O primeiro voo perdido a gente nunca esquece

O primeiro voo perdido a gente nunca esquece, ainda mais quando corrigir o erro custa quatro vezes o preço pago originalmente pela passagem. A dor no bolso só não é maior que a vergonha pela idiotice, que em geral é a causa de acontecimentos assim. No meu caso, por exemplo, o primeiro voo perdido foi resultado direto do excesso de confiança.

Eu já tinha corrido enlouquecidamente em aeroportos. Já tinha pedido para motoristas irem mais rápido, afinal o voo sairia do fim do mundo, ou melhor, de Confins. Eu já tinha escutado meu nome ser falado algumas vezes no sistema de som do aeroporto, junto com duas das palavras que mais motivam corridas por aí: última chamada. Mas, por mais que as chances fossem desfavoráveis, sempre dava tempo. Sempre.

Fui diversas vezes o último a entrar no avião; me acostumei a acelerar minutos antes do encerramento do voo, à la Schumacher antes do pit stop. Não era atraso, veja bem. Inspirado num dos maiores viajantes de nosso tempo, Gandalf, o Cinzento, eu não estava nunca atrasado e nem adiantado. Eu chegava precisamente na hora que deveria chegar.

Eu teria evitado problemas se tivesse parado para pensar em como o horário Gandalf afetou a vida da Sociedade do Anel, mas preferi seguir em frente, acreditando que daria tempo. Até que não deu. Depois de acordar cedo e fechar a casa, chamei um Uber. Na época eu morava no centro de Belo Horizonte, mas precisava passar na casa do meu pai antes de seguir viagem, onde deixaria o Whisky. O cão, não a bebida. De lá, depois de uma pausa para o café da manhã, eu pegaria outro uber para um ponto de ônibus do Conexão Aeroporto, o terceiro veículo na viagem até Confins.

Foto: shutterstock.com

As coisas começaram a dar errado de cara, mas eu demorei para aceitar isso. Por conta de um acidente no centro, o uber que eu chamei não conseguia chegar no meu endereço. Cancelei, chamei outro e esperei. Quando o carro chegou eu já tinha perdido 40 minutos e a coisa começava a ficar interessante – sempre é melhor quando tem emoção. Ou, como diria o Gandalf, “tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado”, embora eu saiba que o contexto da fala foi só um pouquinho diferente.

Cruzei a cidade, larguei o cachorro e, admitindo que o tempo era curto, permaneci no mesmo uber e pulei o café da manhã, mas insisti na ideia de pegar o ônibus. Vai dar tempo, pensei. E assim salvo 40 pila, argumentei em favor da economia burra. Minutos depois eu estava no ponto de ônibus, na Pampulha, quase na saída para Confins. Mas sem ônibus, já que os dois veículos marcados para o horário também não conseguiram chegar – maldito acidente no centro.

Foi ali que perdi o voo: quando eu escolhi esperar. Como acontece nesses casos, em determinado momento ficou evidente que esperar é idiotice, mas nesse ponto o estrago já estava feito. Gastei os 40 pila do uber, mas cheguei em Confins no minuto exato em que fechavam os portões. Depois de muito reclamar, achei um cantinho e fui descobrir quanto custaria aquela brincadeira. Remarcar o voo, que era para Porto Alegre e tinha custado R$ 250, sairia por mais de mil. Comprar em outra companhia, pela internet, se mostrou um negócio um pouco melhor. E assim gastei algumas centenas de reais, tudo dividido em 12 vezes.

Isso aconteceu há mais de um ano, mas só agora, quando terminei de pagar as parcelas, consigo rir da situação (mas nem tanto). O pior é que, exatamente um ano depois do primeiro voo perdido, perdi outro. Também para Poa, mas pelo menos dessa vez o prejuízo foi pequeno e absorvido no mês seguinte. A consequência de tudo isso foi uma mudança de hábitos: abandonei o jeito Gandalf de ser e abri mão das emoções. Agora, faço questão de chegar no aeroporto cedo. Muito cedo – dia desses foi antes do check-in abrir.

Você pode chamar de exagero, mas o importante é garantir o embarque. Se bem que sempre pode dar errado. Não me esqueço da história de um conhecido que voltava do nordeste para BH, com conexão no Rio. Ele chegou no Galeão cinco horas antes do voo. E ficou lá, na frente do portão de embarque, todo esse tempo, lendo um livro. Por volta da página 100 ele se distraiu, ignorou o nome que era falado no sistema de som e só se deu conta quando o voo já estava prestes a pousar em Confins.

Juro que não fui eu, mas um amigo. Mas não duvido que um dia aconteça algo assim comigo.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Em 2017 perdi um voo de Berlim x Amsterdã por conta de excesso de confiança e querer pegar voos cedo pra aproveitar o dia.

    2 erros que não cometo mais. (pelo menos enquanto o trauma ainda tá recente na alma e no bolso)

  • Ontem perdi meu voo de volta pra Brasília, já tinha feito o check-in pela internet porém meu pacote de dados acabou e fiquei sem internet pra pegar o cartão de embarque. Pensei que chegando no Galeão, conseguiria imprimir pelo balcão da companhia, porém aconteceu um acidente no centro do Rio de Janeiro e tava tudo parado. Ainda sobrava um pouco de esperança porém cheguei 17:55 e o voo era 18:10, resultado: estou voltando de ônibus, pois as passagens são caríssimas

  • Rafa... Valeu pelo relato.. Muito reconfortante a leitura... Enquanto eu e meu marido aguardamos novo voo.. Sendo que perdemos o primeiro, estando lá, mas no lugar errado...hehehe resultado: era p chegar na Argentina 13:00... São 21:30 e estamos saindo de Guarulhos... Perdemos o buquebus.. Alivio de carro... Diária... Mas a companhia nos deu novo embarque sem custo... Então bora começar as ferias... Amanhã! Por que hoje eh dia de dormir no Aeroporto...haaha

    • Eita, imagino a frustração de vocês. Mas não deixem isso atrapalhar a viagem, Elizangela.

      Abraço e aproveitem!

  • Sou campeã em perder vôos. Dizem que mineiro não perde o trem, mas o avião lá em Confins...não é difícil perder. Ressaca, trânsito, viver nos 45min do segundo tempo ou simplesmente achar que sabe o horário do vôo, mas confundi-lo. Enfim, a cada vôo perdido e prejuízo digerido fico alguns meses, às vezes um ano, andando na linha, mas de repente me tropeço no desejo de aproveitar os últimos segundos das viagens.
    Conservo a esperança de não perder vôos e aprender que uma horinha de aeroporto não faz mal algum.

  • Meus pais perderam ano passado um voo da TAM de Santiago para Guarulhos mas a companhia aérea permitiu que eles embarcassem no próximo voo já que tinham lugares sobrando.
    Isso é comum?

  • Cara, eu perdi o voo de Buenos Aires para Brasília... O problema é que sou muito elétrica viajando e estava festando dia e noite lá, podem imaginar que bebia todos os dias... Mas, na minha última noite, decidi fazer uma despedida com os amigos e exagerei!!! Meu voo era às 6:30 da manhã, ainda estava sentada ao relento às 4h da manhã tentando Uber que é algo impossível de achar por ali. Aí fui de taxi, paguei caríssimo mesmo (150 temers). Quando cheguei no aeroporto... eu não podia mais embarcar kkkkkkkkkk hj eu fico rindo, mas no dia... Daí, fui ao balcão da Lan e comprei outra passagem por lá, não saiu absurdamente caro por um milagre divino mesmo, acho que até Deus ficou com dó de mim kkkkkkkkk. Daí, conhecei um rapaz na mesma situação que eu e por incrível que pareça, era o primeiro voo internacional dele e foi perdido hahahahahahha. Voltamos pro centro juntos pra ficar mais barato e o voo foi no dia seguinte. Mas dessa vez, fui no horário, porém, bêbada!!! kkkkkkkk Chegando na conexão em SP, encostei na cadeira e dormi pesado (afinal, 5 dias festando na capital argentina e dormindo 2 horas por dia... n seria diferente, né) acordei no susto com a última chamada do voo e lá fui eu correndo, quase larguei minha mochila no assento, mas lembrei por um milagre. kkkkkkkkkkkkk

  • Meu primeiro vôo perdido foi nas férias do ano passado voltando de Foz do Iguaçu depois da minha primeira viagem sozinha. Fui de Buenos Aires pra Foz de ônibus (17h de viagem), mas o ônibus que tem dias e horários limitados iria chegar às 17:30 e eu tinha comprado o vôo para 16:30. Consegui trocar no app da Gol e eu achei que tava tudo ok, mas quando cheguei no guichê a atendente disse que meu cartão não passou. Perdi o vôo, descobri que meu cartão não tinha limite para uma nova passagem, tive que passar a noite no aeroporto de Foz (7°C naquela noite) e de manhã fui pra rodoviária comprar uma passagem de ônibus de Foz pro Rio. É lá se vão mais 27h(3h de atraso) sentada em um ônibus que nem era cama leito. Que perrengue! Agora aprendi a me planejar e sempre estar uma noite antes na cidade de onde vou pegar o vôo. Essa viagem foi tipo desventuras em série, mas a volta foi a cereja do bolo. Kkkkk

    • Nossa, e que cereja, Milene! Deve ter sido horrível na hora, mas pelo menos fica a história pra contar. :)

      Abraço e obrigado pelo comentário.

  • Rafael, perdi o voo a primeira e, por enquanto, uma ünica vrez, exatamente como vc. Como moro a 15m do aeroporto, resolvi sair 1h antes. Resultado: quando fui fazer o check-in e deixar a mala, já tinha passado 5m do horário, embora ainda faltassem muitos minutos para o voo.
    Quase chorei, tive que pagar a multa da passagem, um taxi de congonhas pra guarulhos, e quase perdi o voo pro chile,mas aprendi, agora saio 1h30 antes....mas com check-in feito!

    • Pois é. Não fazer o check-in antes foi burrice. Se tivesse, como um cara que chegou praticamente junto comigo, teria dado tempo.

      Abraço e obrigado pelo comentário, Denise.

  • O primeiro vôo perdido a pessoa realmente nunca esqueçe e aprende a lição com o perrengue. No meu caso eu fui a uma festa na noite que antecedia a minha viagem de BSB para Natal que seria às 8h da manhã, como vc já deve está imaginando, bebi horrores na festa e fiquei com uma ressaca FDP, resultado: perdi o vôo! Vim ressuscitar umas 11h da matina com uma baita dor de kbça e ainda bêbada kkkk. Tive que comprar outra passagem e vim na ressaca braba com a cabeça rodando e enjoando a viagem inteira! Depois dessa aprendi a lição de nunca mais ir para nada na noite que antecede a viagem e sim descansar! Bjos

    • O ressaca deve ter sido horrível, Francimillyan. Mas a gente sempre aprende com os erros.

      Abraço e obrigado pelo comentário.

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Rafael Sette Câmara

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