7 clichês de viagem que merecem um tapa na cara

Nada é tão forte e grudento como um clichê, aquela ideia que fica tão comum em determinado contexto que se torna previsível.  Tipo alguns finais batidos de filmes ou livros. O mundo das viagens, claro, não está imune aos clichês, ainda mais na era das redes sociais, que ajudam a tornar um clichê num fenômeno mundial.

Eles podem até ser divertidos, mas perdem conteúdo justamente na falta de originalidade. Listamos sete clichês de viagem que você provavelmente já deve estar cansado de ouvir.

Acha que essa lista poderia ter mais itens ou discorda de alguma coisa? Sinta-se convidado a participar da discussão, deixando um comentário.

Se você trombar com alguém que garante que é um viajante, jamais um turista, pode saber você você se encontrou com alguém que tem a tendência de causar bocejos nas pessoas ao redor. Para pessoas assim, viajantes e turistas são diferentes, com os primeiros sendo melhores do que os últimos. Turistas seriam aqueles que viajam para lugares mais batidos, absorvem menos coisas da cultura que visitam e viajam por períodos mais curtos, normalmente durante as férias, com um roteiro planejado na segurança da sala de casa.

Já o viajante, por esse mesmo discurso, seria alguém que viaja por longos períodos, sejam meses ou até anos. É alguém que viaja sem planejamento, não sabe qual será o próximo destino, despreza turistas e pontos turísticos tradicionais. O escritor norte-americano Paul Theroux ajuda na definição do viajante ao dizer que “turistas não sabem onde eles estiveram, viajantes não sabem aonde eles estão indo”. Já o britânico Gilbert Chesterton disse que “o viajante vê o que ele vê, o turista vê o que ele veio ver”.

Enfim, o viajante seria algo tipo uahaa. Desculpa. Bocejei com tanto discurso pedante junto, do mesmo nível daquele que tenta diferenciar blogueiro de bloguista e bolinho de chocolate de cupcake. Serio, não basta a gourmetização da comida, temos que fazer o mesmo com as viagens?

Não há nenhuma diferença entre turistas e viajantes. Se você é leitor do 360, provavelmente já reparou que nós usamos as duas palavras aqui, mas sempre como sinônimos, numa simples tentativa de não repetir expressões. Qualquer coisa além disso é arrogância, uma tentativa de dizer “eu sou viajante e viajo melhor do que você, que é turista”. Ok, cada um com sua opinião. Eu, por outro lado, prefiro ser turista. E viajante. Tanto faz, dá na mesma. Só quero curtir minha viagem, conhecer outras culturas e ter boas experiências – mais ou menos como todo mundo que resolve viajar.

O ditado do Papa pode ser aplicado para qualquer cidade, país ou contexto. Esteve em Paris e não viu a Torre Eiffel? Então você não esteve em Paris (tapa). Esteve na Índia e não viu o Taj Mahal? Então você não conhece a Índia (tapa). Esteve em Nova York e não viu a… tapa. Esquerda. Direita. Cruzado. Faz ele parar de falar bobagens, Batman, por favor.

Já escrevemos sobre o risco de se preocupar em excesso com o top 10 de cada destino. É como se existisse uma listinha mental: Taj Mahal? Visto. Torre Eiffel? Também. Coliseu? Claro. E deixa eu correr porque Machu Picchu é logo ali e não vai me esperar para sempre. Não precisa ser assim. Inclusive, para muitos dos moradores desses lugares não é assim – o mundo está cheio de parisienses que nunca subiram na Torre, cheio de indianos (algumas centenas de milhões deles) que não passaram nem perto do Taj Mahal e de peruanos que não conhecem Machu Picchu, exatamente como os cariocas que nunca andaram no Bondinho ou foram dar um oi para o Cristo. Será que essas pessoas não conhecem suas próprias cidades e países? Claro que conhecem.

Não é preciso ver todas as atrações mais famosas para ter uma viagem legal por outro país. Faça como o Batman: vá nas que você realmente quer conhecer, sem medo de ser feliz.

O discurso contrário ao anterior, muito usado por quem se diz viajante, não um turista. Se não é preciso fazer uma maratona para ver todos os pontos turísticos famosos de um lugar e se pular um deles não é um erro, mas uma escolha, o contrário também não é um problema: há quem prefira evitar os lugares turistões, que todo mundo vai. Tudo bem, afinal cada pessoa tem interesses e gostos diferentes. O Batman entra em ação quando essa necessidade de encarar a estrada menos batida vira motivo de arrogância, como se quem escolhe visitar a Torre Eiffel fosse pior do que quem decide não fazer isso, mesmo estando em Paris.

Em um artigo para o Lonely Planet, a escritora Jess Lee conta uma história interessante. “Num hostel em Cairo, Egito, conheci uma garota que disse que estava na cidade há três meses, mas ainda não conhecia as Pirâmides. O tom com que ela disse isso indicava que ela queria receber uma medalha. Conversando com ela no dia seguinte, eu disse que queria visitar algumas mesquitas. ‘Você é tão turista’, ela me disse”.

“Você é  tão turista”. Bocejo.

Ahhh, Facebook… terra favorita dos escritores de autoajuda. Nada contra, tenho até amigos que gostam, mas esse tipo de literatura costuma dar respostas rasas para problemas complexos. No caso do Facebook a coisa piora, já que frases de autoajuda são recortadas do contexto e compartilhadas aos milhões. Veja bem: não há nada de errado em compartilhar frases legais de viagem – nós mesmos fazemos isso.

Muitas dessas frases funcionam como hipérboles. Sabe quando Jesus disse que era mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no céu? A ideia não era que os ricos podem se preparar para virar churrasquinho no inferno, mas mostrar a dificuldade envolvida ali. Deixando a doutrina judaico-cristã de lado, a mesma coisa vale para viagens.

“Ou a vida é uma viagem ou não é nada”, diz uma frase. O que eu entendo disso? Viajar é muito legal. Ponto. Mas o mundo é cheio de coisas legais. Fora que, pode acreditar, tem gente que não gosta de viajar, assim como tem quem não goste de novelas, filmes de ficção científica, filhotes ou sorvete. Eu não entendo essas pessoas, mas respeito o gosto delas.

Tem quem não perceba a alegoria dessas frases de Facebook e leve tudo ao pé da letra, gente que acredita que “viagem” é a resposta para todos os problemas da humanidade. Não aguenta mais seu chefe? Viaje. Está endividado? Viaje. Com problemas de saúde? Viaje. Se sentindo sozinho? Viaje. Não sabe o motivo da vida, do universo e de tudo mais? Viaje.

Viajar pode ser uma coisa legal, pode te ajudar a crescer, a ter uma vida mais feliz, a se sentir mais realizado. Pode. Assim como muitas outras coisas podem – ou não, dependendo do contexto. Dependendo de você. Viajar não é uma espécie de deus milagroso que resolve todos os problemas, traz a pessoa amada de volta em três dias e deixa todo mundo felizão. Vale lembrar que o contrário também é um problema: o Robin receberia um tapa na cara se afirmasse que quem resolve viajar está necessariamente fugindo da realidade e evitando encarar os problemas.

Se você lê este blog, é provável que você seja uma pessoa privilegiada. Digo isso não por causa do 360, mas porque toda comunicação é direcionada para alguém e qualquer veículo de comunicação tem um leitor modelo. No nosso caso, nossos leitores médios têm entre 18 e 34 anos, estão cursando ou já têm curso superior e têm renda familiar de cerca de 10 salários mínimos por mês. Portanto, são pessoas que têm condições de viajar, podem sonhar em conhecer Paris ou passar as férias na Tailândia, afinal não não fazem parte da camada mais pobre da população, aquela cuja preocupação principal é colocar comida em casa.

Dito isso, fica fácil perceber como o discurso do “viajar te torna uma pessoa melhor e mais tolerante” é uma prova absurda de intolerância e arrogância. E os que não podem viajar? Ou, de novo, e os que até têm dinheiro para fazer isso, mas simplesmente não querem cair na estrada? Seriam pessoas piores? Claro que não.

Sim, viajar pode quebrar preconceitos, promover crescimento pessoal e mudar a forma de pensar das pessoas, mas de novo o foco está no pode. Já conheci gente viajada, que já esteve em dezenas de países, e continua sendo muito… racista. Acontece.

Da mesma forma que conhecer outras culturas pode te tornar uma pessoa mais tolerante, um bom livro, um bom filme, uma boa música, novela, uma conversa com o vizinho ou um bate-papo saudável com amigos também podem. Ninguém se torna automaticamente melhor, mais interessante e tolerante ao fazer as malas e conhecer outros países.

Não sei quem começou com essa moda. Há textos em blogs gringos, publicados em 2012, que defendem a ideia, que supostamente veio de outra onda, o da idealização da mulher que lê. “Namore uma garota que viaja. Namore uma garota que vai preferir guardar dinheiro para viajar do que para comprar sapatos e roupas”, diz um deles.

Não demorou para vir a versão masculina do texto, garantindo que os caras que viajam são muito mais legais. E ainda teve o discurso contrário – o melhor era não namorar com uma pessoa que viaja, afinal ela/ele eventualmente vai resolver jogar tudo pro alto e seguir pela estrada, enquanto você chora sozinho no acostamento.

Por sorte quase ninguém leva essas mensagens a sério –  as pessoas se relacionam com quem conhecem, se interessam e apaixonam, ponto final.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Genial!!!! Esse lance de classificação dá uma preguiça... Cada um deve viajar da maneira que pode e pronto. Não acredito nessas regras e conceitos que tentam definir o modelo prefeito (e certo) de viajar. Bocejo. rsrs

    Grande beijo "pros" três!

    • O problema é que o próprio Facebook acaba forçando os blogs e sites em geral a fazer esse tipo de frase. É um método de impedir que o engajamento da página caia muito, o que diminui a entrega dos posts.

      Enfim, também não gosto. Queria que não fosse assim. Mas a rede do Zuckerberg favorece a isso, infelizmente.

      Abraço, Thaís.

  • Até hoje eu tenho vergonha de revelar que fui ao Maranhão e não vi os Lençóis Maranhenses.... mas tudo bem, eu estava curtindo com uma galera (e um menino lindo) que eu conheci na feirinha de artesanato... ahhahahahah!!!!!

    • Hahaha!

      E, olha só, agora você tem motivos para voltar ao Maranhão, afinal os Lençóis continuam lá.

      Sempre tem outra viagem pela frente. :)

  • hahahaha muito bom! queria ver mais compartilhamento desses "tapas na cara" do Batman que aquela enxurrada de frases "auto-ajuda-viajante" que vemos diariamente no FB :P

    • Haha!

      Eu queria que o Facebook tivesse menos frases de auto-ajuda e mais conteúdo. Quem sabe um dia.

      Vai curtindo a Índia, Mari. Depois quero saber o que você achou. :)

  • Ótima reflexão. Eu ja fui alvo de vários comentários dignos de várias bofetadas do Batmann, quando comentei que fui a Roma e não visitei o Museu do Vaticano e a Capela Sistina. Não que estivesse fora dos meus planos, mas não fui...paciência! Mais um motivo para eu voltar....porem ter que ouvir aquele comentário "como assim? voce esteve em Roma e não visitou a Capela Sistinaaaa!" como se tivesse cometido o pior dos crimes, realmente é de perder a compostura como o Homem morcego.

    • E sempre fica alguma coisa de fora, né Rose? Ninguém consegue ver tudo que gostaria numa primeira viagem. É preciso fazer escolhas.

      E cada um escolhe o que gosta mais. :)

      Abraço.

  • Quer saber? Adorei. Outro dia discutia dois artigos da viagem e turismo de dezembro que falava sobre essa bobagem de turista e viajante com meus alunos do 1o ano do curso de turismo.
    Agora além de postar na página do blog, vou mandar o link pra eles!
    Parabéns.

  • hahaha Acho que o Robin nunca levou tanta bofetada na vida.

    Hm... Muita gente fala que uma viagem faz a pessoa mudar da água pro vinho. Digo que sim e que não. Muito de mim eu já mudei nesse meu intercâmbio, mas verdade seja dita: minha essência permanece a mesma e ainda mais forte. Conclusão pessoal: não, eu não virei um Super Saiyajin. Continuo a mesma, quieta, pensativa e seletiva com quem me relaciono. Só que também bem mais tolerante, compreensiva e, pasme você, orgulhosa de ser brasileira.

    Abraço!

    • Também aprendi a valorizar muitas coisas do Brasil ao viajar, Ligia. E concordo com você: sim, uma viagem pode mudar muito a gente. Mas tem coisa que não muda.

      E tem coisa que nem precisa mudar, né?

      Abraço.

  • Falando em checklists, esta semana conheci uma indiana que foi ao Brasil e: "passei só uma escala de um dia em São Paulo, mas passeei no Rio, depois fui nas cataratas do Iguaçu e depois na floresta amazônica". Gente! E eu aqui nem indo no Taj Mahal (ainda)!

    • Eu acho que quando a gente vive num país as viagens são num ritmo mais lento mesmo.

      Eu, por exemplo, conheço muito pouco do Brasil, bem menos que muitos estrangeiros que já conheci por aí.

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Publicado por
Rafael Sette Câmara
Tags: Reflexões

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