Açaí, a comida de todos os dias no Pará

Esqueça aquela pasta gelada, coberta por frutas e granola, comum em todo o Brasil – e que, sou o primeiro a concordar, é fantástica. Na Amazônia, terra do açaí, o fruto é consumido de forma diferente. E, garantem os paraenses, o modo amazônico é muito melhor.

O açaí é onipresente em Belém. A cada esquina há uma loja especializada no produto, que está em todos os momentos da vida local. Pode ser no café da manhã, servido com açúcar e farinha. Pode ser no almoço, junto com um prato enorme de peixe frito. O açaí, me explicaram os paraenses, é quase o feijão do povo amazônico. Ou mais que isso. “Chegou ao Pará, parou; tomou açaí, ficou”, diz um provérbio local que virou música.

Uma verdade inegável. O Pará conquista pela boca ao apresentar ao viajante sabores e gostos novos, experiências gastronômicas únicas. Amazônicas.  E se a comida é o principal traço cultural do Pará, o açaí é seu fruto emblemático.

Veja também: Onde ficar em Belém do Pará

É assim há séculos. Diz a lenda que o açaí foi descoberto por uma tribo indígena que vivia na região de Belém, antes da cidade nascer. Com dificuldade de alimentar os membros da tribo, o cacique determinou que todas as crianças que nascessem deveriam ser sacrificadas, diminuindo a quantidade de estômagos para alimentar.

E foi assim por algum tempo, até que a filha do cacique ficou grávida. O bebê também foi sacrificado, gerando uma tristeza enorme na mãe, que chorou por dias, até ouvir um choro de bebê em resposta. O barulho de criança vinha de uma palmeira repleta de frutos negros. Assim os índios descobriram o açaí e a tribo passou a ter alimento suficiente.

Os portugueses chegaram, o choque de culturas aconteceu e muita coisa mudou. Menos o açaí, que permaneceu com lugar cativo em todas as mesas do Pará. Para você ter uma ideia, uma grande área ao lado do Ver-o-Peso, o porto mais antigo da cidade, é dedicada somente para o desembarque do açaí.

O lugar é movimentadíssimo, com os barcos começando a chegar lá por volta da 1h – o horário de pico é às 4h30 da matina. Se você tiver força de vontade para acordar cedo, pegue um táxi e corra para testemunhar o desembarque do açaí.

Veja também: Um país chamado Pará

Mas voltemos a falar dos sabores: meu primeiro contato com o açaí à moda do Pará foi numa das inúmeras lojas especializadas que existem em Belém. A Cândida, leitora e amiga que me acompanhou por um tour em Belém, fez questão que eu provasse um copo com o suco do fruto, logo depois que ele é moído. Ao contrário da versão vendida em outras partes do Brasil, não há uma overdose se açúcar – quem escolhe o ponto e adoça o produto é você.

Depois, provei o açaí com farinha na casa da Cândida. Diferenças? O produto não está congelado. Acostumado que estou com aquele impacto gelado na boca, colherada a colherada, isso parece estranho num primeiro momento. Mas não dá pra negar que o açaí, que ali está mais fresco, é bem mais saboroso.

Agora, o desafio mesmo está na hora do almoço, no Ver-o-Peso. Todos os dias, milhares de paraenses vão até lá para comer o prato típico local: peixe frito com açaí. Paguei cerca de R$ 10 pela minha porção, preço mais que justo. Para quem estava acostumado a pensar no açaí como um sinônimo para sorvete, essa combinação parece estranha. No fim, eu gostei e recomendo a experiência, mas tenho que admitir que meu paladar prefere o açaí sem peixe.

E de sobremesa? No Pará, o açaí pode quase tudo, então é lógico que poderia ser sorvete também. Basta correr para uma das lojas da Cairu. Doce, líquido ou gelado, com açúcar ou peixe frito, uma coisa é certa: depois de ir ao Pará, você nunca mais pensará no açaí da mesma forma.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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