Domingo na Paulista: como o projeto Ruas Abertas mudou a cara da avenida

São Paulo não tem praia. Tem parques, é verdade: 113 deles, e quem os frequenta sabe que vivem cheios. São Paulo também tem centenas de praças, algumas célebres como a do Pôr do Sol, na Zona Oeste, e reservas naturais, como o Horto Florestal, na Zona Norte, e o Jardim Botânico, na Zona Sul.

Mas desde 2016 o espaço público de lazer mais disputado da cidade é a Avenida Paulista. Aberta para pedestres entre 10h e 19h, a avenida recebe cerca de 100 mil visitantes a cada domingo e hoje tenta se organizar para lidar melhor com a quantidade de gente.

O sucesso é tanto que a Paulista acaba ofuscando o programa completo: batizado Ruas Abertas, o projeto foi tornado lei municipal durante a gestão de Fernando Haddad e a princípio envolvia todas as 32 Sub-Prefeituras da cidade na transformação de 28 vias de todas as regiões em rotas de lazer abertas à população aos domingos. A Medeiros de Albuquerque, na Vila Madalena, é uma dessas ruas.

Foto: Shutterstock, por Will Rodrigues

Nem tudo são flores

Quem passa pela Paulista num domingo hoje encontra apresentações de bandas e artistas solo, academias promovendo eventos de ginástica, encontros de religiões diversas, gente fazendo hipnose, a tradicional feira de antiguidades do vão do MASP, a feira na frente do Trianon, shows no palco do vão da FIESP e muitos, muitos ambulantes vendendo de gravuras enquadradas a esculturas de metal, de livros usados à roupas penduradas em araras, de café a corote.

Se isso é democrático e renova a cara da cidade, também tem sido problemático. Em reportagem do Estado de São Paulo em junho desse ano, a Sociedade de Amigos e Moradores do Bairro de Cerqueira César pretende apresentar proposta para mudar a experiência para o Vale do Anhangabaú. Segundo a Presidente da associação, “o mínimo que se espera é que alguém coloque ordem.” A principal crítica é em relação à ocupação do espaço por bandas e, realmente, a Paulista parece cada vez mais um Lollapalooza onde cada centímetro de calçada e decibel dos seus ouvidos são disputados bravamente. Há relatos de bandas se apresentando na frente dos hospitais e até fechando garagem de prédios – vale lembrar que mesmo aos domingos a circulação de veículos é liberada para moradores e ambulâncias.

Foto: Shutterstock, Por Ariadne Barroso

Já a presidente do comitê gestor da Paulista Aberta Raphaela Galletti, que é moradora da Paulista há 30 anos, defende que o programa “foi implantado de forma súbita, sem muito planejamento e focado somente na abertura da via para os pedestres” e que precisa de atenção para questões surgidas nesses três de atividade. Mas lembra que existe um conceito de ocupação do espaço público que não pode ser ignorado. O Comitê Gestor da Paulista Aberta é um colegiado formado por moradores da área, representantes da Prefeitura Regional da Sé, da CET e do Conselho Participativo.

Todo dia pode ser domingo

A Paulista Aberta é facilitada pelas muitas opções de lazer e também de transporte: a Paulista é atravessada por três estações da linha verde do metrô, mais uma da linha amarela (na Consolação) e uma da linha azul (no Paraíso), é rota de dezenas de linhas de ônibus municipais e intermunicipais e ainda recebe bem bicicletas.

Mas nem só de domingos vive o pedestre na avenida. Palco de protestos de todas as facções, o vão do MASP é ponto de encontro de jovens a cada fim de tarde e noite adentro, aproveitando a vista por cima da Avenida Nove de Julho, como tinha previsto a arquiteta Lina Bo Bardi.

Foto: Shutterstock, Por Filipe Frazao

Quem caminha pela avenida com frequência nota padrões, como a calçada larga na frente da agência da Caixa Econômica Federal onde skatistas derrapam diariamente, as bandas na frente do Center 3 e os jovens uniformizados pedindo assinaturas para instituições na frente do shopping Cidade São Paulo.

A avenida também é ponto de encontro para quem vai tomar uma cerveja no fim do expediente em uma das diversas “prainhas”, ou mesas de botecos espalhadas pelas calçadas, em especial na proximidade do prédio da Gazeta. A escadaria da Gazeta, aliás, é outro ponto movimentado e que agora ganhou um café para chamar de seu, batizado Lina.

Tem a ver com a geografia da Paulista: plana e relativamente curta (2,8 quilômetros) a avenida tem calçadas largas por onde é fácil andar (menos fácil em horários de pico, claro) e tem vários lugares de fácil reconhecimento para usar como referência — pense em “então a gente se encontra às cinco na frente da Casa das Rosas.” Mais que isso, a Paulista sempre tem alguma coisa para descobrir, seja a fachada do Hospital Santa Catarina ou a vitrine da Martins Fontes. Eu mesma, que moro aqui há anos, demorei para notar que o espaço verde na esquina da Ministro Rocha Azevedo com a Paulista, lado Jardins, é o Parque Mario Covas, usado pelas pessoas para dar um tempo do barulho da avenida, falar ao telefone ou marcar um date. Só notei isso num dia em que estava passando a pé.

Como planejar o seu domingo na Paulista

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Gaia Passarelli

Gaía Passarelli, 42, tem longa careira no jornalismo cultural brasileiro, foi apresentadora de televisão e hoje escreve para diversas publicações. Tem no currículo trabalhos para companhias internacionais como Avianca, Eurail e Intercontinental Group. Seu livro de crônicas de viagem "Mas Você Vai Sozinha?” foi lançado pela Globo Livros em 2016. Acompanhe pelo Instagram em @gaiapassarelli

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Gaia Passarelli

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