Sem perder o pão-durismo, jamais

O melhor motivo para iniciar um jejum forçado é passar algumas horas num aeroporto. Não é nem pela qualidade da comida disponível, já que muitos aeroportos se tornaram verdadeiros shoppings, com de tudo um pouco. O problema está, claro, nos preços, que passam do limite do indecente. Acho que já chegamos no ponto ridículo em que pagar por alguma coisa do menu das companhias aéreas, quando estamos voando a milhares de metros de altura, pode sair mais barato do que fazer um lanche semelhante na sala de embarque.

Domingo à tarde, no Aeroporto de Santos Dumont, eu jejuei. Foi a reação natural para o cardápio de uma lanchonete vagabunda e que oferecia um pão de queijo médio por R$ 8. Oito reais por um salgado que certamente seria ruim, o famoso pão de queijo tipo pedra. Mas o preço do folhado de frango, um salgado que parecia ser ainda pior, dava um passo além: 10 vampirinhos. Um suco de latinha custava outros 10, já um refrigerante custaria oito. Encher a cara, o que poderia me ajudar a esquecer dos preços e meter a mão no bolso, também estava num nível inaceitável pra mim: cada long neck custava R$ 13. Voltei pra casa sóbrio, com fome, mas com a certeza de que eu não era um palhaço – ou pelo menos não tinha sido daquela vez.

Eu não tenho problema em pagar caro pelas coisas, veja bem. Não quero ser confundido com pão duro e só. Me irrita é pagar um valor bem além do justo por produtos e serviços questionáveis. Essa convicção, quase que uma cruzada pessoal contra os preços abusivos, já me fez fechar a cara, soltar um “vocês estão loucos” e ir embora do estabelecimento, logo depois de descobrir que uma empada de frango me custaria nove reais. Não pago de jeito nenhum, mas pagaria para ver a cara do comerciante, após a minha reação.

E que fique claro que os preços abusivos não existem só em aeroportos e nem são exclusividade do Rio. Dia desses, esperava meu ônibus na Rodoviária de Belo Horizonte, a.k.a, a pior do Brasil. O destino seria São Paulo, para onde eu iria por terra, você pode imaginar, porque as passagens de avião estavam impagáveis (ei, ABEAR, estamos de olho nessas passagens, que aumentaram 35,9% após a restrição das bagagens, hein!).

Na rodoviária de BH, paguei caro pelo pior hambúrguer que comi na vida. E até a loja de sucos e salgados do Terminal, a opção mais barata por ali, cobra um valor 50% acima do praticado, pelo mesmo tipo de lanchonete, em qualquer ponto da cidade. Sem opção, paguei. Era isso ou jejuar por 583 quilômetros. Deveria ter escolhido a segunda opção.

Em São Paulo a coisa piora, já que qualquer compra na Zona Oeste da cidade exige um número descomunal de dólares paulistanos. Um suco de laranja e um misto bem simplão, numa padaria, em Pinheiros, pode sair por quase vinte golpinhos – e aqui estou falando é do golpe dado contra o seu bolso, para deixar claro. Se fosse uma comida maravilhosa, um café da manhã inesquecível, então beleza, mas eu estou falando é do mesmo misto com suco que você pode pedir em qualquer boteco de esquina, inclusive em São Paulo, pela metade do preço.

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Só para comparar, na padaria perto da minha casa, em BH, hoje eu paguei R$ 6,90 por um misto (com queijo minas), um pão de queijo bom e um café com leite. Tudo bem que os preços sejam diferentes e acompanhem a realidade de cada cidade, mas precisa abusar, São Paulo? Viver na Zona Oeste da capital paulista é o equivalente a viver num aeroporto, mas sem a esperança de voar imediatamente dali para algum lugar mais barato.

A coisa piora em ambientes instagrameáveis. Há uns meses, estive numa lanchonete de São Paulo que é especialista em quiches. E que cobrou mais de R$ 30 pela combinação de quiche ruim com suco de garrafa. O ambiente do estabelecimento, que é decorado com guarda-chuvas coloridos, tem um monte de vasos com plantas legais e é pet friendly, chama mais atenção no TripAdvisor que a comida. E de foto em foto, de stories em stories, pagar trinta inomináveis por um refeição que deveria custar quinze se torna aceitável. Daquela vez, em que eu estava desavisado dos preços, paguei, mas ali eu não volto jamais.

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Pra mim, dar as costas e não pagar um preço abusivo por produtos, principalmente comida de qualidade duvidosa, é um ato de rebelião. Pode não dar resultado nenhum, mas pelo menos eu vou pra casa com a sensação de que taquei fogo no sistema e saí correndo. E gosto de pensar que faço parte de um movimento coletivo: gente anônima, de todos os cantos, que se recusa a meter a mão no bolso para pagar cinquenta reais num bolovo e dois chopps. Ou 12 num pão de queijo e um café. Somos a resistência. A luta. A última linha de defesa entre o mundo e os bares que desejam cobrar R$ 14 numa garrafa de Brahma.

Se um dia eu escrever uma carta para meu eu de 60 anos, eu diria: olha, você pode até ter melhorado muito de vida (pouco provável), pode até estar com um salário legal, mas espero que não esteja pagando preços abusivos por algo só porque você tem dinheiro, ok? Pode envelhecer, mas sem perder o pão-durismo, jamais.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Essa semana eu deixei de comer no aeroporto de Congonhas porque um Todinho estava custando R$ 7. Um absurdo. Dá para comprar uns 3.

  • Os aeroportos, em geral, pelo mundo todo, cobram preços inimagináveis. Mas a minha questão nem é o preço pelo preço, como disse o Rafael. É a qualidade questionável. Não gosto de nada, não é meu tipo de comida, detesto fast food. Há anos faço minha marmitinha e levo pro aeroporto. Se é um vôo internacional, levo um lanche reforçado para comer num horário de gente ;) e evitar aguardar para comer às 11 da noite no avião. Já entro alimentada, boto minha máscara, puxo meu cobertorzinho, tampo os ouvidos e durmo pra chegar feliz e descansada no dia seguinte. Fica a dica.

    • Confesso que meu pão-durismo me obriga a comer a comida de avião em voos internacionais, Kátia. hahaha

  • Hoje estou lendo melhor o seu blog, pois irei para Espanha e é IMPRESSIONANTE a maravilha que possui por aqui, mas voltando ao assunto da matéria, eu não pago de jeito nenhum os preços cobrados nos aeroportos. Podem rir, debochar e falar o que quiser de mim, passo no supermercado e compra tudo antes. É um assalto o que estão fazendo conosco consumidores.
    Finalizo parabenizando você e ficando mais feliz em saber que é belo-horizontino igual a mim. Ainda procurando adjetivos para o seu blog. Saúde e muitas viagens para você. Abraços!!!!

  • Rafael, faço parte desse grupo tb, serei sempre pão-dura para um sanduíche pão-duro. E n me venha dizer que o motivo é o alto custo do espaço. Um kg de pão, digamos de qualidade daria para fazer uns 10 mistos não? Enfim o que acredito que esteja acontecendo no caso de restaurantes e lanchonetes dê aeroportos e rodoviárias é o empresário querer se aproveitar da condição do usuário do estabelecimento, ou seja está viajando e precisa se alimentar. Um jogo do tipo 'ele precisa e vai pagar o que eu quiser'!

  • Eu moro na Alemanha, e numa das minhas idas de férias pro Brasil, me deu vontade de comer coxinha, enquanto aguardava meu voo pra Porto Alegre, em Guarulhos. Pedi uma coxinha, e achei o preço bem rasoável, 4,50. A moça do caixa perguntou se eu queria só uma. Achei estranho, porque eu ia querer mais que uma????, mas confirmei. Quando o pedido chegou, entendi a pergunta e o preço: a coxinha era minúscula. É rir pra não chorar.

    • Nossa, é até engraçado! hahaha

      Imagino você pagando R$ 4,50, mas chegando uma mini coxinha! Que coisa doida! Sem limite nenhum.

      Abraço.

  • Estamos juntos!! Já voltei com moeda de outro país, sem previsão de a ele retornar tão cedo, por me recusar a pagar mais do que o dobro do preço justo em um milkshake. Apenas como protesto.

  • Corretíssimo.... Minha última ida em confins levei meu lanche de casa. Comprei só o café, que já é um exagero de caro.

    • Sabe o pior? Confins é um dos aeroportos com opções mais baratas. O único que conheço em que um suco e um pão de queijo pode dar pouco mais de R$ 10, embora mesmo assim o preço esteja muito acima da média praticada na cidade, pelo mesmo tipo de lanchonete.

      Abraço.

  • Adorei o tom de indignação do post, é bem assim mesmo. Dá raiva. Por isso há uns dois anos e meio comecei a levar de casa alguma coisa pra comer no aeroporto ou durante o voo. Dá pra gastar metade do valor de um lanche do aeroporto comprando alguma coisa melhor e que alimenta mais de casa.

  • Concordo plenamente com você, Rafael. Não me importo de pagar caro por comida de boa qualidade, mas, ainda assim, há abuso no valor cobrado pelos lanches em aeroportos e outros lugares, como você mencionou. Faço parte dos pães-duros porque valorizo o meu dinheiro e gosto de comida boa.

    • Pois é, Celeida. Se é bom eu pago caro e não reclamo. Agora, por produto ou serviço ruim? Dou as costas e fico sem!

      Abraço.

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Rafael Sette Câmara

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