A relação do brasileiro com os espaços públicos

O piquenique tinha vinho, variedades de queijo, salame e um pôr do sol lindo em Florença. “Se eu morasse na Europa, ia fazer isso sempre”, todos concordaram. Sentar em uma praça com os amigos e apreciar o fim do dia era qualidade de vida. Ficamos alguns minutos em silêncio, até que alguém soltou a pergunta que estava gritando no fundo de nossas mentes: “Mas por que mesmo nós não fazemos isso no Brasil?”.

Alguns dias antes, tínhamos passado por Paris. Uma tarde, resolvemos comprar cerveja e beber às margens do Sena. Perto de onde estávamos, havia uma pequena pracinha – pequena mesmo. Fomos até lá tentar encontrar uma sombra para sentar. Era impossível. No meio de uma quarta-feira à tarde, o lugar estava cheio de pessoas fazendo seus piqueniques, tocando violão e conversando com amigos. Tive aquela pontinha de inveja, de vontade de poder fazer aquilo mesmo quando estivesse em casa. Ao mesmo tempo, eu não conseguia explicar direito exatamente o porquê de eu não poder (ou não querer) sentar em uma praça no Brasil. Alguns vão dizer que os lugares são sujos, feios, destruídos e inseguros. Isso não é bem verdade. Assim como nem todos os lugares são um paraíso na Europa, temos lugares lindíssimos e que podem ser frequentados sem medo nas cidades brasileiras. Existe algo além nessa questão.

Faltam praças e parques nas grandes cidades

Eu cresci em Belo Horizonte, uma das maiores cidades brasileiras. Morei a vida inteira em um bairro não muito longe do centro. Não havia, para mim, nenhuma opção de espaço público perto de casa. Quando o pessoal do meu bairro queria fazer uma caminhada, eles faziam isso em torno da subestação de energia elétrica que fica no bairro. Deprimente, não? Mas isso não quer dizer que BH inteira seja desprovida de aéreas verdes. Afinal, ela já foi conhecida como cidade-jardim. A Praça da Liberdade é um dos lugares mais seguros de BH. Limpo, conservado e arborizado, é um lugar agradável e bonito, que chama a atenção de turistas. A Praça do Papa tem provavelmente a melhor vista da cidade. A Lagoa da Pampulha pode ter lá seus problemas com poluição, mas não deixa de ser um dos meus lugares favoritos de BH, a minha escolha quando quero fazer uma caminhada no fim de tarde – mas só é acessível de carro por mim e boa parte da população.  BH tem ótimos espaços públicos que são seguros e conservados, mas eles não são de fácil acesso para muitas das pessoas. Várias vezes ficam restritos ao uso de quem mora no entorno desses lugares.

Lagoa da Pampulha 

Quando me mudei para São Paulo, enfrentei o mesmo problema. Quando resolvíamos passar uma manhã de domingo em um dos parques, era preciso tirar o carro da garagem. Nem mesmo o metrô resolvia o problema da mobilidade, uma vez que eles não chegam a importantes espaços verdes, como o Ibirapuera e o Villa-Lobos.

Fazemos parte de uma cultura onde o espaço público não é de todos

Apesar da ausência de espaços públicos de convivência ser um fator limitante, essa não é a única razão pela qual os brasileiros não usam as ruas, praças e parques da mesma forma que os europeus. No Velho Continente, basta uma escadaria, um pedacinho de grama ou um banco no meio da rua para que as pessoas se reúnam. No Brasil, somos incentivados a não tomar esse tipo de espaço para nós. Eles ficam reduzidos a locais de passagem ou acabam se transformando em lugares degradados e redutos de violência e uso de drogas, o que acaba afastando ainda mais a população, numa espécie de círculo vicioso.

Qualquer belo-horizontino vai se lembrar do célebre caso da reinauguração da Praça Raul Soares. Localizada no centro da cidade, essa praça era um local intransitável na minha infância. Lembro-me claramente de ouvir meus pais dizerem para eu nunca passar por ali, porque o assalto era certo. Há alguns anos, a praça foi revitalizada – assim como todo o centro, que hoje é um lugar bem mais agradável. Como a praça ficou bonita e está localizada em um dos principais cartões postais da cidade, uma mulher que morava ali perto resolveu se apropriar do espaço logo após a reinauguração. De biquíni, sentou-se eu um dos bancos para tomar sol. Não durou muito: saiu de lá detida pela polícia ganhou capa nos jornais.

No ano seguinte, a prefeitura baixou uma lei que proibia a realização de “eventos de qualquer natureza”, independente do número de pessoas envolvidas, em outra praça ali perto, a da Estação. Como forma de se manifestar contra essa política, as pessoas começaram a se reunir ali nos finais de semana. A lei já caiu há dois anos, mas o evento, que recebeu o nome de “Praia da Estação” e envolve música, cerveja, biquíni e toalha, acontece até hoje.

Não fosse a lei que tentou tirar um direito do cidadão de ocupar os espaços públicos, acredito que a Praça ainda estaria subutilizada. Afinal, a política da prefeitura está inserida em uma cultura muito maior que diz que esses espaços não são feitos para o povo. São costumes e pensamentos que coíbem a ocupação das cidades brasileiras e geram uma sensação de falta de pertencimento ao espaço público. Muitas vezes, quando há uma tentativa de ocupação por parte de uma parcela da população, essas pessoas são logo taxadas de arruaceiras e farofeiras. Enquanto isso, na Holanda, os parques possuem churrasqueiras. Já na França todos os anos as margens do Sena são transformadas em praia.

Churrasquinho em Amsterdam

Quais os problemas disso e como mudar?

No momento, escrevo de um apartamento em Guarapari, no Espírito Santo. Estando há apenas um quarteirão da praia, eu uso o calçadão como pista de corrida todos os dias. Quando termino meu exercício, fico sentada por alguns minutos na areia enquanto tomo uma água de coco. Tudo isso antes de começar o expediente de trabalho do dia. Quem mora perto do mar tem essa vantagem.

Infelizmente, a praia – um espaço democrático e definitivamente ocupado pelo brasileiro – não é acessível para grande parte das pessoas. E mesmo aquelas que moram em cidades litorâneas, como o Rio de Janeiro, nem sempre têm fácil acesso a ela. Os dias que eu passei perto do mar foram marcados por uma qualidade de vida surpreendente. Ter a possibilidade de uma vida ao ar livre, de não precisar ficar enclausurado em uma academia para se exercitar, de poder passar alguns minutos fora das quatro paredes e de ter um espaço de lazer gratuito fazem um bem enorme para a saúde e felicidade. Sem falar que quando a população abandona um espaço, ele se torna um local degradado. Por outro lado, quando o lugar público é vivo, cheio de pessoas, a tendência é que se torne mais seguro e conservado.

Acho que está nas mãos da população exigir das prefeituras a construção e a manutenção desse tipo de espaço. Mais do que isso, está nas mão da população ocupá-los. Existe, evidentemente, um problema político e de planejamento urbano, mas isso não vai mudar a menos que haja uma mudança de cultura, da forma como a gente se apropria desses espaços. Precisamos tomar as cidades como nossas antes de exigir que as prefeituras as tratem como tal e não apenas como um lugar de trânsito – um espaço que serve de ligação entre as áreas privadas.

 

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones, no Youtube e em inglês no Yes, Summer!. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

Ver Comentários

  • Concordo com tudo dito por você. Infelizmente, onde eu moro não existem praças relaxantes e prazerosas, e não possuem movimento algum. Moro em uma cidade, que é até bem grande,e se localiza perto de BH. Amo locais com natureza (árvores, animais,grama), mais que a cidade, e, se eu pudesse, passaria meu tempo todo em locais assim, para fugir da triste realidade que é aqui.

  • Brasília é uma linda exceção ao seu texto! Somos uma cidade parque onde até os pilotis são áreas públicas. Uma delícia de lugar para viver e conviver. Há cerca de 8 anos a minha geração encampou a tarefa de retomar a vida nos espaços públicos por aqui e hoje o que vemos são fins de semana lotados de atração e gente nos parques, nas quadras, nos calçadões, no lago, onde quer que seja. Até meu aniversário esse ano foi um picnic no gramado do Eixão (a nossa principal avenida que fecha aos domingos para carros).
    Talvez por isso não sinta inveja da Europa nesse quesito, porque conviver ao ar livre é realmente uma das melhores coisas da vida, qualidade de vida!
    Vem passear por aqui :) um beijo.

    • Que legal saber isso de Brasília, Camila! Me dá até vontade de voltar (um dia eu volto) para ver isso melhor, pq fui há muito tempo. Desde que escrevi esse texto, tenho notado mais e mais movimento das pessoas para ocuparem os espaços públicos das capitais. Espero ver cada vez mais gente na rua.

      Abraços!

  • Natália, essa questão do uso do espaço público brasileiro é muito interessante. Eu passei bons anos da faculdade estudando sobre isso e tem uma hipótese que coloca que o espaço público brasileiro, na verdade, nunca existiu. A natureza do espaço público é reunir os diferentes, promover encontro e, no Brasil, o espaço público nasce como uma espécie de "resto de espaço" entre os engenhos. Assim, já no nascedouro, o espaço público brasileiro surge como o lugar do excluído, do "não familiar". Ora, se a Casa Grande era o lugar próprio da família e o engenho era montado de modo que ninguém precisasse sair dele para nada, o que restava era um interstício, o lugar próprio daqueles que não eram dignos do convívio da família patriarcal. Não à toa as pessoas de família (especialmente as mulheres) eram estimuladas a não sair de casa. As próprias Casas Grandes eram arquitetadas de modo que promovessem o máximo de privacidade à família. Por isso você tem essa sensação de que os espaços públicos aqui são como "espaços de passagem", são apenas caminho e não destino. Não à toa nós temos expressões pejorativas ligadas à rua (morador de rua, por exemplo). Na verdade, enfim, o que a gente precisa é perceber que o espaço da rua é um espaço de todos e que se encontrar com o diferente não é tão ruim assim. Ta aí, inclusive, um caminho para a solução da violência urbana. Pronto, fim da dissertação...hahaha
    Excelente texto!

    • Rodrigo, muito interessante sua contribuição! Nunca tinha pensado sobre isso e realmente faz muito sentido. Dá para ver os reflexos dessa organização social até hoje.

      Abraços

  • Realmente não temos essa cultura de pic nic (que em francês é até verbo). Mas eu e meus amigos fazemos sempre que possível. No Brasil há uma relação confusa entre Público x Privado (Raízes do Brasil). Precisamos deixar o paternalismo do Estado e ter mais proatividade e saber que esses espaços são nossos. É uma construção cultural, um processo.

  • Ei Natália.
    Os seus textos são ótimos!! Também sou de Beagá e participei do Praia desde o início.. o primeiro que teve foi poucos dias antes da minha viagem de intercâmbio para estudar em Portugal. Lembro que separei o dia por esta causa. Foi ótimo e ainda vou em quase todos.
    Sobre as praças e qualidade de vida ainda temos muito a aprender sim, mas tenho visto uma pequena mudança. Vejo pessoas fazendo picnic aqui em certas ocasiões, principalmente na Pç do Papa, e regado a vinho. Sobre esse assunto recomento o livro "Banquetes: expansões do doméstico" que conta algumas experiências de ocupação urbana: cinco almoços em locais diversos da cidade. Locais públicos como um praça, diante de uma igreja onde acontecia (por acaso) um casamento; ou uma esquina de bairro afastado onde um pequeno abatedouro de galinha ajudou na produção da refeição...
    Enfim parabéns e torça para que até meados de maio de 2017 seus textos me ajudem a dar um rolezinho de 10 meses pelo mundo.

    • Eu vejo um movimento muito bacana de ocupação da cidade crescendo em BH nos últimos anos. E, para mim, tudo começou com a Praia.

      Dica de livro anotada! Obrigada por comentar e espero que seus planos de viagem se realizem (e que a gente possa te ajudar a planejar tudo).

      Abraços!

  • Oi Natália,

    Moro em Sampa e percebo que muitas pessoas não conhecem a cidade porque simplesmente não andam a pé. Vivem somente dentro dos quadradinhos: casa/apto, carro, trabalho e quando saem, vão para mais um quadradinho, seja ele bar, shopping, cinema. Muitos não circulam mesmo, nem nos parques, nem nas ruas. Nunca andaram a pé na Paulista, nunca passearam no centro antigo. Isso é incrível. Por isso o abandono de muitos lugares. Uma pena! As pessoas precisam se apropriar mais dos espaços públicos das suas cidades.

    • Bom dia Natália.

      Moro em São Paulo capital. Eu adoro ser um explorador de lugares públicos bacanas para frequentar tanto para mim como para meu filho de 4 anos brincar. Eis que já descobri: próximo do metrô Tamanduateí, 3 parques dentro de 3 praças respectivas. Todos os dias pais levam crianças para brincar lá. Próximo a paulista uma incrível praça escondida, com poucas pessoas frequentando, cheia de brinquedos. Parque do Trianon, parque ecológico do Tietê, enfim tem muita coisa bacana e gratuita, de fácil acesso.

      O segredo é sair da zona de conforto e pesquisar lugares desse tipo. Meu filho adora e eu idem.

      Grande abraço,
      Chefferson Amaro

      • Verdade, Chefferson, o segredo é deixar a preguiça de lado e levantar a bunda do sofá para explorar a própria cidade. Obrigada pelas dicas de lugares legais em São Paulo.

        Abraços

    • Realmente, Marisa! Já morei em São Paulo e percebo que lá esse problema é crítico! Uma prova é a rejeição da população às medidas de corredor de ônibus e ciclovias que a prefeitura atual está tentando implementar.

      Abraços!

  • Olá Natália!
    Sou de Porto Alegre e aqui apesar da polícia nos tachar de desocupados e arruaceiros,temos ótimos exemplos de ocupação em locais públicos. Por Exemplo,nas terças tem um bar chamado Tutti,em que o pessoal se reúne ao redor para conversar e encontrar amigos,próximo dele tem uma ponte de pedra e tal,... Além disso,temos o largo Vivo,um evento q serve para ocupar o espaço próximo ao Mercado Público de Porto Alegre.Enfim,apesar de alguns locais estarem sendo privatizados,seguimos lutando pelo espaço que é do povo.
    PS: To buscando coragem pra cair na estrada com minha mochila. :)

    • Tô devendo uma visita a Porto Alegre, mas a impressão que eu tenho é que no sul os espaços são mais bem utilizados que nas capitais do sudeste...

      Abraços!

  • Adorei seu texto, Natália! Ótima reflexão!
    Estava conversando sobre isso com meu namorado outro dia. E de como as coisas ficam na nossa cabeça, sem querer. Por exemplo, eu moro no Rio, então para mim sempre foi muito clara essa divisão que "tomar sol é na praia" e o resto, como piqueniques, jogar uma bola, etc, acontecesse nos parques. Então, entendo que a estranheza dos policiais que prenderam a menina de biquíni era a mesma que a minha ao achar que "mas ué, biquíni não é só para praia/clube"? Embora, claro, isso é um pensamento que nasceu sabe-se lá se da força do hábito e não tem muito fundamento: parques são deliciosos para se pegar sol sim, ué.
    Mas eu posso fazer um adendo sobre a "farofa"? Eu confesso que adoro uma farofa e fazia várias quando estava lá fora (aqui eu confesso que não faço mais por falta de companhia e excesso de preguiça). Nada mais gostoso do que ir num mercado, comprar uma cesta de morangos, iogurte e biscoitinhos e ir comer no parque. :) Mas penso que parte da pinimba que se tem com a farofa aqui é porque ainda falta uma pouco de educação ambiental por parte de muita gente, que não recolhem seu próprio lixo, que não respeitam o espaço público (aquela velha coisa de que "o seu direito acaba quando começa o do outro"). Eu adorava fazer piqueniques na florestinha da Tijuca - várias vezes fui de carro até lá. E várias vezes vi gente usando as churrasqueiras da floresta para fazer sua brincadeira, nos espaços destinados para isso. E não em todas, mas em algumas vezes eu vi pessoas com o som altíssimo (gente, é uma floresta! Bora escutar os passarinhos, porque é por isso que a gente está aqui), e fazendo uma sujeirada danada, jogando as cinzas do resto do churrasco no cantinho da mata (!!!), essas coisas. Voltei lá depois de anos, e vi que o churrasco lá foi proibido (piquenique tudo bem), e me pergunto se essas proibições não aconteceram porque teve um motivo mais sério lá trás. Afinal, penso que às vezes a vida em sociedade tem mais ou menos a mesma dinâmica da nossa antiga sala de escola do primário: basta um aluno quebrar de propósito a cadeira da professora, que a turma inteira ficava de castigo.
    Claro, nem toda farofa é sujinha, mas infelizmente ainda vejo muito as pessoas quererem os direitos sem ter os deveres: querem levar suas próprias coisas para a praia (justíssimo), mas acham que a limpeza e a manutenção do espaço público não é compromisso delas - e o mesmo se aplica ao transporte público, à universidade, etc. Acho que, lentamente, a gente está melhorando sim, mas ainda falta uma caminhada boa pela frente...

    • Ei Clarissa! =)

      Concordo que falta educação ambiental e conscientização das pessoas para o uso desses espaços, mas penso que a solução não está em proibir, mas sim em fazer campanhas educativas sobre o tema, colocar lixeiras a cada poucos metros, e se for o caso, até aplicar pequenas multas para quem sujar ou degradar o lugar. Proibindo não dá para educar ninguém.

      Por outro lado, parece que muitas vezes as autoridades e até a sociedade assume que se deixar o povo usar vai resultar em porcaria, antes mesmo de acontecer qualquer problema. O resultado é que proíbe ou constrangem o uso do espaço de forma preventiva. Pra mim isso não faz sentido: é como comprar um brinquedo pra uma criança e não deixar ela tirar da caixa pra brincar, pq pode estragar, em vez de ensinar ter cuidado com as coisas.

      • Natália infelizmente o povo tem aquilo que merece ter. Simples assim!!! Essa questão de educação é uma coisa de raiz. E o brasileiro não é nada educado, considerando que tem as exceções, e pelo que vejo são poucas. Mas a sua postagem está muito legal e os comentários tbm.

        • Shirley, obrigada por comentar. Eu em geral não gosto dessas colocações de que "o brasileiro é isso" "o brasileiro é aquilo" porque elas são simplistas, conformistas e não apresentam nenhuma ajuda em direção a uma resolução do problema. Eu realmente não acredito que no Brasil nascemos com um gene que nos faz ser mal educados ou que os europeus nascem com um gene de civilização desenvolvida. Comportamentos do tipo são culturas com raízes históricas e, embora possa levar tempo, são perfeitamente mutáveis. E como a gente muda? Assim, com discussão, com informação, com problematização, entendendo a nossa história para buscar a causa do porque agimos assim e não repetindo afirmações fáceis que só servem para baixar nossa auto-estima como país ainda mais. A Europa também não era esse poço de civilização até bem pouco tempo, historicamente falando, mas eles evoluíram e a gente também pode. No que diz respeito aos espaços públicos, creio que na verdade, o problema é inverso ao que você aponta: os lugares são maltratados porque são abandonados pela população. Aqui em BH temos o exemplo da praça da estacão, que antes dava até um medinho de passar por ali, mas quando a população se juntou para transformá-la em um espaço de convivência, o lugar se transformou. A gente poderia ter simplesmente dito "Praça da estação, não vou ali nem a pau, tenho medo" e tudo teria continuado como era, poderíamos ter continuado com o nojinho dos espaços públicos e com o medo exagerado, mas resolvemos tomar o espaço pra gente e hoje é uma das regiões mais efervescentes e democráticas da cidade. Eu vejo também que, quando eu era criança, era muito mais comum ver gente jogando lixo na rua. Hoje ainda vemos, mas tenho a impressão de que reduziu bastante, inclusive gente que fazia isso na minha infância e que parou de fazer com o tempo porque tomou consciência disso. E como isso aconteceu? Com educação, informação e diálogo.

          Abraços :)

          • Excelente sua percepção!!! Mas eu continuo com uma visão distante da sua. Mesmo pq as pessoas com oportunidades de melhoria são as que fazem a diferença, mas na ralidade são minoria. E nosso país é formado de maioria sem informação que abafa a minoria com acesso à essas informações. Educação é tudo! E estamos longe de termos um povo sem analfabetos e com um nível cultural melhor. Me baseando em fatos relatados por inúmeros amigos professores. E observando bairros das periferias dá pra entender o que estou falando.

  • Natália em minhas andanças pela Europa tive essa mesma impressão/conclusão. O brasileiro é quem é o verdadeiro vilão dessa história ao subutilizar os espaços públicos.
    Claro que há algumas exceções a exemplo de rodas de samba em pleno rio antigo em dias de domingo, mas em geral cidades grandes aqui no Brasil tendem a afastar as pessoas, pelo medo e pelo preconceito muita das vezes. Sou natural do interior do estado do Rio e tal como minha cidade, muitas outras nos arredores, se utilizam sim das praças e outros ambientes públicos para encontrar os amigos e tomar uma cervejinha ao ar livre.
    Acredito que a cultura do que é "cool" nas grandes cidades envolva mais estar nos lugares da moda, vestindo e fazendo coisas da moda, do que realmente vivendo o momento e sendo feliz. As pessoas acabam ficando com vergonha de levar comida e bebida de casa para deliciar-se e desfrutar de um bom ambiente na "rua" muito mais por vergonha de sentir-se farofeiro, do que por vontade própria.
    A meu ver o que falta ao brasileiro, muitas vezes, é personalidade e vontade de romper com paradigmas sociais, para verdadeiramente ser feliz.

    • Ei Heitor! Obrigada pelo comentário. Realmente no interior esse problema não existe tanto, o problema é das grandes cidades, que crescem sem planejamento e acabam sufocando as pessoas, retirando-as dos espaços públicos, forçando-as à ficaram presas em casa, empresas e nos carros. Quem sabe um dia a gente não consegue mudar essa cultura?

      Abraços!

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Publicado por
Natália Becattini
Tags: Reflexões

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