Preconceito em aeroportos e o privilégio “da fila errada”

Por um minuto pensei: “droga, escolhi a fila errada”. Nas duas filas da imigração, a meu lado, os passageiros apresentavam seus passaportes e em poucos minutos seguiam caminho para seus portões de embarque. Mas a fila em que eu me encontrava não andava. Resolvi olhar qual era a cara do agente da imigração alguns metros a frente e vi que o motivo da demora não era “a fila errada”. Era preconceito mesmo.

Uma família, pai, mãe e dois filhinhos. O pai com um menino no colo que brincava e se movimentava sem entender o que estava ao seu redor. E no chão, meio tímida, de mãos dadas com a mãe, uma menina que também não tinha idade para entender a situação, mas conseguia perceber o movimento tenso de seus pais. Comentei com meu namorado: “ih, eles estão sendo barrados por serem muçulmanos”. Os traços da família e o véu na cabeça da mulher não escondiam.

Era só uma família francesa, com seus documentos franceses devidamente apresentados, sendo muito questionada e analisada porque estavam saindo da França em direção a Argel, na Argélia. Aliás, só sei o destino dessa família porque o portão de embarque deles era ao lado do meu.

Leia também: Preconceito Religioso no Brasil: diversidade x intolerância

Ficamos na fila por cerca de 15 minutos, fora o tempo que eles já estavam lá antes de chegarmos. Com isso, a passagem pela imigração francesa – para sair do país, diga-se de passagem – que antes tinha uma fila pequena, tornou-se uma grande aglomeração. Olhei ao meu redor. Mais pessoas claramente muçulmanas também aguardavam mais atrás. Se todos eles fossem passar pelo mesmo escrutínio preconceituoso, alguém acabaria perdendo o voo.

É possível que qualquer pessoa do mundo passe pela experiência de um funcionário de imigração que implica com a sua entrada no país. Isso, talvez, tenha a ver com sorte. Porque dá para encontrar diversos relatos pela internet de gente que entra, sai ou é barrada com ou sem documentação certa. Às vezes, você pode dar o azar mesmo de cair na “fila errada” com um funcionário mal humorado.

Mas, só no meu círculo próximo, tenho uma amiga negra que toda vez que vai entrar na Europa é duplamente revistada. Sempre cai na “seleção aleatória” dos guardinhas. Ela até achava que esse era um procedimento comum, para o horror de todos na mesa quando contou. Tenho um primo e um amigo que têm traços que o resto do mundo considera “árabes”. Nariz um pouco mais grosso, pele morena, cabelos pretos. Os dois foram parados no aeroporto para serem ultra-questionados sobre suas raízes, antes de poderem entrar na Inglaterra e Estados Unidos, respectivamente.

Saiba mais: Onde vai ser sua imigração na Europa?

Não adianta vir com argumento de segurança se a preocupação só tem uma cor, uma religião e algumas poucas nacionalidades. Como se todas as pessoas de um mesmo lugar ou de um mesmo grupo étnico fossem coletivamente um perigo. Quando especialistas em segurança concordam que isso é inefetivo (o link é para uma matéria do The Guardian sobre a proibição de laptops na bagagem de mão em alguns países e a segurança em aeroportos em geral).

Crédito: Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0)

É preciso lembrar que tem gente que sempre vai estar “na fila errada”. Que sempre vai ser questionado, revistado duas vezes. Pensei, naquela fila na França, na sorte e privilégio de não ser questionada nunca pela minha religião ou ausência dela, nacionalidade ou cor da pele. Falem o que quiserem do Brasil, mas nosso passaporte é bastante aceito por aí: em 143 países não precisamos de visto. E essa minha série de privilégios me garantiu até hoje conseguir viajar pelo mundo sem nunca ser questionada de uma forma abusiva ou preconceituosa. Me deu o privilégio de simplesmente poder dizer que dei sorte ou azar na hora de passar pela imigração.

Gostaria de convidar você a participar desta postagem. Como? Enviando, se for o caso, relatos parecidos. Ou pedindo que pessoas que vivenciaram situações de preconceito em aeroportos deixem seu relato nos comentários ou me enviem por email (contato@360meridianos.com).

*Foto: Imagem Destacada: Shutterstock

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Eu fico indignada com tanta discriminação nos aeroportos. Meu marido e eu temos viajado constantemente e graças a Deus nunca tivemos problemas a não ser algumas perguntas normais quando do ingresso no país. Mas já presenciei alguns casos de discriminação como uma Sra. negra que estava sendo revistada do pés a cabeça. . Triste. Eu penso que se a polícia federal me concedeu o passaporte, já fui totalmente investigada no meu país. Então quem deveria dar segurança para eu entrar em outro país seria o Brasil, não concordam? Por que temos que passar por constrangimentos?

    • Oi Dulcinea,

      É absurdo mesmo. Até entendo que existam perguntas e revistas extras porque nem todo país vai confiar no sistema de segurança dos outros. O problema são as visões únicas: só consideram ameaça quem é "diferente", o que não só é ridículo e preconceituoso, como também é potencialmente perigoso.

  • É uma questão de probabilidade. A segurança trabalha com probabilidades. A probabilidade atual de uma pessoa de origem muçulmana trazer problemas de segurança é maior. Não sejamos ingênuos. Inocentes sofrem com isso, mas é inevitável. A título de comparação, um homem via de regra tem mais probabilidade de ser violento que uma mulher pelo simples fato de ser homem e isso sempre foi considerado em questões de segurança, é uma realidade. Na situação atual a religião influi sim em questões de segurança. Melhor que o mundo não tivesse nenhuma religião, como na canção, mas sabemos que não é o caso. O islã é a bola da vez. Porque os radicais dentre eles mesmos estão causando isso.

    • Vou aproveitar mais uma vez o link que o outro leitor postou para rebater esse argumento que só reforça preconceitos:

      "EUA sofrem mais ataques inspirados pela direita radical que pelo jihadismo
      Terrorismo doméstico matou o dobro de norte-americanos que o radicalismo islâmico"

  • Não sei se foi preconceito por ser brasileira (alguns irlandeses não gostam dessa invasão brasileira na Irlanda e não escondem isso)ou se o cara simplesmente me escolheu pra fazer uma grana extra mas em ambas as imigrações que passei (Em Londres e Dublin) eles me fizeram mil perguntas,insistiam no fato de eu estar viajando sozinha, Por que?Tem certeza que você não esta indo encontrar alguém? Quais os lugares que eu pretendia conhecer e por que a Irlanda?Me pediram mil comprovantes e o agente de Dublin perguntou quanto de dinheiro eu estava levando e pediu para ver eu entreguei pra ele, e ele me devolveu os papeis e enquanto eu guardava ele contou tudo e depois me devolveu o dinheiro faltando $50 euros. O que eu ia fazer? Era ele (que tinha o poder de me deportar e me fazer perder a passagem a viagem etc) contra min.Sai da imigração tremendo de raiva e me sentindo super mal,peguei minhas malas e fui procurar a saída quando um outro me parou e perguntou aonde eu pensava que estava indo? Você ainda não passou pela alfândega preciso ver se você não esta levando drogas nessa mochila ou se veio ficar aqui ilegalmente. E ainda perguntou: Você acha que vou encontrar e eu já puta respondi: Não sei,você só vai saber se procurar. Ai ele abriu a mochila tirou tudo de dentro, pegou o passaporte, olhou todas as paginas e carimbos enquanto me dava umas olhadas "intimidadoras" e como não achou nada me liberou. E eu disse: Não achou? E ele: Não dessa vez.
    Felizmente o povo da Irlanda é super amável (tirando essas pequenas exceções) e me acolheram super bem e me tiraram essa primeira impressão ridícula que tive sobre o país.

    • Estou chocada com essa história!

      Eu acho que não ia aguentar e ia dar um escândalo. Claro, se tivesse algum comprovante do dinheiro que carregava, pq se vc não tivesse, não ia ter como provar né.

      • Haa mas se eu fizesse escândalo ele com certeza ia inventar um motivo pra negar a minha entrada. Ai eu ia perder muito mais que os $50 euros... Infelizmente abuso de poder existe em todo lugar.

  • Olha, toda vez que entro na Alemanha sou "aleatoriamente" enviado para a revista. Aconteceu em Stuttgart e em Berlim. Já em Frankfurt, a oficial além de um tom jocoso, só me deixou passar pq eu tinha um visto de estudante para outro país da UE. Ainda conferiu e perguntou se eu era mesmo estudante de engenharia. A ALemanha é provavelmente onde tive as minhas piores experiências de viagem e aeroportos. Em Stuttgart, dava pra ver até mesmo a raiva dos agentes.
    Já em Istanbul, fui o único do vôo a ser levado para a salinha, mas acho que nem sabiam o que tavam a fazer direito, pois me fizeram 3 ou 4 perguntas e me liberaram. Em Bologna, três vezes voltando de viagens curtas na UE, revistaram-me e abriram as minhas malas.
    O passaporte brasileiro pode até "abrir portas" e "ser bem aceito", mas existe uma graaande diferença entre um branco descendente de alemães/portugueses/italianos/brancos em geral com passaporte brasileiro e um negro com o mesmo documento.

  • Estou sempre na fila errada. Todas as vezes que tenho que viajar sempre fico no fim das fila para que os outros passageiros não fiquem cansados de esperar para a revista aleatória. Seja no aeroporto de Confins, seja em qualquer outro no Brasil ou na Europa, minha bagagem de mão é revistada,sapatos e meias,bolsos dos casacos. Agora só viajo de chinelos, sem casacos, só levo bagagem de mão porque ainda não encontrei um jeito de viajar sem ela. As falas são as mesmas: porque você viaja tanto? Nos acompanhe por favor, precisamos verificar sua bagagem. Antes eu ficava constrangida e reclamava por escrito, agora só espero que a revista não demore muito.

    • Sinto muito que você tenha que passar por isso Aparecida. E ainda ter que ler comentários de algumas pessoas aqui dizendo que não existe preconceito.

  • Dependendo dos carimbos q vc tem no passaporte tb pode sofrer preconceito mesmo tendo um nome e um passaporte acima de qq suspeita. Eu passei por isso. Na Itália. Eu tinha um carimbo recente boliviano = #traficante #drogada #temdroganamala. Só não sofri maiores constrangimentos pq o cara estava num dia bom. Mas ele olhou, conferiu algo no computador, me olhou bem, e como eu fingi q era idiota, não rolou nada. Mas fiquei com medo.

    • Realmente Renata!
      Eu tenho um amigo que foi parar numa prisão inglesa e depois deportado simplesmente porque ele tinha um carimbo do Líbano!
      Não faz o menor sentido.

  • Luiza, essa sua postagem resumiu algo que sempre passa pela minha cabeça quando viajo. Como sou branca, olhos claros, etc. nunca passei por situações de preconceito, mas sempre me incomoda ver que nos aeroportos os únicos parados na imigração costumam ser negros e muçulmanos... Este ano fui parada pela primeira vez em uma revista (realmente) aleatória aqui mesmo no Brasil e fiquei tão surpresa que quase agradeci por ter sido a escolhida. Sorte com o projeto!

  • Surpresa com o relato do Renato. A Australia é feita de imigrantes e inumeros asiáticos, inclusive estudantes endinheirados! Vou seguidamente a Sydney e nunca observei mas acho lamentável! Sempre sou revistada nos aeroportos, tenho 67 anos, branca, sul americana e sempre fico constrangida até porque meu ingles é ruim. Acho q me veem como transporatadora de drogas...

  • Por ter sobrenome japonês e passaporte brasileiro, o cara da imigração as vezes fica confuso, mas logo me libera. Em aeroporto nunca tive problemas maiores. Agora, já senti discriminação na Austrália, principalmente em Sydney. Na minha opinião, os asiáticos lá são vistos como os nordestinos em SP. Uma galera que fala mal a língua e ocupa os empregos mais básicos e, portanto, considerada inferior. Isso é terrível, tanto lá quanto aqui. Nunca fui tão mal tratado em lojas e restaurantes. Nunca me senti tão mal em algum lugar. Descobri depois que há denominações específicas para quem vem do oriente médio, da ásia, das ilhas do pacífico, para o imigrante recém chegado ,etc. Os aussies são os brancos. Enfim, isso é só minha impressão de turista.

    • Nem precisa ir longe assim pra ouvir piadinha. Sou nipo-descendente e cansei de ouvir "piadinhas" no Rio de Janeiro, durante as Olimpíadas. Infelizmente, como disse o Marcos Borges, é preconceito disfarçado de piadinha.

    • Realmente Renato tem isso... eles não veem como preconceito, são piadas. Piadas essas que já mataram muitos imigrantes. Infelizmente. Mas é algo que pode ser que mude (aos meus olhos vem mudando), primeiro pois são poucos os novos imigrantes, os de primeira geração, que não falam inglês (o que os australianos zoam com suas respostas nos restaurantes, fifi cents (AUS$0,50) ou too dolá (AUS$2). Há muitos anos vem nascendo uma geração já australiana.

      Segundo que os que entram hoje são de maior escolarização (alguma das profissões que o país facilita a entrada) não mais os de menor poder aquisitivo/escolaridade que entraram, principalmente entre os anos 70 e 80 quando o país abriu as fronteiras devido aos problemas que passavam muitos países da região.
      Como disse, quero acreditar que irá mudar, pois a maior parte das minhas amizades na infância (morei lá) eram de origem asiática e acho que esse multiculturalismo vindo desde cedo só leva a melhores resultados como um povo.

      Mas como você disse, impressão de turista, mas prefiro ver a Austrália mais como na propaganda de cordeiro para o Dia da Australia de 2017. Procura por "Australia Day 2017 lamb" no YouTube que encontrará.

    • Senti a mesma coisa na Nova Zelândia, vi gente fazendo comentários especialmente babacas sobre a quantidade de asiáticos.

  • Sou brasileira e tenho o primeiro nome brasileiro e os três últimos, árabe. "Revista aleatória" aqui no Brasil e nos EUA passou a ser "comum" pra mim. No Reino Unido as perguntas enderaçadas a mim levam mais tempo que para outros passageiros. Enfim, não tem o que fazer e nem a quem recorrer. Não faço postagens contrárias ao Trump e nem ao seu governo. Tenho uma filha que estuda em uma universidade americana, portanto isso, explica a minha atitude.

    • =(

      Realmente, ainda mais com o nível de falta de privacidade que temos online hoje em dia, eu faria a mesma coisa

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Luiza Antunes

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