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Antropologia Visual: olhar para o diferente e enxergar o semelhante

“Eles pedem dinheiro porque assim os turistas pensam duas vezes antes de tirar fotos. Se eles decidirem tirar mesmo assim, pelo menos nós ganhamos alguma coisa”, explicou a senhora de origem indígena numa casa a 5 mil metros de altitude, no interior do Peru. Ela se refere a uma situação comum. Em várias cidades do país, indígenas com roupas típicas, coloridas, às vezes acompanhados de alpacas, posam para fotos em troca de alguns soles. Ouvir a fala da mulher andina fez Ana Caroline de Lima, do Antropologia Visual, refletir.

Jornalista por formação, Ana se apaixonou pela fotografia e encontrou na antropologia uma maneira de aprofundar sua relação com as imagens. E, mais do que isso, com as pessoas que aparecem nelas. Surgiu, então, o Antropologia Visual, um projeto fotográfico que aborda a diversidade cultural e as histórias pessoais de personagens que Ana encontra mundo afora. Os encontros não são casuais. Cada foto tem um propósito, cada pessoa retratada tem um nome. Além das imagens e textos disponíveis no Antropologia Visual, Ana Caroline também ministra workshops semestrais de como fotografar pessoas que não são modelos.

Mais do que divulgar imagens lindas de pessoas e lugares, o projeto propõe uma reflexão: o mundo tem 7 bilhões de seres humanos diferentes, mas, no fundo, é todo mundo meio parecido.

 

 

Ana explica: há vários séculos, as ciências sociais (e a própria sociedade) tratam as culturas dominantes como “normais” e as outras, dominadas, colonizadas ou às vezes isoladas, como “exóticas” (isso quando não são consideradas “selvagens”). E, a partir dessa noção preconceituosa, surge também a ideia de que é normal apontar câmeras para a cara de uma pessoa que nem sabemos o nome, como se ela fosse parte da paisagem, como uma atração turística.

Mas quando caímos no mundo e vamos conhecer, de fato, outras culturas, percebemos que não há um jeito certo ou errado de viver, e que aqueles que consideramos “selvagens” podem estar vivendo com mais harmonia do que nós.

Após muitos anos na estrada trabalhando com antropologia, documentando as vidas das pessoas em lugares como os vilarejos Black H’mong, onde vive uma minoria étnica vietnamita, ou o deserto do Rajastão, na Índia, Ana Caroline percebeu que fronteiras não fazem sentido. Por mais diferentes umas das outras que as culturas sejam, as inquietações individuais das pessoas são semelhantes. E é esse o ponto: se nos identificássemos mais com a indígena com roupas coloridas, essa história de tirar foto em troca de dinheiro nem existiria.

Fotografia é um instrumento poderosíssimo. A mesma câmera que registra o rosto sorridente de uma mulher-girafa na Tailândia, ignorando suas dores, pode também denunciar a situação daquele grupo. A diferença é o que acontece antes do clique.

Para Ana Caroline, a maior parte dos viajantes não compreende bem o conceito de cultura e, por isso, muitos não dedicam nem cinco minutos a conversar com as pessoas que habitam os lugares que eles visitam. Isso demonstra que as pessoas, em geral, não têm mesmo o menor interesse em conhecer os outros, e não se dão a oportunidade de descobrir as semelhanças que nem imaginavam.

Depois de passar o dia conversando com a senhora andina e pensando no poder de sua câmera, Ana Caroline questionou se, ao fotografar aquela mulher, não estaria fazendo o mesmo que os turistas da Plaza de Armas de Cusco. A moça sorriu e respondeu: “você está aqui, você falou comigo, e eu sei por que você está tirando essa foto”.

Conheça o projeto Antropologia Visual no Instagram ou pelo site.

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Otávio Cohen

Cresci lendo muitos livros e assistindo a muitos filmes. Deu nisso: hoje vivo de contar histórias. Por coincidência, algumas das melhores acontecem longe de casa. Por isso, de vez em quando, supero o medo de avião e a saudade do meu cachorro para ir em busca de uma nova história.

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  • Gostei bastante da matéria. Texto limpo e esclarecedor.
    Desejo que você continue produzindo coisas boas como essa.

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Otávio Cohen
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