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Por que tirar um ano sabático

Você vai achar um monte de dicas na internet sobre como tirar um ano sabático. Eu procurei algumas antes de escrever este post e me deparei com textos que diferenciavam um período sabático bem planejado de uma fuga de responsabilidades. Não consigo imaginar uma a incoerência maior do que essa frase. Já explico o motivo.

Afinal, o que é um ano sabático?

Em 2010, eu tinha um ano de formada e uma vontade muito grande de passar um tempo fora do Brasil. Queria conhecer novas culturas, dar um tempo na minha profissão e na forma como minha vida estava. Para isso, comecei a pesquisar opções de trabalho no exterior. Histórias como a minha são normais. A verdade é que eu nunca conheci uma pessoa que estivesse plenamente satisfeita com a rotina e o trabalho. Nunca mesmo.  É que nossa lógica de trabalho de 9 às 18h, mais horas extras, mais cobranças, mais falta de tempo para tudo, é massacrante. É muito difícil ser feliz assim.

Uma forma de solucionar isso pode ser o ano sabático. O termo é de origem judaíca e significa “dia do descanso”. Além do sétimo dia da semana, reservado para o descanso, a cada ciclo de sete anos os judeus ficavam um ano inteiro sem trabalhar. Esse ano sábatico servia para que a terra pudesse descansar depois de seis anos de colheita ininterrupta. Todo mundo estava liberado das responsabilidades: até mesmo as dívidas eram perdoadas.

A sociedade incorporou esse termo e hoje é até comum que profissionais tirem um ano (ou mais, ou menos) para executar projetos pessoais, se distanciar da rotina e repensar vidas e carreiras. Nem todo mundo quer isso. Nem todo mundo sabe que precisa disso.

Então, por que tirar um período sabático?

Vamos voltar a questão do começo do texto: historicamente, a ideia do sabático vem com uma lógica de afrouxamento de responsabilidades. O objetivo é que, após um ano de descanso, tanto o solo esteja melhor para ser cultivado, quanto as pessoas estejam mais dispostas a fazê-lo. Por isso, acho estranho que um profissional de RH questione quem tira um sabático como fuga de responsabilidades, como se isso foi algo ruim.

Tirar um ano de folga da sua vida não significa necessariamente estar de folga. Mas se a ideia é que você descanse a cabeça e repense sua vida, qual a lógica de planejar tão meticulosamente seus dias de descanso?

Não, não estou dizendo que você tem que largar tudo sem pensar. Cada um pode ter um motivo  (ou vários): um curso que queira fazer, trabalho voluntário, uma perspectiva internacional na sua área, ou claro, não querer fazer nada, só viajar. O mais importante disso tudo é manter a cabeça e as possibilidades abertas. Se você quer ter a oportunidade de repensar sua vida e se conhecer melhor, acredito que a melhor forma de começar a fazer isso é se abrindo à ideias que você rejeita ou nunca pensou antes.

Tirar um ano sabático não é fugir

Na primeira vez que fiz um intercâmbio, me dei conta de uma coisa que nunca tinha passado pela minha cabeça antes de me distanciar da minha vida no Brasil. Eu descobri que não tem como fugir dos seus problemas. Creio que 75% dos problemas estão dentro de você, você os cria a partir da forma como encara o mundo.

Você pode viajar o mundo inteiro ou se esconder num quarto escuro por semanas  – ainda assim não vai conseguir fugir de você mesmo. Mas você pode fazer uma coisa muito melhor do que isso, que é mudar. Eu tinha essa consciência quando resolvi ficar um ano fora. Mas mesmo com essa certeza, se eu ficasse no Brasil, no meu emprego igual, com meus problemas iguais, eu não ia conseguir mudar nunca.

Então, se você disser que vai largar o emprego para fazer um curso de ioga ou para estudar inglês e seu tio falar que você está querendo ser vagabundo, ou seu amigo disser que você só está querendo fugir, não dê ouvidos. Largar tudo, seja de forma temporária ou permanente, é uma escolha que demanda muita coragem e desprendimento pessoal. Quem decide fazer isso sabe dos riscos e desafios que estão envolvidos.

Mas como criar coragem?

Dinheiro é preciso, mas não uma fortuna. Aqui no blog temos alguns posts falando sobre como gastamos pouco no nosso intercâmbio e na viagem de volta ao mundo. O preço de um carro popular: 25 mil reais. Esse valor não paga o sonho e nem o nível de conforto de todo mundo, mas bem, pagou o meu. O que eu quero mostrar é que às vezes, a primeira desculpa é o dinheiro, ou a falta dele. Só que não é necessário ter a fortuna que muitas vezes imaginamos para tirar um período sabático.

E o emprego? Você tem duas opções: pedir uma licença não remunerada no seu trabalho ou pedir demissão. Eu acho difícil alguém querer voltar para o mesmo trabalho depois de ficar um ano fora, mas pode ser que seu problema não seja determinada empresa, e sim outras coisas.  Se esse for o seu caso, a licença é uma boa opção.

Pedir demissão não é o fim do mundo. Quando você voltar, pode ter repensado toda a sua vida e a forma como quer ganhar dinheiro para sobreviver. Você pode querer abrir um negócio próprio ou investir numa carreira diferente. Ou você pode querer se recolocar no mercado. Nesse caso, você tem todo um ano de experiências e ideias acumuladas para colocar no currículo, ideias que servirão de assunto na hora de conversar com entrevistadores.

Por fim, você pode pensar: mas e minha casa, minha família e meus amigos? Esse pode ser um verdadeiro impedimento para muitas pessoas. Tem gente que consegue praticar o desapego e matar as saudades via skype. Tem gente que planeja a viagem incluindo a família, o cônjuge ou até mesmo os filhos. Eu vi famílias dando a volta ao mundo, por isso não acho que seja impossível e nem muito difícil. Vai requerer mais planejamento e dinheiro, óbvio.

É claro que existem muitas pessoas que nunca vão poder se dar ao luxo de largar tudo. Gente que tem responsabilidades muito sérias, precisa sustentar outros ou simplesmente não tem como juntar dinheiro. Entendo sim, que um ano sabático, caro ou barato, é um luxo que nem todos podem ter na vida. O que quis mostrar aqui é que ele pode estar mais ao alcance das pessoas do que elas pensam – e que você não precisa ser milionário ou completamente louco para conseguir isso.

E como é a volta pra casa?

Eu nunca tinha pensado em ir para a Índia. Sempre sonhei em dar a volta ao mundo, mas nunca tinha movido um dedo para saber se era ou não possível. E eu acabei fazendo essas duas coisas no meu ano sabático. Eu voltei para o Brasil, mudei de cidade, experimentei algumas coisas que descobri gostar, outros caminhos que quero seguir. Hoje eu me conheço muito melhor e entendo melhor o que quero, gosto e acredito. Aprendi tantas coisas interessantes, vi tantos lugares bonitos e conheci tantas pessoas legais quanto podia.

Hoje sou mais aberta a mudanças e mais insatisfeita com a rotina e com o estresse. Eu repensei minha história, aceitei minhas escolhas e me sinto mais pronta para as decisões que tenho que fazer no futuro. Mas ainda não sou completa, ainda quero fazer muitas jornadas para me conhecer melhor. Desejo que todos possam fazer isso pelo menos uma vez. Largar tudo e seguir a vida um pouco mais leve. Nem que seja por um ano.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Olá, sou Giovanna, 21 anos. Tenho uma filha de um ano, estou casada e iniciando ciência política numa faculdade ead. Larguei minha faculdade integral, desisti dos sonhos de viajar o mundo, casei, tudo após descobrir a gravidez. Mas o bichinho de sair e desbravar o mundo não morreu, e depois de ler o 360 meridianos por acaso, comecei a planejar os cortes no orçamento pra juntar grana e tirar um ano sabático com minha filha,isso quando eu me formar, em dois anos! Gostaria de saber se você tem links de mães que viajam o mundo com o filho, pra eu ler relatos mais próximos da minha realidade.
    Minha vontade de viajar agora é maior, não só por mim, mas pra dar a oportunidade da minha filha crescer em culturas diferentes, valores diferentes..
    Grata!

  • Olá Luíza!

    Estou pronto para tirar meu "ano sabático". Vão ser 7 meses estudando, sem me preocupar tanto com as obrigações do dia-dia, porém creio que será um preparo para algo maior e melhor.

    Alguma sugestões de como conhecer pessoas novas?

  • Luiíza, muito legal compartilhar sua experiencia!

    No seu caso, pelo que entendi, você fala outro idioma.

    E no caso de fala somente o português?

    Sabe de alguém que já deu a volta ao mundo somente falando em português?

    • Oi Paula,

      Eu falo inglês também. Eu não acho impossível dar uma volta ao mundo sem falar outro idioma, mas imagino que vai ser muito difícil e estressante.

      Minha sugestão é que você se matricule num cursinho de inglês desde já, ou pelo menos comece a estudar pela internet, tem um milhão de sites e aplicativos.

      Porque em poucos meses você já ganha umas noções básicas que vão te ajudar muito.

  • Olá Luiza. Fiz uma busca no google por trabalho voluntário no exterior, e acabei encontrando seu site. Daí, vi o texto sobre ano sabático. Mas, pra eu e minha esposa, o que vai pegar é a distância dos amigos, e da família mais da parte dela. Mas, adoramos viajar, conhecer culturas, e preciso repensar minha vida profissional e o que quero pra minha vida.
    Seu texto me trouxe reflexões.
    obrigado.

    Tudo de bom!

    Rogério

    • Fico feliz em ter ajudado Rogério. A distância dos amigos e família é realmente uma das partes mais difíceis. Mas hoje em dia, com tantas formas de comunicação, dá para controlar a saudade por um tempo.

      Abraço

  • Oi Luiza! Parabéns pelo texto!
    Eu tirei meu ano sabático aos 32 anos e posso dizer que foi a melhor experiencia que tive em minha vida! Viajei para alguns países num trabalho voluntário. Amadureci muito e nunca mais fui a mesma pessoa. Aprendi muito e super indico pra todos! Estou completando 40 esse ano e já quero um outro ano sabático! :) Bjos

    • Bom dia Priscilla, poderia me contar mais sobre como foi sua viagem?! Meu interesse é o mesmo de fazer trabalhos voluntario, mas queria contato com alguém que já o fez para trocar ideias. Aguardo retorno...

      Giliandra

    • O problema dos sabáticos é que sempre queremos mais. Mas acho que isso não é um problema, na realidade, rsrs

  • Parabéns, obrigado, excelente texto.

    Enfim alguém que explicou o que é, sem bagunçar a cabeça dos mortais, o que é um ano sabático:

    "O termo é de origem judaíca e significa “dia do descanso”. Além do sétimo dia da semana, reservado para o descanso, a cada ciclo de sete anos os judeus ficavam um ano inteiro sem trabalhar. Esse ano sábatico servia para que a terra pudesse descansar depois de seis anos de colheita ininterrupta. Todo mundo estava liberado das responsabilidades: até mesmo as dívidas eram perdoadas.".

    Daí é só aplicar aos nossos dias de forma

    "Tirar um ano de folga da sua vida não significa necessariamente estar de folga. Mas se a ideia é que você descanse a cabeça e repense sua vida"

  • Luiza, obrigado pelo post. Foi uma amiga quem o encontrou e achei incrível. Acho que mesmo quem sustenta famílias, tem responsabilidades, consegue sim (eu acredito que conseguirei). Será um pouco mais difícil e demorado, mas é possível. Tudo já parece um pouco mais difícil para quem faz isso desde novo...
    Gostei da sua meta, e parabéns pelo feito! Motivou-me a ir atrás do que quero, autoconhecimento.
    Abs! Marcio.

    • Oi Márcio, torço de verdade para que você consiga realizar seu sonho. Sim, é difícil, mas não é impossível, basta se planejar!

      Abraço

      • Luiza tenho notado que o termo ano sabático tem sido usado com muita frequência por vocês nos 360, e lendo este texto com a descrição consegui perceber que é justamente isso o que eu sempre quis fazer só não sabia que existia o termo para definir. Então, eu sou funcionário de uma multimacional e exerço um cargo de liderança. Acontece que eu tenho percebido que embora eu seja apaixonado pelo meu trabalho eu não estou 100%, sinto que eu preciso "dar um tempo" pra me conhecer melhor, me auto desafiar, me colocar em novas situações... Não sei se você consegue me entender mais estou precisando de algumas sugestões do que eu posso ou precise fazer para ter o meu ano sabático. Sou completamente apaixonado por viagens e tudo o que eu mais queria na vida era poder viver conhecendo o mundo.
        Obrigado pelo excelente texto, foi muito enriquecedor pra mim.

        Carlos Eduardo

  • Legal esse blog, acho que preciso fazer isso, já fui casado e não deu certo agora estou casado e está indo por água abaixo tenho uma empresa a 8 anos e já não tenho mais animo em ficar na empresa.

    • Oi Roa,

      Pode ser uma opção para você repensar sua vida. Mas, como eu disse no post, não se esqueça que os problemas não vão embora só porque vc partiu por um tempo.

      abs

  • Oi Luiza, adorei o seu texto. Ele reflete exatamente o sentimento que me motiva a tirar um período sabático. Ainda não sei para onde vou e nem quanto tempo ficarei. Mas o que busco é voltar pra dentro e descobrir o mundo que existe aí fora. Meus pais estão me apoiando muito nessa ideia, o que já trás um grande conforto. Hoje trabalho mais de 8 horas por dia sentada na frente de um computador, o que me incomoda muito. Bem, planejo tirar meu período sabático no próximo ano! Gratidão pelo maravilhoso texto! Boa sorte na sua jornada!

    BjS

    • Muito obrigada por comentar Mariana! Fico feliz em ter te inspirado de alguma forma e torço para que dê tudo certo na sua jornada! Não deixe de voltar aqui no blog para contar seus planos!

      bjs

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Luiza Antunes

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