Quem disse que não pode mochilar depois dos 40?

“Achei que eu era uma aberração, até encontrar outras aberrações como eu na Europa”, disse uma leitora do blog na pesquisa de opinião que realizamos há poucos meses, “Nos sites que leio, fico com a impressão de que viajar pelo mundo de mochila nas costas é só coisa de gente jovem”. No campo para informar a idade, ela foi uma das poucas pessoas a marcar as opções que iam entre os 45 e 64 anos: apenas 8.6% dos nossos leitores.

Não dá para culpá-la por se sentir assim. Toda a mídia gerada em torno do estilo de vida mochileiro sempre mostra pessoas jovens carregando seus mochilões, interagindo com locais, praticando esportes radicais. No imaginário coletivo, a figura do mochileiro é a do viajante nos seus vinte anos, sem filhos, sem empregos cobiçados, sem financiamentos, sem hora para voltar para casa e com muita disposição para viajar por longos períodos com um orçamento apertado.

Na blogosfera, inúmeros blogs e perfis sociais que compartilham dicas e experiências da mochila contribuem com isso: a grande maioria é escrita por jovens na casa dos 20 ou 30 anos, talvez por serem parte também de uma geração que tem mais afinidade com os meios digitais.

E talvez a leitora não estivesse errada ao constatar que mochileiras como ela são mais raras. Todo mundo que já fez uma viagem do tipo sabe que não é impossível ver pessoas com lá seus 50 anos de mochila nas costas, mas a chance de trombar com companheiros de estrada mais novos é muito maior. E é fácil de entender a razão. Não é todo mundo que aceita passar por algumas restrições mochileiras depois de uma certa idade. A começar pelo peso da mochila, embora esse não seja um item indispensável.

Leia também: “Deveria estar em casa cuidando da neta, fazendo tricô e não por aí viajando”

Por outro lado, eu conheço também vários jovens que não se identificam com esse estilo de viagem e preferem os pacotes, os grupos, os resorts e as mordomias. Por isso, fico me perguntando se a idade tem realmente algo a ver com tudo isso. Para mim, me parece mais uma questão de estilo de vida, uma forma de explorar o mundo.

Quem é mochileiro, no fim das contas?

Embora a imagem do mochileiro seja sempre associada a quartos coletivos de hostels e muitos perrengues em nome da economia, o que pode mesmo afugentar pessoas mais velhas, essas características, apesar de estarem presentes em muitos casos, não são as definidoras da vida backpacker.

Ao meu ver, o mochileiro é aquele que prefere investir em experiência em detrimento do luxo e das compras (por isso é difícil imaginar um mochileiro em um Ceasar Palace da vida). É quem viaja buscando aprender com o destino e não apenas descansar da rotina estressante. É quem busca troca com os habitantes locais pois acredita que o intercâmbio entre culturas faz bem para a humanidade. É quem prefere organizar a viagem por conta própria para ter mais controle do roteiro e das atividades para ter certeza de que vai aproveitar o máximo possível. Se nem mesmo a mochila é indispensável, que dirá a idade.

Por que mochilar na meia e na melhor idade?

Mochilar com mais dinheiro que nos seus 20 anos

Em geral, a situação financeira da gente tende a melhorar ao longo da vida. É claro que isso não é uma regra e várias coisas podem acontecer ao longo do caminho. Mas olhando amplamente, é assim que funciona. Por isso, você não vai ser obrigado a passar por diversas situações que mochileiros mais novos enfrentam não porque gostam, mas porque precisam, o que pode melhorar bastante a sua viagem.

Eu já consigo perceber os efeitos disso. Hoje viajo com mais grana que viajava aos 23, quando fiz a volta ao mundo. E faria muitas coisas diferentes. Em Hong Kong, por exemplo, quase não conheci a culinária local porque precisava conter – e muito – os gastos, e o combo do Big Mac lá era a comida mais barata que eu conseguia comprar. Em outras ocasiões, acabei deixando de lado experiências como passeios, mergulhos e aulas de surf porque eu simplesmente não podia pagar por elas.

Entre a comunidade de mochileiros de língua inglesa surgiu, há alguns anos, o flashpacker. O termo é usado para designar viajantes, muitos deles mais velhos, que deram um upgrade no estilo mochileiro de viagem e ficam em hospedagens mais confortáveis e querem um padrão de serviço mais elevado, mas sem abandonar o espírito de liberdade, imersão e experiência dos mochilões. Eu acho isso uma bobagem. Para mim, essas pessoas continuam sendo mochileiras, mas com uma conta bancária mais gorda que as outras.

Você ficou mais esperto com o tempo

Aos 40, 50, 60 anos, você não vê o mundo da mesma forma que aos 20. Pelo menos foi isso que me contaram. Você vai interpretar os acontecimentos e aprendizados da sua viagem de uma forma bem diferente da que interpretaria aos 20 anos. Você vai ter mais sabedoria para lidar com situações diversas e entender as culturas estrangeiras (assim espero!). Sem falar que toda a bagagem de conhecimento que você foi acumulando ao longo da vida tem que servir para alguma coisa, não é mesmo?

Você só vive uma vez

Talvez você não tenha tido a chance de viajar quando era mais jovem e se arrependa por isso, mas acha que já passou da idade. Esse tempo nunca vai voltar. Você nunca mais vai poder mochilar aos vinte anos outra vez, mas o que te impede de fazer isso agora? Esse é o momento que você tem nas mãos e não há outro melhor. Há alguns anos, no início do 360meridianos, nós escrevemos sobre um senhor nonagenário que assustou toda a família quando resolveu que ia começar a viajar. “Eu não queria chegar aos 95 e me arrepender de não ter viajado aos 90”, disse ele.

Você decide tudo

“Quero mochilar, mas estou muito velha para hostels”. Então não fique em um! Vá para um apartamento alugado, uma pousada ou hotel-boutique ou, se quiser, alugue um quarto privado no hostel mesmo (tem inúmeras vantagens em um, acredite!). “Mas eu não dou conta mais de bater perna o dia inteiro!”. É só fazer roteiros mais tranquilos, passar longos períodos nos lugares e abusar do transporte público. Seja qual for a sua restrição à viagem mochileira, existe uma forma de contorná-la. A vantagem de ser um viajante independente é justamente essa: a palavra final é sempre sua. Sem regras, sem rótulos, sem problemas.

Você vai refrescar sua mente

Isso serve para todo mundo, mas acredito que pessoas mais velhas possam se beneficiar ainda mais da possibilidade de entrar em contato com novas ideias, formas de viver e pensar. Depois de passar uma vida inteira em contato com um padrão de pensamento, pode ser bem interessante e enriquecedor descobrir o que o resto do mundo tem a dizer sobre vida, religião, amor e felicidade, por exemplo. Sem falar que você ainda vai quebrar o ciclo repetitivo dos dias e voltar, quem sabe, com uma visão totalmente diferente da sua própria vida.

 Quer se inspirar? Conheça a história de um mochileiro de 95 anos.

Fotos: Pixabay

Inscreva-se na nossa newsletter

5/5 - (1 vote)
Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones, no Youtube e em inglês no Yes, Summer!. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

Ver Comentários

  • E pensando nesse público - que, pelo visto, o 360 tem -, não seria legal ter um(a) jornalista (ou varios) também com esse perfil escrevendo para esse leitor? Se eu puder ajudar com alguma informação ou ação para que isso aconteça, estou à disposição!

  • Tenho 50 anos, sou solteira, morava no Japão sozinha, daí eu resolvi conhecer Paris, onde tenho 1 irmã casada c/ francês, mas de lá, parti p/ viagens sozinha, fiquei em Hostel em Londres, dormi num quarto apertado, e só tinha homem, mas não fiquei com medo, porque eu acho que não tem perigo nenhum. Foi tudo tranquilo, depois fui para Roma, fiquei em um quarto privado, e em Portugal, fiquei na Pousada, c/ quarto privado. Eu não pesquisei muito os hostels, porque eu não me achava mochileira. Mas, vendo aqui, acho que sou uma mochileira sim. Eu sou super economica, faço todos os passeios em museus gratuitos, ando à pé, pego metrô e ônibus também, sei me virar, sem falar inglês. Mas, foi tão bom, que saudades dessas aventuras.

  • Estou partindo para o meu quinto mochilão, e estou nesse grupo acima dos 45 anos de idade, o meu arrependimento é de não ter começado antes...Exatamente daqui 24 hs e 14 min. estarei partindo para mais uma aventura,dessa vez para o Perú...vamos que vamos, Mochilão é a melhor maneira de conhecer novas culturas.

      • Olá como sempre mais uma aventura maravilhosa, novos amigos de várias partes do mundo,Lima é um lugar incrivel, mais um mochilão para ficar na memória...

  • Eu fiz meu primeiro mochilão aos 42 anos, fiquei em um hostel em Montevideu. Gostei tanto que repeti a dose depois indo para Cartagena. Fiz muitos amigos de várias idades, nacionalidades e é isso que a gente leva da vida. Esse texto me animou mais ainda.

    Abs,

    Marcelo da Rosa

  • Oi...tenho 52 anos (sou amiga de sua mãe, Nathália). No inverno de 2014/2015 viajei com minha filha num estilo bem próximo de um mochilão. Organizamos o roteiro, adquirimos as passagens e nos hospedamos em hostel. Em quartos privados com banheiro quando o tempo era maior e em quarto compartilhado quando era apenas por uma noite. Achei a experiência incrível. Quero repetir sempre. O difícil é convencer as amigas a seguirem comigo. Não largo mais a mochila.
    Ótimo texto.

      • Olá,Denise e Luiza, tenho 60 anos e estou tentando me aposentar,o meu projeto pós aposentadoria é exatamente virar estilo mochilão, quando isso acontecer se vcs ainda estiverem querendo cia, a gente pode combinar uma bela viajem. Quero passas 3 meses viajando pela Europa(já estou trabalhando nesse projeto) e pensando o próximo mochilão. Meu nome é Solange.Abs!

    • Olá Denise! Que legal! Tá precisando contar essa história pra minha mãe pra ver se ela se anima também :) Espero que faça muitas outras viagens como essa!

      Abraços!

  • Gosto muito de viajar, mas não me considero um "mochileiro" porque gosto um pouquinho mais de conforto que o estritamente necessário kkkkk e não pretendo parar depois dos 40, 60, 80....

  • Eu me considero uma "mochileira de rodinhas". Gosto do estilo mochileiro de exploração dos locais, mas não abro mão do conforto de uma mala de rodinhas e de um orçamento não tão apertado a ponto de passar muita vontade. Várias vezes deixei de ir a algum lugar porque não ia ter dinheiro pra fazer nada lá além de andar na rua. Não sou tão desapegada e aventureira. rsrs

    Quando comecei a ler esse post lembrei de uma reportagem que vi há muuuuito tempo sobre uma senhora que vive em cruzeiros desde que ficou viúva. Desde então já decidi meu destino pós-aposentadoria. Lembro que na época ela disse que a escolha também foi influenciada pelos preços, já que pagaria sensivelmente o mesmo morando num lar de idosos. Não sei se é verdade, mas pode fazer sentido (e vale a pena fazer as contas, vai que...).

    Sendo a mesma senhora ou não, segue mais uma inspiração: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/turismo/2015/01/22/interna_turismo,467616/viuva-aposentada-gasta-cerca-de-r-430-mil-para-morar-em-navios-de-cru.shtml

    • Eu conhecia essa história! Acho simplesmente fantástica! Esse é o meu novo plano para a aposentadoria! hahah

      Abraços!

  • Eu comecei a viajar no ano passado com 28!
    Fiz 29 durante a viagem e antes de completar 30 farei a segunda viagem!

    :)

    Ebaaaaa!!!

  • Grande partilha com a qual me identifico bastante e obviamente estou de acordo.
    Não cheguei aos 40, e acho que o facto de ser mochileiro não tem a ver com a idade mas sim com o estado de espírito.
    Eu sempre viajei dessa forma, e se houver parques de campismo.... melhor ainda ! (Qdo estes não são mais caros que uma noite num hostel barato.
    Adoro conhecer as pessoas locais, assim como a aura do local em si, o que não é possivel com as tradicionais férias para o turista ver.
    Cumprimentos a todos e bom post.

    • Obrigada pelo comentário, Ana! Também curto muito conhecer as pessoas e aproveitar a aura local.

      Abraços

  • Não posso dizer que sou mochileira, mas amo o modo independente de viajar. Já fiquei em hostels, aqui no Brasil, no exterior procuro pousadas ou hotéis mais econômicos, pois gosto, mais do que um quarto privativo, de um banheiro só meu !
    Outro objeto de desejo dos maiores de 40 tem sido os intercâmbios para aprender ou melhorar o conhecimento de uma outra língua. Até algum tempo atrás, isso era coisa de jovens... Estou planejando uma temporada em Nova York para estudar inglês!
    Acredito na vida e enquanto viva eu for, quero realizar meus sonhos.
    Estou com 46 anos!

    • Realmente, a procura por intercâmbio para pessoas mais velhas tem crescido bastante! Algumas agências têm lançado pacotes específicos para essa faixa etária, e eu acho isso incrível! Nunca é tarde pra gente realizar nosso sonhos.

      Abraços

Compartilhar
Publicado por
Natália Becattini

Posts Recentes

O que eu vi do alto do campo base do Everest

*Por Silvia Paladino No dia 12 de outubro de 2023, eu cheguei ao acampamento base…

6 meses atrás

Como é a relação dos iranianos com o álcool

– Aí estão vocês, eu estava esperando! Venham!, disse, apontando para um beco que parecia…

6 meses atrás

Lençóis Maranhenses e o artesanato com fibra de Buriti

Chegar no povoado Marcelino é uma atração à parte na visita aos Lençóis Maranheses. Depois…

3 anos atrás

Como são os Cursos Domestika? Descubra como funciona a plataforma

A Domestika é uma comunidade criativa e que oferece diferentes categorias de workshops: do desenho…

3 anos atrás

Niède Guidon, a arqueóloga que mudou a Serra da Capivara

“Na Pedra Furada, abaixo de um local onde havia pinturas, escavamos tentando encontrar marcas do…

3 anos atrás

Comida saudável pra todos: comer bem e descolonizar o paladar

“Muita gente acha que comer saudável é cortar açúcar, por exemplo, entrar num mundo de…

3 anos atrás