Hollywood e o turismo, qual o problema nessa relação?

O que passa pela sua cabeça quando você pensa em Bratislava? Muita gente vai lembrar de uma cena da comédia Eurotrip, que mostra uma cidade completamente destruída e horrorosa, na qual poucas moedas de dólar são capazes de comprar os maiores luxos para um viajante. E onde a noite é tão louca que o absinto servido permite, de fato, ver fadas verdes.

Mas esse nem é o pior retrato de Bratislava já visto no cinema. Existe um filme de terror de 2006, chamado Hostel, que mostra um monte de coisas horrorosas acontecendo a alguns caras que ficam hospedados num hostel na cidade. O tal filme nem foi gravado em Bratislava, aliás. Todas as cenas foram feitas na vizinha República Tcheca e os supostos personagens locais do filme falam tcheco, não eslovaco.

Bratislava em Europtrip

Bratislava na realidade

Para piorar a situação, o diretor do filme, Eli Roth (que já gravou um monte de filmes com o Tarantino) fez o maior papelão de dizer que não queria ofender a cidade, mas sim zoar da ignorância dos norte-americanos, que nem sabem onde Bratislava fica no mapa.

É claro que a população de lá não ficou feliz com a repercussão negativa do filme na imagem da cidade. A premissa “falem mal, mas falem de mim” não funcionou nesse caso. Diz a prefeitura que o turismo em Bratislava caiu depois do ano do lançamento do filme, pelo menos foi o que afirmou minha guia, durante meu passeio por lá. Não consegui averiguar se esse dado é verdadeiro, mas fato é que todo mundo que eu conversei se lembrava de um desses filmes citados.

A Tailândia é outro país que me vem a cabeça quando penso nessa relação complexa entre turismo e Hollywood. Tudo bem, muita gente procura Phi Phi e a Maya Bay em busca do lugar paradisíaco retratado em A Praia. Mas esse fluxo exagerado de turistas em busca de festa, loucuras e paraíso não é necessariamente benéfico para o país. Assim como a visão de Bangkok retratada em Se Beber Não Case 2 é completamente estereotipada. 

Phi Phi Islands, na Tailândia

Não há como negar que existiu um aumento das receitas do turismo por lá depois das produções cinematográficas, pelo menos é o que mostra essa matéria do Bangkok Post. Mas quando pensamos na quantidade de gente que vai para esse país religioso e tradicional somente em busca de festa e muitas vezes não tem o menor respeito pela cultura local (tipo o pessoal que fica pelado nos templos :/ ), e também como a Tailândia é um país em que a má exploração do turismo tem gerado sérios problemas sócio-ambientais, o retrato criado por Hollywood geraria, talvez, mais problemas que benefícios.

Também me lembro quando o nosso chefe na Índia disse com a maior certeza do mundo que o Rio de Janeiro era igual McLeod Ganj, uma pequena vila no Himalaia onde vive o Dalai Lama. Nós olhamos para ele completamente chocados e perguntamos de onde que ele tinha tirado isso. A resposta: Velozes e Furiosos 5. Diz ele que as ruas onde ocorre a perseguição de carros eram iguais as dessa pequena cidade indiana.

E o que dizer da revolta das pessoas quando os Simpsons lançaram aquele episódio sobre o Brasil? Aliás, são poucos os filmes que retratam o nosso país para além dos estereótipos, né não?

A questão é que normalmente os impactos negativos não são nem discutidos, a não ser num caso extremo como o de Bratislava. Muitos países têm departamentos de turismo inteiramente dedicados a atrair a indústria cinematográfica para fazer um filme ou série de TV, oferecendo benefícios fiscais e outras regalias para estúdios e produtoras.

Sem dúvida, dá resultado. O maior exemplo é a Nova Zelândia, que usou o lançamento da trilogia do Senhor dos Anéis para se vender como a Terra-Média de fato. Uma campanha de marketing que rendeu bilhões de dólares e milhares de visitantes anuais, segundo essa pesquisa aqui.

Terra Média ou Nova Zelândia?

E atire a primeira pedra que nunca viajou por aí e correu para ver algum lugar que apareceu num filme ou série. Mas o que eu fiquei refletindo com essa história toda, quando estive em Bratislava, é que o problema não é usar um local diferente ou até mesmo “exótico” como pano de fundo da história, mesmo quando a história é negativa ou o filme é violento. O grande problema é só usar clichês absurdos e mentir sobre a realidade local.

Por mais que produções de ficção sejam, como o nome diz, fictícias. O local retratado é real. Já existe muita informação equivocada e preconceito sobre tantos países no mundo. Se a gente for pensar, normalmente, quanto menos “rico” é o país ou quanto mais distante da cultura ocidental, pior ele é mostrado por Hollywood.

Clichês atrás de clichês vão reforçando uma visão ignorante sobre o mundo. Assim, a África costuma ser retratada como se fosse um único país, e não um continente cheio de contrastes; o Leste Europeu é sempre uma terra de bandidos e prostitutas; a America Latina só tem floresta, favela e tráfico de drogas.

A indústria do turismo é importante para a maioria dos países e, sem dúvida, a cultura pop ajuda a colocar vários locais no roteiro de muita gente. Mas, sei lá, antes de cortar (ou até mesmo acrescentar) um lugar da sua lista porque você viu num filme, uma boa ideia é pesquisar antes qual é a verdadeira cultura local. Afinal, como a gente já vem batendo na tecla aqui há algum tempo, informação é a melhor ferramenta de um viajante consciente.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Que texto maravilhoso!!!
    Reflete exatamente o que penso sobre essa imagem que o cinema cria dos lugares. E sério, é muito triste e injusto isso!
    Lembro da primeira vez que cheguei em Bangkok, vim com medo achando que era uma coisa (trafico, roubo, etc) e hoje moro aqui e posso provar que é um dos lugares mais seguros que já vivi sem nada daquilo que os filmes mostram. Fora ter que explicar/dismistificar um monte de coisas estereotipadas sobre o Brasil pros gringos.
    Abraço, Mônica

  • Luiza, amo seus textos!!! Acabo sempre compartilhando na minha página.
    Estudei esse tema para meu TCC na faculdade de Turismo e meu foco foi o Brasil. Como o cinema interfere na imagem que os estrangeiros têm do Brasil.
    Estamos trabalhando para transformar meu TCC em um artigo e logo mais publicar. Esse é um tema que deve sempre ser discutido, afinal o entretenimento pode contribuir com o turismo de diversas formas, inclusive negativamente!

    Quando meu blog ficar pronto e for ao ar (e o artigo também) volto para enviar o link! Assim podemos contribuir mais com esse tema!

  • Fantastico artigo!

    Hollywood 'e uma desgraca pra humanidade, em geral.

    Cria estereotipos de lugares (como voce muito bem mostrou), pessoas (etnias, estereotipando negros, asiaticos, islamicos etc), cria padroes de beleza irreais e deixa pessoas alienadas.

    Obs: desculpe o teclado desconfigurado.

  • Eu conheci a Nova Zelandia pelo Senhor dos aneis, mas esse não é o principal motivo para eu querer ir pra lá, mas um deles, hollyhood pode ser bem dramatica, mas também pode revelar lugares maravilhosos.

    • Verdade Camila. Hollywood sem dúvida inspira muita gente a conhecer lugares.

      Mas o problema é que também retrata tantos outros (principalmente lugares mais pobres) com lentes não tão bonitas.

  • Toda a viagem é sempre maravilhosa, agora hollywood é especial e realmente quem não quer tirar algumas fotos em lugares famosos???

  • Luiza, ótimo artigo e fotos incríveis. Eu gosto muito de viajar e agora estou me preparando para hollywood e que seja um sucesso. Bjs Katia.

  • Ótimo texto!
    Essa relação de Hollywood x Turismo é algo que eu não tinha parado pra pensar realmente, mas faz todo, todo sentido.
    Se todos os casos fossem positivos como o da Terra Média, né? Mas o triste é que a maioria fica só nos estereótipos e parece que não se dedica a pesquisar sobre o país quando vai fazer um filme sobre e/ou que se passa em determinado lugar.

    É claro que esse tipo de coisa não é exclusivo dos filmes norte-americanos (acho que até novela da Globo tem esse problema de ser superficial e ficar só nos estereótipos, vide Caminho das Índias e O Clone), mas esses em geral são a maioria. Eu assisti Eurotrip e Hostel (e detestei ambos! hahaha) há muito tempo e já naquela época achei de muito mau gosto essa visão distorcida que criaram dos lugares (como se alguém da indústria cinematográfica americana não conhecesse o poder que esses filmes têm na hora de ''criar uma imagem'' do desconhecido, seja ele um país, um povo ou uma cultura diferente; ou seja, não sei dizer se é pura ingenuidade ou ignorância mesmo).

    Por sorte alguns filmes me causaram o efeito oposto, grazadeus.

    • Pois é, se todos os casos fossem a Terra Média seria melhor, mas acho que ainda há muita ignorância e total falta de responsabilidade, da indústria do cinema, TV, etc.

  • Grande reflexão, Luiza. Tenho sempre essa impressão de que o cinema deve ser somente uma inspiração, até mesmo porque as viagens são bem diferentes dos filmes. No início do blog escrevi sobre o filme Shirley Valentine e uma cena passada na Grécia, mostra a protagonista fazendo uma viagem de barco e olhando para o mar. A cena leva 5 segundos e faz você pensar: que legal. Agora imagine fazer uma viagem de barco de Atenas até Mykonos, por exemplo: 5 horas no mínimo. Cinema e realidade tem tempos e narrativas diferentes, é preciso que as pessoas saibam diferenciar.

    Mas super concordo com você que as produções devem ter uma responsabilidade ao retratar um lugar. Denegrir a imagem de um lugar é imperdoável. Embora muitas vezes Hollywood não tenha essa responsabilidade nem mesmo com filmes passados nos próprios Estados Unidos.

    Cabe ao viajante separar realidade de ficção. E qual a melhor forma de destruir clichês e conhecer por você mesmo? Indo lá, viajando. Se o cinema motiva as pessoas a fazerem isso, acho ótimo.

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Publicado por
Luiza Antunes
Tags: Reflexões

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