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Guia do cadeirante viajante: as duas rodas que rodam o mundo

“O mundo ainda não entendeu que as pessoas com deficiência também são consumidoras. O mundo tem a ideia de que essas pessoas não saem, não têm vida ativa, que só ficam em casa sofrendo. Isso resulta numa falta de preparo, de serviços”, conta Michele Simões, estilista que sofreu um acidente de carro em 2006, quebrou a coluna e desde então é cadeirante. Ela é a autora do blog “Guia do cadeirante viajante“.

Mas o acidente, ela insiste, não a define. O que a define? O amor pelo desconhecido, por desbravar o planeta e poder provar do que ela é capaz.

Segundo dados do IBGE em parceria com o Ministério da Saúde, 6,2% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, seja ela auditiva, visual, física ou intelectual. Deste total, 1,3% tem algum tipo de deficiência física. O direito de ir e vir, antes mesmo de estar previsto na Constituição, é um direito moral de todos. Mas se viajar requer planejamento para qualquer um, para quem necessita de algum tipo de atendimento especial isso precisa ser redobrado.

Como planejar, o que reservar, onde procurar por um serviço que seja adequado às necessidades de um cadeirante? Não é fácil encontrar esse tipo de informação. E, pensando em uma forma de ajudar a quebrar essa barreira e colocar todo mundo na estrada, Michele criou o blog Guia do viajante Cadeirante”. Nele, além das fotos lindas e encorajadoras, ela explica alguns passeios, fala sobre as situações vivenciadas e as dicas para fugir das ciladas.

Em Buenos Aires, a primeira viagem de Michele como cadeirante, a experiência não foi das melhores. A cidade não era adaptada. E, mesmo com a sempre presente ajuda do marido, as coisas não foram fáceis. São degraus, portas estreitas e outros perrengues que complicam, e muito, a vida de quem tem dificuldade de acessibilidade.

Mas não foi essa pedra no caminho que a impediu de retomar um velho sonho: fazer um intercâmbio. A estilista precisava descobrir quais são as limitações dela e quais as limitações que o mundo impõe a ela. O local escolhido para essa aventura foi Boston, o lugar que ela achou que estivesse mais acessível. Foi lá também que o estigma de entender que a deficiência não é um problema foi desmistificado.

Alguns anos depois, outros locais já foram acrescentados na lista. Teve Santiago, Londres, Barcelona e Paris. Na capital francesa, ela até chegou a andar de scooter pelas ruas, sozinha. Tudo muito bem planejado, é claro. Em toda viagem, ela busca fazer uma coisa inusitada e que possa reafirmar que a condição dela não a limita.

O mundo é logo ali

Pensar em uma forma de integrar quem tem necessidades especiais é um desafio para toda a sociedade. De Paris ao interior do Brasil. Os destinos turísticos precisam entender e adequar seus serviços para que sejam capazes de atender uma pessoa que tem mobilidade reduzida ou fornecer informações e roteiros que possam despertar interesse em um deficiente visual, por exemplo.

“Tudo isso é muito escasso. Não produzem material pra gente por conta dessa ideia de que as pessoas não têm dinheiro e não podem ou querem viajar. Existem muitos pré-conceitos”, afirma Michele. Para ela, falta mais investimento no assunto.

A ideia do Guia do Viajante Cadeirante é trazer a realidade um pouco mais pra perto de quem quer viajar e se vê desamparado e sem informações precisas, que ela não encontrava na mídia. Suas andanças, além de encorajar outras pessoas, servem de material para informar os mais receosos.

Quem procura o projeto tem das mais variadas dúvidas: como é a viagem de avião? Como é tomar um banho fora de casa? Para quem tem essa dúvida, por exemplo, ela conta que leva a própria cadeira de banho para todos os lugares que ela viaja.

No blog, Michele também conta que, apesar dos pontos turísticos, em sua grande maioria, já estarem adaptados, os hotéis são sempre um problema. “Falam que tem acessibilidade, mas na hora do check-in a história é outra”. Simões já deixou de visitar Roma por não conseguir encontrar um hotel que comprovasse que fosse adaptado e que atendesse às suas necessidades.

 

Sim, nós podemos!

“É preciso ir para as ruas e ocupar os espaços.” Pois só assim, acredita, eles mostrarão que têm sim interesse, que consomem e que precisam ser atendidos. Para Michele e o “Guia do Viajante Cadeirante”, é preciso fazer o próprio caminho, pois provavelmente quem construiu o caminho existente não tinha deficiência.

E quanto a novos destinos? Ah, tem um monte! Alemanha, Holanda, o mundo! Quando a agenda der, ela coloca as rodinhas de sua cadeira pra rodarem por aí!

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Se quiser acompanhar o que nós já fizemos, veja o que já postamos:

#1 – Um intercâmbio feminista que arrecadou 12 mil reais
#2- Black Bird: por um mundo com mais viajantes e destinos negros
#3- Antropologia Visual: olhar para o diferente e enxergar o semelhante
#4- Oficina Shanti: Os tecidos que mudaram uma vida

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Fernanda Pádua

Tenho BH como meu ponto de partida e o meu porto seguro. Entrei pela primeira vez em um estádio de futebol aos 10 anos e ali descobri que queria ser jornalista. 20 anos depois, me tornei repórter esportiva e viajante nas horas vagas. Fiz intercâmbio na Irlanda em 2016/2017, pra estudar inglês. Tenho um objetivo de visitar todos os estados brasileiros e metade dos países do mundo e já percorri boa parte do trajeto, mas várias histórias e paisagens legais ainda estão por vir.

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Fernanda Pádua
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