Sobre pressões sociais, família, filhos ou escolhas diferentes

Há alguns meses, recebi um comentário aqui no blog que me rendeu risadas infinitas. Depois de rir muitos minutos sozinha, fiz algo que não é de costume e publiquei o dito comentário no meu Facebook, onde diversos amigos e conhecidos puderam rir comigo. A questão é que esse comentário não era uma piada, para tanta gente achar graça. Duvida? Compartilho aqui com vocês também:

“VC SÓ VIAJOU, NÃO FEZ MAIS NADA NA VIDA, FAMILIA ,PROCRIAÇÃO,,,ETC”

Isso, deixado num texto sobre um destino, daqueles bem práticos, que não tem nada de muito pessoal escrito. Mas esse indivíduo achou que era de bom tom entrar num blog, ler as dicas que eu dei, ler o meu perfil lá embaixo e decidir dar palpite na minha vida.

Enfim, eu só deixei esse comentário para vocês darem umas risadas também. Agora vou fazer uma reflexão sobre um assunto que considero ainda mais sério do que trolls na internet. O papo aqui é sobre as expectativas da sociedade com as pessoas – eu diria as mulheres especialmente, mas sei que homens também sofrem e muito com isso.

O assunto ainda casou bem com um livro que eu estou lendo, “Modern Romance”, do Aziz Ansari. No capítulo que li ontem, enquanto curtia a brisa da praia no Algarve, Ansari – comediante daquela série Master of None, da Netflix – se juntou com um sociólogo para investigar as questões de relacionamentos, amor, etc, nos dias de hoje.

Uma questão que fica bem clara é que, durante centenas de anos, o casamento era a instituição que fundamentava boa parte da vida das pessoas e até garantia a sobrevivência de muitas. Até, sei lá, os anos 60, muita gente ainda estava casando para sair da casa dos pais, entrar na vida adulta e seguir os passos obrigatórios: comprar uma casa, ter filhos, prover essa casa – se você fosse homem – ou cuidar dessa casa com as crianças – se você fosse mulher.

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Bem, o mundo mudou, para o bem ou para o mal. Há mais possibilidades na vida do que se casar. Não que você não possa ou deva se casar se quiser e bem entender. Mas claramente as pessoas estão fazendo isso mais tarde. Se minha avó se casou aos 19 e com a minha idade já tinha tido 5 filhos; se minha mãe casou-se aos 24 e na minha idade já tinha duas filhas e logo teria a terceira. Eu e minhas irmãs claramente não seguimos o mesmo caminho. Mas certamente não estávamos fazendo “nada” das nossas vidas. 

Sei lá, mas a vida é muito longa e cheia de possibilidades para limitarmos tudo a se casar ou “procriar”. E por mais que o nosso amigo do comentário pareça completamente absurdo e muito engraçado, tem muuuita gente que reproduz esse tipo de pensamento sem usar palavras tão comicamente eloquentes.

Levante a mão aí todo mundo que já ouviu insistentemente de algum parente, distante ou não, onde estavam os namorados(as). Aí se tem namorado(a), ficam perguntando quando será o noivado. Depois, pressionam para saber quando será o casamento. Uma vez casados, logo vem a cobrança pelos filhos… E assim vamos nós. Ai de quem, em qualquer um dos momentos desse ciclo, tomar uma decisão fora das expectativas alheias.

Como assim você é solteira? Como assim vocês não vão se casar depois de X anos de relacionamento? Como assim vocês não querem ter filhos nunca? Esses são só alguns exemplos óbvios. Porque há infinitas possibilidades, como sugere Ansari, até viver sozinho com 7 iguanas. Ninguém tem nada a ver com essas decisões, mas as pessoas acham que sim. Acham que seguir essa cartilha é o certo na vida. Acham que você não será inteiro e feliz se decidir não ser do jeito programado pela expectativa social.

E vou ser sincera, mesmo a mais bem resolvida e decidida das pessoas vai, em algum momento, ficar abalada com tantas cobranças. Porque parece que todo mundo, sua família, a televisão, os filmes, o pessoal ao seu redor, todo mundo está seguindo um script muito antigo, você começa a se sentir um peixe fora d’água. Começa a pensar: será que tem alguma coisa errada comigo? Não importa se você decidiu dar a volta ao mundo, se quer focar na sua carreira, se decidiu chegar no pós-doutorado ou seja lá o que as pessoas queiram se dedicar e conquistar.

A verdade é que a única coisa errada são essas pressões absurdas para que todo mundo tenha a mesma vida. Não tem nada de errado em querer namorar, casar, ter filhos ou 7 iguanas. Não tem nada de errado em não querer isso. Ou querer isso para mais tarde na sua vida. Ou até querer agora, mas não encontrar a outra metade disposta. Talvez não existam metades para todas as laranjas, talvez existam, mas elas deixam de ser compatíveis depois de um tempo. Ou talvez a laranja decidiu que se basta sendo meia. Tá, parei com as metáforas toscas.

A questão aqui é um grito de cansei, igual ao que a Jennifer Aniston deu outro dia. Sociedade, pare de achar que só casar e ter filhos é fazer alguma coisa da vida. Pare de achar que pessoas são incompletas, infelizes ou não-realizadas porque não encontraram um marido ou esposa ou não tiveram filhos. Já passou da hora do pessoal assimilar o fato de que romance e príncipe encantado não salvam ninguém de nada e que há muito mais coisas para fazer na vida do que ter isso como único foco.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Voltei gravida sem querer da minha ultima viagem aos 32 anos. Primeiro foi um alivio para essas cobranças da família, o outro alivio foi que aconteceu aos 32 anos apenas depois de ter vivido intensamente. Agora o desafio é continuar alimentando as aspirações conciliando com as cobranças da maternidade. Muito legal seu texto!

  • Adorei o texto!! Mas só um adendo: filhos e casamento não impedem de viajar, fazer pós-doutorado, focar na carreira .. beijos :)

    • Oi Karla,

      O texto não diz isso, hein? Pelo contrário, o objetivo é dizer que qualquer pressão social é um saco (incluíndo aquelas de que quem tem filho não pode mais viajar, etc)!

      bjs

  • Pressão?
    Pressão é a vida correr e perdermos a hipótese de conhecer o Mundo.
    No futuro provavelmente outros terão como realidade explorar outros planetas, mas agora no presente, (eu que pela construção da história Humana sou descrito como Português), tenho a hipótese de ir conhecer o Japão, Nova Zelândia, Perú, Canadá, Escócia, e todos os países da Escandinávia.
    É uma pressão vibrante, esta de viajar e acrescentar pontos à nossa configuração...

  • Fantastico este post! Parabens Luiza!

    Compreendo e partilho da sua experiencia. Ate determinada idade,familia e amigas achavam que "isso e da idade, depois passa e vais querer filhos", depois passei a nao ser "uma mulher normal" e finalmente ate um familiar meu considera que sou esteril porque aos 33 nao tenho nem quero ter filhos... Enfim... Mas uma coisa nao partilho neste post: a pressao. Nao ha motivo pra valorizar as expectativas que nao sao proprias! Ha sim uma necessidade maior de forca interior para afirmacao de nos proprias e das nossas perspectivas, nao para angariar seguidores das mesmas mas sim para torna-las aceites ainda que nao compreendidas. Nao precisamos necessariamente de ser compreendidas nas nossas escolhas, mas sem duvida teremos sempre direito a ter escolhas e diferentes e elas terao que ser aceites pela sociedade estigmatizada em que vivemos.
    Caso contrario, quem faria as viagens e respectivos documentos/documentarios/livros e didacticos para as pessoas casadas e com filhos que nao "podem" viajar saberem como é o resto do mundo? Como educariam seus filhos sem qualquer nocao da realidade cultural alheia?
    Todo este post me fez lembrar a sociedade "ideal" do livro The Giver - o Dador de Memorias...
    Mais uma vez, parabens pelo blog e pelas suas escolhas que tanto nos integram e nos ajudam na nossa diferenca!

  • Olá Luiza!
    Eu também sofro esta pressão. Tem sempre um conhecido, uma colega do trabalho perguntando se estou namorando e querendo me apresentar alguém. Considero um preconceito, discriminação, por alguém ser solteiro(a). Atualmente realizo atividades que com marido/filhos não seriam possíveis. Me sinto bem, faço o que gosto, estou rodeada de afazeres. Lamentavelmente, não sou dedicada a planejar viagens, férias. Só o fiz em três ocasiões.
    Abraços e siga suas escolhas!

    • Obrigada por comentar Marcolina,

      De fato, as pessoas tem muito preconceito com quem é solteiro. Aff, morro de preguiça

  • Também adorei o texto e a frase "...mas a vida é muito longa e cheia de possibilidades para limitarmos tudo a se casar ou “procriar”.
    Pena não ter lido antes, então, já saberia dar uma bela resposta a um pergunta tosca do tipo, que recebi no final de semana em um encontro de família...kakakaka

  • Amei o texto!! Liberdade e respeito! Palavras de ordem! Ou, palavras de caos para a vida feliz! Tenho marido e filhas! Amooo! Mas amo tb horta, culinária, não querer fazer o doutorado e querer aprender a costurar! Muito bom!

  • Engraçado esse comentário, poderíamos nós dizer a mesma coisa das gerações anteriores não! Invertendo os papéis e dizendo: vocês não fizeram nada da vida a não ser casar e ter filhos?
    O problema vejo eu e na tomada de decisão e porque julgamos que tomamos a melhor decisão de nossas vidas e porque os outros não tomam está mesma decisão? Porque outro caminho completamente diferente do meu? Será que minha decisão foi errada?
    É por esse questionamento simples que as críticas aparecem... Elas não são direcionadas a você
    Mas sim a própria pessoa que a fez.

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Publicado por
Luiza Antunes
Tags: Reflexões

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