6 maneiras de ser trouxa no Japão: dicas práticas do que não fazer

Na minha curta experiência com viagens, notei que há dois tipos de perrengues. Existem aqueles que acontecem por culpa dos outros: um funcionário incompetente na linha aérea, um taxista golpista, um mochileiro que toca o terror no quarto. Mas os piores são os que rolam por culpa exclusivamente nossa, porque aí, além de lidar com o problema, precisamos também achar sozinhos a solução. Ou sentar e chorar, dependendo da situação.

Minha viagem para o Japão foi a realização de um sonho antigo. Voltei para o Brasil com algumas coisas na mala: muitos snacks japoneses, um pequeno rombo no orçamento, a certeza de que um dia voltaria e lições sobre planejamento de viagem inspiradas em erros que cometi pelo caminho. É aquela velha história, né? Achei que não ia ser trouxa. Fui trouxa.

Esqueça o calendário

Não foi o idioma, não foi o jeito diferentão dos japoneses, não foi a comida estranha. A primeira vez que o Japão me fez de trouxa rolou quando eu ainda estava no avião, cruzando o Oceano Pacífico. Veja bem: eu saí do Brasil no dia 6 de setembro, passei algumas horas no México e segui para Tóquio, com uma reserva de hotel para a noite do dia 8 – seria minha única noite numa cama grande em quarto privativo, para enfrentar o jet lag.

Até que, contando os minutos para a aterrissagem, comecei a preparar meus documentos para passar pela alfândega e pegar meu pocket Wi-Fi – também reservado para o dia 8 – na agência dos correios no aeroporto de Narita. Meu relógio do celular ainda estava com o horário do México, então fui conferir a hora local em Tóquio na TV de bordo. Aí reparei que tinha uma coisa errada. No Japão, já era dia 9 de setembro.

Ok, não foi o Japão que me fez de trouxa nesse caso. Eu sempre fui bom em geografia, mas essa coisa dos fusos horários sempre me confundiram um pouco. Aos quase 30 anos de idade, até hoje eu não sei se a gente tem que adiantar ou atrasar o relógio quando chega o horário de verão. Eu fiquei tão empolgado com a viagem que esqueci que perderia um dia de vida indo.

Isso porque existe um negocinho chamado Linha Internacional de Data. Tá lá na descrição: “ao cruzar a linha de oeste (direção do pôr do sol) para leste (direção da nascente) atrasa-se um dia e, ao passar de leste para oeste, adianta-se um dia no calendário”. A gente só lembra disso no dia 31 de dezembro, quando a moça do jornal fala que já é Ano-Novo em sei lá qual ilha no meio do oceano. Pois bem, Renata Vasconcellos, deixei passar esse detalhe.

Lá no alto, sobre o Pacífico, iluminado por um nascer do Sol que durou horas, eu ri da minha própria trouxice. Eu tinha acabado de passar por um terremoto no México, por uma viagem longa de avião (morro de medo de voar), e chegaria no Japão sob a ameaça de mísseis norte-coreanos. Não tava nem aí para o dinheiro que eu tinha perdido com um dia de hotel e de internet (o aluguel do modem era por quantidade de dias). Só queria pousar logo.

Economize, economize, economize

O dia que eu perdi no Japão fez uma certa diferença no meu orçamento. Eu levei o dinheiro contado para 17 dias, mas só passaria 16. Ou seja, fiquei um tiquinho mais rico. Mas isso acabou me embananando todo. Explico: quando você está num lugar novo, onde a moeda corrente é diferente, leva uns dias até você ter noção do que é caro e do que é barato. Tá bom, gente, vou parar de dizer “você” e de jogar para o leitor a responsabilidade. EU calculei muito mal meus gastos no Japão.

Fui pão duro demais nos primeiros dias, deixei de comprar coisas que eu queria por medo de que me faltasse grana nos dias finais. Aconteceu o oposto. Além de gastar menos do que a minha cota diária de pouco mais de 10 mil ienes, eu tinha feito umas compras no cartão de crédito. Aí, nos últimos dias, me vi com um dinheirão, sendo obrigado a gastar tudo rapidamente. No fim, foi até bom. Comprei coisas úteis (tipo uma mala que cabe na cabine) e presentes para meus sobrinhos, coisas que não teria conseguido. De todo jeito, fica a lição: confie no orçamento que você fez. Se você calculou 10 mil ienes por dia, gaste tranquilo e deixe o cartão de crédito para emergências – é para isso mesmo que ele deveria servir numa viagem assim.

Siga seu planejamento à risca

Para tirar o visto japonês, a gente precisa apresentar uma planilha com os detalhes do itinerário pelo país, incluindo os lugares onde vai se hospedar, com endereço e telefone. Por isso, vale a pena reservar tudo antes, para não ter problema no consulado. Durante a viagem, você pode cancelar suas reservas e modificar sua rota de acordo com o sopro do vento. Não foi meu caso, porque sou péssimo com improvisos.

Por apego à planilha, fui parar em Shirakawa-go, uma vila muito linda aos pés dos Alpes Japoneses. Dá para ver a vila toda em algumas horas, como daytrip a partir de Takayama ou Kanazawa.  Mas eu, me achando o próprio desbravador diferentão, reservei um hostelzinho para ficar por lá à noite.

Nessa foto nem dá pra ver o lugar onde eu me hospedei.

Errei rude. Enquanto eu esperava a van que me levaria para o hostel, vi a rodoviária ir se esvaziando e notei que, realmente, não fazia muito sentido dormir naquela cidade. Afinal, meu ônibus para o próximo destino sairia logo de manhãzinha.

O hostel que eu reservei – um lugar onde NINGUÉM falava inglês – era caro. Paguei, por uma diária, quase o dobro do que vale uma noite num hostel infinitamente superior em Hiroshima, por exemplo. E era bem longe do centro da cidade. Não que fizesse diferença, porque, perto ou longe do centro, simplesmente não há o que fazer por lá depois que escurece.

Quando quis comer, me disseram que havia UM restaurante e UMA loja de conveniência a uns dez minutos de distância. E só era possível chegar lá a pé. Por uma rodovia. Sem iluminação. Ou seja.

Lá fui eu caminhar pela estrada afora bem sozinho no escuro. Aí lembrei que o Japão tem uma grande tradição em criar histórias de terror sobrenaturais e fiquei um pouco mais tenso. Cheguei na lojinha, comprei uma comida e um vinho para me ajudar a dormir e fui embora. Errei o caminho e só percebi quando estava andando há quase meia hora numa estrada completamente deserta.

O que me salvou foi compartilhar minha aventura pelo Instagram e retomar meu rumo com a ajudinha do GoogleMaps. Pelo menos eu tinha internet.

Mas não por muito tempo.

Ignore manuais de instrução

Ter um pocket Wi-Fi aprimorou muito minha experiência no Japão. Com a internet no celular, em nenhum momento me senti perdido ou inseguro. Consegui traduzir cardápios e encontrar lugares sem dificuldade. Pelos 17 dias que eu passaria no país (que, na verdade, foram 16 hihihi), paguei pouco mais de 10 mil ienes. Convertendo, arredondando, descontando, é tipo uns 300 reais. Achei até justo.

O plano que fiz pela E-Connect era ótimo. Tinha boa velocidade e transmissão de dados “ilimitada”. Coloco essas aspas porque nada no mundo que diz que é ilimitado de fato é. Nas letras miúdas do contrato e do manual, dizia que eu tinha até 1 giga por dia de contratação. 17 gigas de internet parecem muito ok para quem só precisa de GoogleMaps, Instagram, Whatsapp e outros aplicativos corriqueiros, né? Acontece que eu resolvi assistir séries da Netflix pelo celular.

A serenidade no olhar de quem não pode nem mais entrar no Tinder em Tóquio…

A cada trem-bala que eu pegava, lá se iam dois, três, cinco episódios de Bojack Horseman. Obviamente, teve uma hora que a internet ilimitada chegou ao limite. Tive que esperar chegar ao Brasil para saber o que tinha acontecido com Beatrice Horseman, e passei os dois últimos dias da viagem dependendo da bondade do Wi-Fi das ruas de Tóquio (que, sinceramente, não achei lá essas coisas). E minhas últimas viagens de trem foram bem mais sem graça.

Porém, não foram completamente desprovidas de emoção.

Perca o bilhete de metrô

O sistema ferroviário do Japão é uma coisa linda de Buda. O metrô subterrâneo é conectado com os trens de superfície, que dão nos trem-bala, que se ligam aos monorails. Enfim, é tudo o que o metrô de São Paulo queria ser quando crescer. É meio complexo entender como funcionam as grandes estações – elas são gigantescas mesmo, tipo enormes shopping centers com 70 plataformas. Mas, no terceiro dia, eu já estava craque, dando dicas para outros turistas.

Eu tinha um JR Pass, um vale (caríssimo) que dá acesso à maior parte dos meios de transporte operados pela empresa JR e suas parceiras. Para as linhas “normais” do metrô, eu comprei um SUICA Card, tipo um bilhete único.

Quando não dava pra usar um, era só usar o outro.

Isso até meu SUICA resolver parar de funcionar. Ahá! Taí um perrengue que aconteceu por culpa do destino e não entra na minha conta. O problema é que, sem o SUICA, eu perdi completamente a noção de como lidar com o metrô.

Um resumo pra vocês entenderem melhor. No Japão, o valor do metrô depende de quantas estações você vai andar. Você tem que colocar o bilhete na máquina na entrada E na saída, para o sistema conferir se você pagou direitinho por aquela distância. Nas estações em que passam várias linhas, por exemplo, você precisa comprar o bilhete certo, no valor certo.

Pense nas estações Paulista e Consolação em São Paulo. Elas são interligadas no subterrâneo, mas cada uma dá acesso a uma linha (amarela e verde). Mas, em São Paulo, o bilhete que você compra para a linha amarela funciona na linha verde. Lá no Japão, não é assim.

No dia em que eu perdi o SUICA, comprei bilhete errado três vezes, porque nunca conseguia acertar na máquina de autoatendimento. No dia de ir embora, também comprei errado o passe para o aeroporto. Fiquei uma hora esperando um trem específico passar. Depois, descobri que eu poderia ter pegado qualquer um. Haja moedas!

Quer dizer…

Livre-se todas as suas moedas

É um saco caminhar e sentir aquele tintilar chato pesando no seu bolso. Por isso, talvez você caia na tentação de dar todas as suas moedinhas para fazer uma compra grande. Você vai sair da loja se achando o espertão. Aí, vai sentir o calorão do verão japonês e avistar uma vending machine com sua bebida preferida. Então, descobrirá que não adianta pagar com notas ou com moedas de valor alto.

Lá no Japão, toda vez que você vai pagar uma conta, a pessoa do caixa vai colocar no balcão uma bandejinha para você depositar as moedas. A nota de valor mais baixo é a de 1000 ienes. Algo como 30 reais. TODAS as outras coisas mais baratas do que isso é melhor pagar com moeda mesmo. Você precisará ter sempre no bolso moedas diversas, porque algumas máquinas de autoatendimento não liberam troco. Se um armário de estação custa 500 ienes, ele talvez nem aceite 5 moedas de 100. Tem que ter a de 500 mesmo. Não adianta apelar para o jeitinho brasileiro. O moço da loja não vai te ajudar se você não consumir nada lá. O trocador do ônibus não vai aceitar sua nota alta para pagar um viagem baratinha.

Tenha sempre moedas no bolso. Você vai precisar delas.

Foi isso que me fez torrar uma nota de 2000 num chá com bolo que custavam uns 700 só para ter uma moedinha de 200 para pegar ônibus para ir até o mirante onde tirei uma das fotos que ilustra este post. E, na hora de voltar, eu só tinha os 100 restantes! Voltei a pé mesmo, 40 minutos sob o sol do meio dia. Nada muito grave, mas algo que poderia ter sido facilmente evitado com um pouquinho de planejamento.

Ainda tenho muito o que aprender. Mas sei que nem os viajantes profissionais estão livres dessas armadilhas do destino. Passar por mini-perrengues no Japão me ensinou a ter mais desenvoltura (inclusive melhorei bastante minha capacidade de fazer mímica hehe) e de rir das pequenas desgraças que aconteceram pelo caminho. Por sorte, não passei nenhum aperto, e ainda consegui recuperar meu dia perdido na viagem de volta.

Atenção: Não recomendamos que você vá para o Japão sem um seguro de viagem. Veja aqui como garantir um seguro com boa cobertura (e cupom de desconto)

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Otávio Cohen

Cresci lendo muitos livros e assistindo a muitos filmes. Deu nisso: hoje vivo de contar histórias. Por coincidência, algumas das melhores acontecem longe de casa. Por isso, de vez em quando, supero o medo de avião e a saudade do meu cachorro para ir em busca de uma nova história.

Ver Comentários

    • Oi, Nat! Provavelmente trocam sim. Mas, imagine você, chegando numa estação com mochila pesada nas costas, doida para deixar num locker para aproveitar o resto do dia na cidade. Nessa hora, nem passa pela cabeça procurar um banco, enfrentar fila e ainda ter que se comunicar de forma eficiente com um atendente só para ter moedinhas hehe.

      Eu me referia a situações corriqueiras do dia a dia, em que você precisa do dinheiro naquele exato momento. Com um pouquinho mais de planejamento, isso deixa de ser um problema :)

      • O comércio sempre tem troco, não importa quanto você gastou. Nunca vão pedir um valor a mais para arredondar o troco, nunca vão dar troco em balinhas nem dar troco a menos como é no Brasil que não cunha mais moeda de 1 centavo e as de 5 centavos são raras e o lojista sempre te rouba valores abaixo de 10 centavos no troco.

        • É verdade, Danilo! Mas só se você consumir algo. Pelo menos na minha experiência, tentei trocar uma nota por moedas sem comprar nada para poder ter dinheiro pra vending machine e não consegui. Mas isso deve depender muito do estabelecimento, né?

  • Otavio,adorei suas aventuras no outro lado do mundo.é preciso muita coragem para visitar um mundo inverso ao nosso(principalmente sozinho)
    Temos muito orgulho de ter vc como nosso filho.

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Otávio Cohen

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