ansiedade porque o outro está vivendo uma coisa e você não, o famoso Fear of Missing Out (FOMO).

Afeta minha produtividade no trabalho, minhas relações sociais e minha saúde. E eu tenho a sensação que não sou só eu me sentindo assim. Mas é um processo difícil de superar e refletir, porque quando a gente assusta, já está com o celular na mão, logo depois de acordar, fazendo isso tudo de novo.

Tem que dar tempo não só de tirar a foto, mas também de assistir o pôr do sol sem se preocupar com outra coisa, né?

E por fim, com isso tudo, estou tentando criar um novo mantra na minha vida:

Não é porque meu trabalho envolve Internet que eu tenho que estar conectada o tempo inteiro. Não é porque a Internet possibilita todas essas conexões que eu tenho que gastar o dia inteiro focando só nelas. Não é porque eu quero guardar recordação de um lugar que eu preciso gastar todo o meu tempo ali tirando fotos. Não preciso e não posso fazer tudo, estar em todos os lugares e compartilhar tudo o que eu vivo ao mesmo tempo. Às vezes eu preciso só viver. E guardar na memória.

* Crédito imagem destacada: Jérôme Cantalupo

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Me identifiquei muito com o post. Em minhas viagens tiro poucas fotos, prefiro admirar a vista, as casas, praças, etc. Porque isso ficará conosco,não é a vida de outra pessoa. Refletindo à respeito, quando vemos uma foto de um lugar maravilhoso, a vontade que dá de estar lá e conhecer, então por que quando estamos em locais que sonhávamos conhecer, ficamos registrando tudo sem nos darmos ao prazer de desfrutá-lo? É paradoxal, não é mesmo?

  • Sim Luiza precisamos mais disto , contemplar, amar e descobrir que nosso tempo é precioso e devemos aproveitar ao máximo, esse free da vida , hahaha, e eternizar na memória! otimo post.

  • Luiza, tem uma cena em " a vida secreta de Walter Mitty" que fala exatamente sobre isso. O personagem do Sean Penn é um famoso fotógrafo e depois de esperar por horas pra tirar uma foto de determinado animal, simplesmente desiste e fica apenas contemplando. A fotografia e a trilha sonora desse filme são ótimas! Beijo grande

  • Pra aplaudir de pé, Luiza! ótimo texto.
    To nessa de focar mais no momento a algum tempo, portanto, registro menos fotografias.
    E aquele conselho que a gente recebe quando está de partida: "tira um milhão de fotos e me mostra depois". Ignoro, claro.
    Aí alguém sempre me pede pra ver as fotos e solta: "você só tirou isso de foto?"
    Ah, na boa, me deixa! rs

    • Obrigada Júlio.

      Sério que tem quem te pergunte sobre a quantidade de fotos que você tirou? hahahaha
      Na minha experiência a maioria das pessoas tem preguiça de ver muitas fotos...

  • Cara, eu me identifiquei muito com sua situação vendo o pôr-do-sol pela janela do avião. Várias vezes eu enquadro uma imagem na câmera, aí olho ao vivo, olho pra câmera, olho ao vivo... e desisto, porque me sinto "ofendendo" tal paisagem reduzindo-a ao quadradinho, sabe? Também gosto muito de registrar os momentos, mas as vezes só a memória faz jus a lembrança.

    Parabéns pelo texto, mais uma vez. :)

  • Adorei o post, Luiza!
    Eu pensei nisso justamente esses dias, numa das últimas viagens que eu fiz, em dezembro do ano passado, tirei mais de mil fotos (de lugares lindos e maravilhosos, claro, mas mesmo assim, exagero é pouco) e até hoje não sentei p/ ver todas as fotos....
    E mais, fiquei pensando no tempo que só tínhamos 36 fotos no rolo p/ tirar e como isso era suficiente na maioria das vezes...
    É um exercício a gente sair desse ciclo, ao menos em pôr do sol, tenho conseguido hehehe
    Parabéns pela reflexão!

    • Oi Bárbara,

      Pois é, a gente tira mil fotos e nunca as vê depois. Antes, tinha que ficar economizando as fotos, acho que gerava menos ansiedade.

    • Então, Bárbara! Eu padeci do mesmo problema. No meu primeiro mochilão que fiz eu devo ter tirado umas 2 mil fotos. Pergunta quando foi que eu vi esse álbum? No máximo uma vez ou outra, uma foto ou outra.
      Depois que entrei no ramo da fotografia (semi-profissional), passei a dar valor nos álbuns (impressos). Como tenho que editar todas as fotos, uma viagem que antes tinha 1000 fotos, agora cabe num álbum de 70, 80 fotos, só as mais legais! Não fica cansativo, nem pra gente, nem pra alguma pessoa que você queira mostrar as fotos da viagem. Tem coisa mais chata do que uma pessoa te mostrando álbum ou vídeo de uma viagem que demora 3 horas? hahahaha

  • Excelente o teu texto!! Fico aliviado de não ser o único que tem este tico de reflexão. Recentemente parei para pensar a respeito do ato de fotografar e acabei chegando a conclusão que vai de encontro com uma frase que li recentemente, ela dizia que tudo é magico até virar rotina. Fotografar é magico, conseguimos eternizar momentos e muitas vezes sensações que tivemos num instante que poderiam ter se perdido no tempo. No entanto com a ascensão das novas tecnologias fotografar se tornou um ato rotineiro, quase uma obrigação e muitas vezes deixamos de viver e sentir simplesmente para fotografar. Tirar uma selfie observando o por do sol muitas vezes acaba sendo mais importante do que contemplar e sentir o por do sol. No fim ficamos com milhares de fotos bonitas é que deveriam representar instantes mágicos, mas que acabam não significando nada.

  • Luiza, que texto bom! Daquelas reflexoes que valem a pena ler até o final. Eu sofro disso tb! Sou super desapegado de celular e como tenho blog tb, as vezes até perco de criar conteúdo pq nao tire fotos ou vídeos o suficiente. esse fds mesmo, fui pra Londres e acho que tirei 3 fotos - pq eram coisas mto legais. De resto, apenas apreciei.

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Luiza Antunes

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