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Por que as pessoas insistem em tocar em objetos de museus

Alguns comportamentos humanos não têm explicação. A gente joga moedas numa fonte de 250 anos esperando que um desejo se realize. E acredita que passar a mão no focinho de uma estátua de javali ou beijar a tumba de um escritor famoso vai nos trazer sorte de alguma forma. Dentre esses comportamentos, o ato de tocar objetos de arte em museus, mesmo com um aviso ali para “não tocar”, nos parece inexplicável. Até mesmo quando nós mesmos nos pegamos fazendo, sem perceber, o “ato criminoso”.

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No Museu Britânico, em Londres, visitantes são oficialmente proibidos de tocarem em objetos expostos. No entanto, um dos atendentes do museu conta: “Você impede cem pessoas de tocarem e há duzentas outras vindo. É como tentar mover o mar”. Às vezes, o resultado do encontro entre as obras de arte e os seres humanos são desastrosos, como vocês podem conferir na lista no final deste texto.

Outras vezes, esses toques não autorizados parecem inofensivos. Um toque rápido, uma passada de mão, um beijo ou um encostar sem querer transfere gordura, calor, suor e sujeira para uma peça que pode ter milhares de anos de história, o que pode sim destruí-la a longo prazo. Esse processo de transformação é gradual e não vai colocar a pessoa numa notícia de jornal ou num hall da vergonha alheia. No máximo, vão parar num Tumblr, “People Touchin Art Works”, cujas imagens ilustram este post:

https://peopletouchingartworks.tumblr.com/post/168867043832

Quem visitava museus nos séculos 17 e 18 era permitido – e até encorajado – a tocar nas peças exibidas. Porém, no início do século 19, o toque começou a ser sistematicamente restrito. Essa se tornou a realidade dos museus até o século 20, quando os visitantes passaram a ser tratados como puros espectadores. Banir o toque veio como uma forma de preservar objetos não apenas raros, mas insubstituíveis. “Humanos são animais oleosos. Quando tocam em algo, eles carregam tanto uma parte do material quanto deixam para trás. Não tocar reflete numa preocupação com o bem comum”, explica Dominique Cordellier, chefe do Departamento de Artes Gráficas do museu do Louvre, numa entrevista para o jornal The Guardian.

Ao mesmo tempo, talvez por esse perfil, os museus passaram a ser vistos também como algo chato. E, nos anos mais recentes, essas instituições começaram a entender a necessidade de ir além do olhar: “Tocar é parte o desenvolvimento cognitivo. Dos cinco sentidos, o toque é o que permite o conhecimento mais preciso de um objeto. Nos ajuda a memorizar e engatilha emoções”, explica Cordellier. “Ao impedir visitantes de tocar, nos os privamos de uma forma de aprendizado e reduzimos uma obra a não mais do que uma imagem”.

uffizi em florenca para cegos

Experiências em museus para pessoas com deficiência visual

Fiona Candlin, professora de Museologia na História da Arte da Universidade de Londres, tem estudado o tema do toque não autorizado há décadas e publicou, em 2017, um artigo na revista científica “The Senses and Society” chamado “Reabilitando toques não autorizados ou por que visitantes de museus tocam nas exibições” (tradução livre).

A professora diz que existem poucas pesquisas sobre esse toque despretensioso e que ninguém consegue explicar muito bem. O trabalho dela foi observar esses comportamentos na galeria de esculturas do Museu Britânico – que, se você já teve a chance de visitar, tem diversas esculturas sem barreiras entre a exposição e o público. Ela entrevistou pessoas que viu tocando nos objetos e conversou também com os supervisores do museu, que observam as salas para tentar impedir comportamentos como esse.

https://peopletouchingartworks.tumblr.com/post/164407979722

Por que tocamos?

Para atendentes e supervisores da instituição, há uma lista de motivos que fazem as pessoas tocarem em obras de arte. Eles apontam, por exemplo, a sinalização e o design das galerias como um fator importante. Segundo eles, apesar de haver varias placas informando sobre não tocar, muitas vezes são pequenas, muito baixas e escritas somente em inglês, o que torna a proibição pouco clara.

 

Além disso, eles também explicam que muitas pessoas têm a curiosidade de saber se aquela obra é real. “Há visitantes que pensam que o museu é como o Madame Tussauds ou um parque temático”. Não há informações que deixem claro que aqueles objetos são reais. “As pessoas pensam que as obras são réplicas porque elas estão em exibição e são facilmente acessíveis, não estão atrás de um vidro, então não devem ser reais”, conta outro supervisor entrevistado pela professora.

https://peopletouchingartworks.tumblr.com/post/168867016662

Outros visitantes suspeitam ou reconhecem que não deveriam tocar e entendem a possibilidade de causar danos, mas insistem que foram cuidadosos. Quando questionada se havia tocado em algo, uma visitante disse à professora: “Sim, são todas coisas sólidas, como um sarcófago. É solido, feito para durar. Eu não consigo imaginar nada o destruindo”.

“Sentir a temperatura, textura e dureza da pedra ajuda a assumir que as esculturas numa exibição eram reais, mas geralmente esses objetos foram tocados porque os visitantes queriam saber mais sobre eles. Estavam interessados no material dos objetos, e nas qualidades que não podem ser percebidas pelo olhar, apenas. Ao comparar o peso, densidade ou irregularidades da pedra com a sua maciez ou nitidez do acabamento, os visitantes podem desenhar conclusões sobre a dificuldade da produção e o talento do artista e de como a obra foi feita”, conclui Candlin.

https://peopletouchingartworks.tumblr.com/post/164408182412

As pessoas também querem se conectar com o passado ou ter boa sorte

Hoje, a Pedra Rosetta – uma pedra coberta de hieróglifos e letras gregas, que ajudou a humanidade a desvendar os mistérios do antigo Egito – fica por trás de um vidro e há uma enorme quantidade de pessoas tentando se aproximar para tirar uma foto dela. Mas, antigamente, fazia parte das obras no Museu Britânico que estavam acessíveis. Os supervisores entrevistados por Candlin lembram-se dessa época: “As pessoas se inclinavam e tocavam… aquele objeto existe há tanto tempo, eles pensam que vão ganhar alguma sorte”. Essa sensação de estar tocando relíquias ou talismãs é repetida por vários entrevistados. “Adultos entendem que estão tocando e eles sentem uma conexão. É antigo, está ali, você leu sobre isso, está tocando a história”.

Um visitante pensou que tocar uma escultura de Sekhmet traria sorte e afirmou: “Eu a acariciei. Coloquei minha mão na cruz que ela estava segurando. Eu acho que dá sorte. Eu não sei porquê”.

senhoras tocando escultura sao pedro

Grupo de senhoras tocando a escultura de São Pedro na Basílica do Vaticano

Para Candlin, ao colocar a mão em esculturas, as pessoas perguntam-se quem mais tocou aquilo, quem trouxe o objeto para tão longe. E, muitas vezes, tentam fisicamente e imaginativamente habitar o local onde o artista ou usuário original existiu: “Esse sarcófago, a textura é incrível, muito macia, bem acabada. Eu não acho que um produto da IKEA vai estar assim depois de três mil anos. Foi cravada por um cara qualquer, esses hieróglifos, foi um homem comum que fez isso. É o elemento humano. Um cara sentou e cravou e você está apenas tentando entender isso”.

“Nem tudo é tocado da mesma forma”

As esculturas de animais recebem uma forma particular de atenção, com “visitantes dando tapinhas na cabeça de um enorme cavalo no mausoléu de Halikarnassos, acariciando a testa de um touro, passando a mão nos chifres de uma escultura egípcia de um carneiro ou tocando o nariz de pedra de vários animais”.

E as esculturas humanas também são tratadas de forma diferente, com pais colocando as crianças no colo de figuras sentadas, barrigas (malhadas ou gordinhas) atraindo atenção e mãos, braços e mãos esticados sendo “cumprimentados”. Isso, claro, além de estátuas tratadas de forma explicitamente sexual. Chegando ao ponto, comenta a autora, de uma estátua romana de Afrodite ter que ser colocada atrás de um vidro porque as pessoas continuamente batiam no seu traseiro de mármore.

https://peopletouchingartworks.tumblr.com/post/164408121292

Segundo Cadlin, para os visitantes, tocar nas esculturas de animais e humanos tem uma dinâmica diferente de exibições arquitetônicas e históricas, como colunas ou sarcófagos. “Não tem a ver com a conexão com o passado, ou entender como as peças foram esculpidas. Tem a ver com entender essas figuras como quase homem, mulher ou animal de pedra, prontas para ganharem vida”.

Geralmente, visitantes fizeram comentários como “não serem capazes de se impedir de tocar” uma coisa ou “estava pedindo para ser tocada”. Esse é um processo de criar desculpas, explica a professora, creditando às obras sua habilidade de atrair ou demandar toque. O ímpeto de tocar é entendido como se viesse do objeto. Um mulher disse:  “Eu toquei o pênis daquele homem.., só porque ninguém mais o faz. É porque eu não deveria, é o mesmo com mamilos. É sexual e você supostamente não deveria. Ele não é terrivelmente bem dotado. Eu acho que é uma bravata, especialmente por ser uma mulher tocando.”

Logo, conclui Candlin, que além de tocar para se conectar com o objeto e com o passado, as pessoas também tocam para fazer piadas, brincar e imaginar. “São padrões de toque que demonstram a agência dos visitantes. Eles encontram formas de aprender que não foram pré-selecionadas pelo museu e que não seguem o script convencional de visita. Eles descobrem prazer não-racional e também racional nas lacunas onde as regras falham ou são ignoradas. E eles experienciam os objetos em formas que estão fora ou excedem a agenda explícita da instituição: são afetivos, eróticos, bobos ou humorísticos”

https://peopletouchingartworks.tumblr.com/post/168006992847

Mudando os museus e reabilitando o toque

São pequenos gestos que facilmente passam despercebidos: um dedo seguindo uma linha de hieróglifo ou uma superfície quebrada. Mãos dando tapinhas em cabeças ou acariciando gentilmente joelhos. “Porem, como conservadores sabem, essas ações cumulativamente se adicionam não somente em camadas de gordura ou manchas de desgaste, mas numa versão mudada do museu”, afirma Fiona.

Para a professora, investigar o toque não autorizado também leva a uma reavaliação dos visitantes do museu. “É fácil descartar o toque discreto como um exemplo de vandalismo menor, de ignorância. No entanto, em uma análise mais atenta, fica claro que comportamentos táteis não autorizados não são necessariamente um produto de desobediência.

Longe de serem vândalos, os visitantes com inclinações táteis estão ansiosos para aprender e querem se sentir conectados com os povos e lugares do passado. Eles encontram as exibições através da lente do mito e dos filmes, brincam, dão saltos imaginativos e são tão cativados pelas esculturas que se abraçam com braços esculpidos ou acariciam cobras de pedra”.

Os terríveis casos de encontro entre arte e pessoas

Não é de toques sutis que são feitas as manchetes de jornais. São aquelas pessoas que passam da conta e da noção que nos lembram que talvez os cartazes de “não toque” deveriam ser mais respeitados. Alguns casos emblemáticos dos últimos tempos:

– No Melbourne Museum, na Austrália, uma pessoa cagou numa instalação sobre uma favela do século 19;

– Um menino de 12 anos tropeçou e aterrisou numa pintura do século 17, furando o quadro e jogando refrigerante na obra;

– Uma estátua de Dom Sebastião, na estação do Rossio, em Lisboa, foi destruída por um homem que subiu num pedestal para tentar tirar uma selfie;

– Os pais incentivaram duas crianças a interagirem com uma escultura no Museu de Vidro, em Xangai, enquanto os adultos fotografavam a cena – uma delas puxou a escultura da parede, quebrando a peça.

– Uma senhora de 91 anos completou com uma caneta uma obra de arte moderna, em formato de palavra cruzada. Avaliada em 80 mil euros, a peça de 1977 tinha os dizeres “insira palavras”. A mulher entendeu como um convite.

– Um casal mexeu sem parar num relógio no Museu Nacional do Relógio, nos Estados Unidos, até que a peça caiu no chão e quebrou.

– Dois garotos usaram um objeto pontiagudo para traçar com mais força um entalhamento numa pedra de cinco mil anos, na Noruega. O objetivo dos dois era “consertar” e tornar o desenho mais visível.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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8 comentários sobre o texto “Por que as pessoas insistem em tocar em objetos de museus

  1. Eu fui com meu sobrinho ao Masp quando ele tinha sete anos de idade e, como historiadora e tia, disse-lhe tudo o que podia e não podia fazer. Ele foi muito empolgado pois, amava História e Arte por minha causa e por causa de minha irmã que é formada em Educação Artística. Quando chegou lá viu a obra “As tentações de santo Antão” de c. 1500 de Hieronymus Bosch, e intrigado com as figuras grotescas que haviam na tela me perguntou: “O que é isso aqui, tia?” Apontando com o dedinho à quase um metro da tela e eu respondi: “São criaturas demoníacas da imaginação do pintor.” Neste instante apareceu um guardinha que deve ter sido treinafo pelo Hitler e gritou com meu sobrinho para não tirar na tela detalhe havia mais de vinte pessoas lá vendo essa obra. Falei com ele porque havia gritado com meu sobrinho se havia mais pessoas lá apontando e maus próximas da tela que ele? Ele deu uma de “guarda da realeza britânica” e não me respondeu. Fui com meu sobrinho chorando até a recepção e fiz uma reclamação formal. Depois ainda tentei distraí-lo pra não tornar a sua experiência assim tão ruim. Mas já era tarde. Ele estava traumatizado e disse que odiava tudo de História e Arte que não era nada legal e que nunca mais iria a um museu. A extrema falta de preparo de funcionários, a falta de estrutura de segurança das obras de arte antiquíssima como essa e outras lá,como um sarcófago romano do século III d.c. em mármore totalmente desprotegidos, nos faz questionar se realmente não seria melhor estarem todas numa redoma de vidro blindado? Se é para gritarem com as pessoas ou ficarem rindo delas e ridicularizando-as as obras deveriam ser melhor protegidas, já que a educação não chega a todas as escolas sobre um material provindo de escavações arqueológicas ou históricos. Já vi muitas pessoas na TV colocando as mãos sobre artefatos arqueológicos sem luvas ou máscaras. E o grande público entende que possa fazer o mesmo. Os danos à esses artefatos deveriam ser crime por serem tão valiosos e essas pessoas deveriam pagar por isso só assim parariam de mexer nas obras. Contudo, abuso de autoridade com um menor de idade que nem estava fazendo algo errado, deveria também ser punido pelas autoridades que deveriam ser competentes. O quê, no meu caso não ocorreu. Vieram com aquela conversa de “acalmar” o cliente dizendo que ele “tem toda a razão”, que “providências seriam tomadas”, o que nunca aconteceu. Como costumamos dizer aqui: “foi só pra inglês ver”. O rapaz continuou na mesma função e pelo que percebi continuou fazendo errado. Pois, voltei na semana seguinte só pra ver e outras pessoas estavam reclamando do mesmo funcionário. Protejam as obras ou coloquem mais funcionários!!!!

    1. Que história triste Carla. Espero que seu sobrinho consiga superar a aversão a museus. Infelizmente, maus funcionários existem em qualquer lugar.

  2. Meu irmão é um “tico” ansioso e não deu conta de ficar no British Museum por causa das pessoas encostando nas obras ? Ele ficou numa agonia, tadinho

  3. Muito interessante saber que há estudos sobre este comportamento. Confesso que tenho que andar com as mãos pra trás algumas vezes em museus, porque é tão automático e instintivo tocar o que me agrada, como abraçar uma pessoa de quem gostamos ou acariciar o tronco de uma árvore muito antiga e cheia de texturas. Racionalmente eu sei o quanto o toque pode danificar, mas muitas vezes estamos envolvidos emocionalmente numa exposição e aí é que mora o perigo. Mãos ao alto!

    1. hhahhaah entendo demais. É muito interessante perceber como o toque é uma coisa tão instintiva que não percebemos que estamos fazendo até estar lá com a mão onde não devia

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