Uma reflexão sobre ir e voltar

Vocês não sabem, mas cheguei ontem do Brasil. Exausta. Foram três voos (Belo Horizonte – São Paulo, São Paulo – Amsterdam, Amsterdam – Lisboa), mais uma viagem de trem até Coimbra, onde eu moro. Viagem que foi mais longa que o previsto, já que as chuvas em Portugal alagaram a linha do trem e o final do trajeto foi feito de ônibus. Mas talvez vocês estejam se perguntando: Luíza, eu sei que viajar dá trabalho, mas o que eu tenho a ver com isso, menina? Bom, de que serve um blog se eu não posso compartilhar com vocês algumas reflexões sobre a vida e as viagens? Além do mais, alguns de vocês já me leem há algum tempo e acabam me conhecendo de certa forma.

A questão é que eu passei quase dois meses no Brasil, do Natal ao pós-Carnaval. Reencontrei a família e amigos, viajei para Pernambuco, curti as festas perto das pessoas que mais gosto no mundo. E então, chegou a hora de ir embora. Minha partida do Brasil desta vez foi a mais difícil, desde o meu primeiro intercâmbio, com 20 anos. Não sei se é porque estou ficando mais velha. Não me cansei de Portugal, muito menos de viajar, mas ao mesmo tempo estou sentindo cada vez mais o peso de não estar por perto.

Sigo longe, pelo menos até setembro, quando devo terminar o mestrado. O depois ainda é um mistério e fonte de ansiedade para mim. Eu tenho pensado muito em como tenho que me preocupar menos com o “onde”, e mais com o “o quê, quem, quando, como e por que”. Para quem não sabe, essas são as perguntas básicas do lead jornalístico, aquelas que são as mais importantes numa notícia e que deveriam vir no primeiro parágrafo.

Quem leu o texto que escrevi com a retrospectiva de 2015 sabe que eu passei por uma mini-crise no segundo semestre do ano passado. Era uma crise sobre motivações do agora e o que seria o futuro. De certa forma, superei isso. Sim, porque eu tenho o privilégio de poder escolher o meu “onde”.  Mas “onde” nunca vem sozinho. E é muito ruim estar num lugar desejando estar em outro, e vice-versa. A questão de viver dividida por tanto tempo não tem sido fácil para mim, pelo menos não recentemente. E minha estadia no Brasil nos últimos dois meses só me mostrou mais isso.

Eu em Olinda, em janeiro

Mas por que não voltar para o Brasil, oras? Pois é, no fundo, é porque esse tipo de escolha, assim como é a escolha para muita gente de largar um emprego ou fazer um intercâmbio, dá medo. Por incrível que pareça, voltar pode ser tão assustador quanto partir. A gente costuma viajar ou se mudar com muitas expectativas, sonhos, receios… Tenho medo de voltar sem ter a certeza de que fiz tudo o que deveria ser feito. De que vou voltar e me ver num ciclo ou rotina que, de certa forma, me fez querer partir em primeiro lugar.

Assim como meu problema parece ser o “onde”, tem gente que tem dificuldades com o “como”, “quem”, “quando”… Seja para partir, seja para voltar. A verdade é que essa decisão de começar ou recomeçar exige sim, coragem, esforço, preparo. Mais ainda, certa leveza. É preciso lembrar, ou pelo menos eu estou me esforçando para isso, que um toque de leveza não faz mal. Que as decisões podem ser prudentes e da mesma maneira darem tempo ao tempo, deixarem um pouco do acaso nos dar a chance de ver a vida com outras perspectivas.

Até fiz uma tatuagem para tentar achar “meu norte”. Brincadeirinha, nem foi por isso…

Pelo menos, é nisso que vou focar enquanto não tenho que tomar nenhuma decisão. E vocês, já se sentiram assim, meio divididos?

Ps. Nessas mini-férias li um livro muito legal do Nick Hornby, “Uma longa queda”. Não tem nada a ver com viagens, é bem divertido e ao mesmo tempo ajuda a refletir sobre o acaso e as decisões que tomamos. (Parece que tem um filme do livro, mas, pelo que li da crítica, não é bom).

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Vou compartilhar uma ideia que vi, e que tem me guiado desde então: quando em dúvida, jogue uma moeda. Funciona não porque ela decide por você, mas porque, nos segundos em que ela estiver no ar, você saberá para o que você está torcendo....

  • Oi Luiza! Adorei seu post e me identifiquei com ele e com o que o pessoal tem dito aqui! Como disse a Luana eu nem te conheço, mas gosto tanto de vc! Estou na mesma situação da Mariana,já comecei o processo de intercâmbio e não dá mais pra voltar atrás. Não sei se vou querer voltar, mas como bem dito pela Carol, o fato de voltarmos não significa que não possamos viajar novamente no futuro! Enfim, obrigada pelo post e espero que tudo dê certo, par podermos sempre ler seus relatos! Beijo grande!
    PS: meu marido tem uma tatoo igual à sua, nas costas, é só um pouco maior :)

  • Oi, Luiza! Que post bacana! Acho que todos nós passamos por momentos de divisão, seja com o "onde", com o "quem", com o "que"... Temos que tentar não sofrer por antecipação com possíveis arrependimentos... Acho que tudo que decidimos de coração, tá bem decidido! Ao escolher um caminho, sempre deixaremos coisas boas e ruins da outra opção, mas nem por isso não foi uma boa decisão!

    Post maravilhoso e tatuagem mais maravilhosa ainda!!

    • Oi Bárbara,

      Obrigada! Realmente, qualquer decisão deixa coisas boas e ruins, nada é tão definitivo ou tão certo e errado.

      bjs

  • Fique tranquila. O medo é o contrário do amor, todos sentimos. O importante é o que fazer com este medo. Aqui ou lá, ontem ou amanhã, o ser humano sempre terá suas questões, porém todas as respostas estão únicas e exclusivamente dentro de vicê. Siga sua intuição, corra pelo AMOR e NADA dará errado. Kiss

    • Obrigada pelo comentário Patrícia,

      Com certeza, o importante é o que fazer com esse medo e como buscar as respostas dentro de nós.

      bjs

  • Olá, Luiza!
    Que engrdo, açado.. sou daquelas que entra em blogs e não curto deixar comentários, sei lá, muitas vezes é preguiça mesmo. Mas essa matéria me prendeu, pegou no meu calo.
    Tô de partida para o meu primeiro intercâmbio. Já tô naquela fase em que não há como voltar atrás (já paguei o curso, larguei o trabalho, avisei todo mundo..). Sei que sempre dá, mas seria estupidez fazer isso a essa altura.
    Tô me cagando de medo, essa é a real. E não existir a possibilidade de voltar atrás me aterroriza mais ainda. (Quase) Tenho certeza que a experiência será gratificante, em dobro. No entanto, sair desse conforto (emocional, material e social..) vai ser uma luta. Espero cantar vitória depois!
    Parece bem pessimista o meu comentário, mas é um pequeno desabafo. Inclusive, valeu quem leu! E só pra registrar, eu não me arrependo mesmo assim!
    Obrigada!
    Luiza, parabéns pelo blog e post. Quase nenhum blog tem uma pegada mais humana. A maioria é "o que fazer em tal lugar por tais dias".
    Beijao!

    • Oi Mariana,

      Aqui pode desabafar quando quiser.
      Entendo demais seu medo. Vou te falar: quando você chegar lá ainda vai viver o choque cultural, a saudade e tudo mais.
      Mas calma: respira fundo e tenha paciência. Seja aberta e se permita viver coisas diferentes. Assim, tenho certeza que você vai cantar vitória depois!

      bjão

  • Fiz intercãmbio de 1 ano pra Barcelona e, nessa época no ano passado, vivia a minha crise de querer regressar ao Brasil. Não aguentava mais o frio, a chatice da faculdade de lá, ter amigos e familiares longe... mas aguentei, vivi ainda ótimos meses até o retorno em agosto. Foi o tempo certo. A vida aqui no Brasil tem estado ótima e ainda não to me coçando pra morar fora outra vez. Mas pra viajar, sim, isso tô sempre!

    • Oi Gabriel,

      Acho que mesmo quando a gente está assim meio insatisfeito, precisa encarar e completar os ciclos. Você provavelmente teria se arrependido de voltar antes do tempo. E agora pode desfrutar sua vida no Brasil com a tranquilidade de que viveu o que tinha para viver em Barcelona, né?

      E sim, viajar sempre hehe

      bjs

  • Me sinto exatamente assim... mas já coloquei na cabeça que quero voltar. Isso porque morar fora, viajar e experimentar o novo são coisas possíveis no futuro também. Não é porque voltaremos que não poderemos mais fazer essas coisas. Mas ficar ao lado das pessoas que amo enquanto ainda há tempo, não é algo que dê para voltar no tempo. Então por não querer me arrepender de algo no futuro, decidi que quero voltar. Mas cada um tem uma bagagem, uma história de vida e valores diferentes, então é uma decisão muito pessoal e difícil. Sei bem como é isso :) Bjos

    • Queria eu ter essa coragem Carol!
      Tem 9 anos sue moro fora do Brasil, saí para ficar 3 meses e a vida seguiu...Oportunidades surgiram e aqui estou longe de casa até hoje.Mas com essa mesma vontade de voltar.Esse mesmo dilema ir ou ficar!
      Me casei há poucos meses atrás e sinto me culpada por ter esses pensamentos, sinto que vou fazer meu marido infeliz e não tenho mais o direito de ir e deixá-lo agora. Certas decisões são difíceis em ser tomadas!
      Ando com muito medo, medo Do futuro e não consigo viver o hoje, o agora!
      Me identifiquei muito com esse post e com os comentários também.
      Boas decisões para vcs!

  • Dividida?? Sempre!! Vivo com essa eterna sensação de incompletude, de inadequação, de insatisfação. E devo confessar que não é a parte boa deasas palavras. Fico chateada quando as pessoas, otimistas que só, acham graça disso. Essa "insatisfação continuada" muitas vezes não me permite saborear as vitórias e as conquistas com a devida atenção e dedicação. Enfim, acabei escrevendo mais do que intencionava mas foi só pra dizer que vc não está sozinha!

    • Oi Larissa,

      Entendo demais seu sentimentos, afinal escrevi um post inteiro sobre isso nesse momento. Mas ao mesmo tempo, será que você não deveria repensar essa insatisfação que não te deixa saborear suas vitórias? Você já pensou em como poderia superar isso?

      bjs

  • Ahhhhh Luíza, e eu nem te conheço e gosto tanto de você! Você me encorajou a descobrir minha grande paixão: viajar! E como uma corrente, eu encorajo outras meninas a se jogarem no mundo também.
    Fico aqui torcendo, orando e mandando boas energias pra que você escolha o seu melhor "onde" :)
    Bjs

  • Eu sempre me sinto assim.. metade de mim quer ir, a outra metade quer ficar. Mas o importante é aproveitar ao máximo o local que vc está :)
    Amei sua tatuagem, maravilhosa!

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Publicado por
Luiza Antunes
Tags: Reflexões

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