Um país chamado Pará

Foi só dentro do avião que me dei conta do óbvio: eu estava a caminho da Amazônia. Quando garanti minhas passagens para Belém, numa promoção de milhas aéreas, pensei que iria visitar uma cidade histórica e de traços culturais e gastronômicos fortes. Muito fortes. Mas não pensei na maior floresta tropical do globo.

Até que o avião se preparou para pousar, não em Belém, mas no Aeroporto de Carajás, a escala tradicional desse voo. Durante 10 minutos, enquanto o comandante se preparava para o pouso, o mundo inteiro ficou verde.

Uma imensidão sem fim, aquela imagem típica da Amazônia – faltava apenas um rio serpenteando por entre as árvores. Era tanto verde que achei que pousaríamos no meio da floresta. E foi quase. O aeroporto surgiu no último minuto, quando o avião, já quase tocando o solo, escapou das copas das últimas árvores.

Amazônia, prazer te conhecer.

Mas aquilo não era nada. Depois que os funcionários da empresa aérea fizeram uma rápida limpeza no avião, seguimos viagem. Não demorou 40 minutos para que um novo cenário amazônico provasse que aquela seria uma viagem incrível. Dessa vez a janelinha do avião virou camarote de frente para o rio.

E foi só sair do avião para sentir aquela lufada de ar amazônico. Belém é quente o ano inteiro. Além de tornar o ar-condicionado num item obrigatório de vida, transformar os passeios ao ar livre num convite para ficar todo breado (para usar uma expressão local) e dispensar a utilidade do chuveiro elétrico, o calor também faz parte do combo Amazônia.

Fiz check-in no hostel, tomei o primeiro de muitos banhos frios e fui conhecer Belém. Para isso, tive a ajuda da Cândida, leitora do 360 e que, da forma mais simpática possível, se ofereceu para me mostrar a cidade dela. Cândida, não precisei nem de duas horas para me apaixonar por Belém. Acho que foi no passeio de barco, enquanto observava o pôr do sol num rio que mais parece mar. Ou então ao caminhar pela Estação das Docas, um exemplo de planejamento turístico de áreas antes degradadas.

Estação das Docas

Mentira. Isso tudo foi legal. Fantástico. Mas a verdade é que o Pará me conquistou pelo estômago. Que sabores são esses? Como entender o significado de tantas palavras novas? Tucupi e jambu, Maniçoba e Tacacá.  Como compreender uma comida que faz a língua tremer ou uma cachaça que faz tudo balançar?

E já que o assunto é culinária, é impossível não falar do Ver-o-Peso. Eu adoro mercados públicos e já vi alguns incríveis mundo afora, mas nada como o Ver-o-Peso, maior feira ao ar livre da América Latina. Do desembarque do açaí, que ocorre toda madrugada, às barracas que vendem os mais variados produtos: o Ver-o-Peso é um lugar para ir uma, duas, várias vezes. E descobrir coisas e sabores novos em cada visita.

O Pará, com sua vastidão de temperos e tradições, é um estado único. Todo estado brasileiro tem seus traços marcantes, veja bem. Mas poucos te dão tantas diferenças quanto o Pará, que é quase um país. Até em área, afinal o estado tem o segundo maior território do Brasil – só perde para o Amazonas. Maior que Angola e que todos os estados da região sudeste juntos, se o Pará fosse um país, seria um dos maiores do mundo: o 22º, na frente de África do Sul, Colômbia e Egito. E com atrações para nação nenhuma botar defeito.

No domingo, meu segundo dia no Pará, fomos na Ilha do Mosqueiro, que fica perto de Belém. Água a perder de vista, nenhum sinal da outra margem, ondas e gente praticando esportes náuticos. “E isso é um rio”, disse a Cândida. Por mais que ela não tivesse razões para mentir, confesso que truquei.

 “Ahh, tá. Rio. Cadê a outra margem então?”.

Se Tomé só acreditava vendo, eu só acreditei ao caminhar pela praia, vencer as ondas e perceber que a água, sim, era doce. Não é que melhoraram o mar?

Dias depois, a caminho da Ilha do Marajó, tive mais uma prova da imensidão dos rios do Pará. Foram 3h30 de navegação fluvial. E em muitos momentos não era possível ver as margens – só o mundo em estado líquido.

A Ilha do Marajó é outro lugar fantástico, embora os brasileiros ainda não saibam disso. Os estrangeiros – sobretudo os franceses – já descobriram o local e estão por todos os lados. Praias, mangues e árvores retorcidas, fazendas e búfalos. Milhares de búfalos.

Segundo a lenda, os animais chegaram na Ilha do Marajó após um naufrágio. Eles nadaram até a terra firme, se adaptaram ao clima local e passaram a fazer parte do cenário. São seiscentos mil, o maior rebanho de búfalos do Brasil. Tudo na ilha está ligado aos simpáticos animais – da Polícia Militar, que faz rondas não em cavalos, mas em búfalos, ao lixo, que conta com a ajuda do bicho para ser recolhido. E ainda tem o queijo do Marajó. Esse eu não consigo nem descrever.

Pensa que acabou? Nós oito dias que fiquei por lá, o Pará me envolveu completamente. Jurei que vou voltar, quem sabe para conhecer lugares como Alter do Chão e Algodoal. Ou para testemunhar a força do Círio de Nazaré, um dos maiores eventos religiosos do mundo. Motivos não faltam.

Em época de dólar nas alturas, é hora de olharmos para as belezas do Brasil. Que tal sair da rota tradicional e conhecer o Pará? Eu garanto que você não vai se arrepender. Já passou da hora do brasileiro conhecer a Amazônia.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Oi Rafael, achei de um cuidado incrível o seu texto. Muito obrigada pelo carinho para com a minha terra que ainda hoje é alvo de tantos preconceitos. Moro em Brasília hoje mas tenho o maior orgulho de ser de Belém. Abraço,

  • Rafael, amei sua reportagem, sua exposição foi maravilhosa uma verdadeira declaração de carinho. Ao ler parece que estou vivenciando com você cada momento. Recordei meus passeios, idas e vindas do Marajó, Salvaterra e Soure, lugares energéticos em que você vai e volta energizado por suas belezas diversificadas. Volte sempre!
    Um grande abraço.

    2gmail.com

    • Considere o abraço dado e retribuído, Romena. :)

      E estou adorando receber tantos comentários carinhosos de gente do Pará. E também ver gente que não é do Pará pensando em viajar para lá.

      Abraço.

  • Rafael, que bom que vc fez essa matéria maravilhosa divulgando o nosso estado do Pará para o mundo. Vc não só precisa, como deve voltar ao Pará e contar mais das belezas desse estado, que tal depois de conhecer Alter do Chão, dar uma voltinha em Juruti, Almeirim, Gurupá, Altamira, Alenquer, Uruará, São Felix do Xingú, em fim Conhecer as belas cachoeiras, igarapés e lagos no meio da Floresta é tudo muito lindo, eu só não vou garantir se vc vai querer voltar para sua terra depois que conhecer esses lugares, brincadeiras a parte mais tenho certeza que vas gostar.

    • haha! A lista de lugares para conhecer numa segunda viagem está crescendo, hein!

      Agradeço, Deusarina. :)

      Abraço.

  • Foco feliz que você gostou do nosso Pará. Queria saber se tomou tacacá bem quente com pimentas! Com nosso costume tomar tacacá com muito calor!!
    Obrigada Rafael. Boa sorte

  • Genteeeeee!!!! Não acredito que vcs vieram na minha terra!!!! Eu AMO esse blog e acompanho faz tanto tempo!!! Que bom que vc gostou Rafael!!! Mas tem muita coisa ainda que não te vi escrever: tomou sorvete? Curtiu a noite? Dançou vários ritmos misturados numa festa só? Passeou na Cidade Velha? srsrrsrsr!!! :) :D Tô brincando viu? Faça tudo no seu ritmo! Isso é só uma brincadeira pra te deixar com gostinho de quero mais! Abraços e até breve!

    • Oi, Mila! Sim, estive aí em agosto. :) E fiz (quase) tudo isso que você falou.

      Vou escrever sobre tudo em breve. Esse é só o primeiro texto.

      Abraço.

  • Sou estudante de Turismo na Universidade Federal do Pará e fico radiante com textos assim! Além dos comentários positivos dos seus leitores. O turismo agradece!! Obrigada e volte sempre!

    • Oi, Camila.

      Eu que agradeço pela simpatia e recepção que tive por aí. O Brasil é um país incrível. Já passou da hora de nós, brasileiros, começarmos a viajar mais por aqui.

      Os gringos adoram nossa terra. Temos muitos motivos para fazer o mesmo.

      Abraço.

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Rafael Sette Câmara

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