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Atlas: Berlim, Alemanha

Como era a vida num bunker em Berlim, durante a Segunda Guerra Mundial

O barulho do metrô passando lembra o som que os aviões faziam quando estavam bombardeando a cidade. Estamos embaixo da terra, mas acima das linhas do UBahn, em Berlim. Havíamos acabado de entrar por uma portinha verde, que milhares de pessoas ignoram na descida para a estação U Gesundbrunnen. E ali estávamos, prestes a entrar num dos abrigos construídos durante a Segunda Guerra Mundial para tentar proteger a população dos bombardeios que destruíram boa parte de Berlim a partir de 1943.

“Vocês vão me ouvir dizer a palavra bunker muitas vezes durante o tour, mas esse lugar onde estamos não era um bunker, era um abrigo anti-aéreo de emergência”, explicou a nossa guia, Anna Bjerre, no início do tour chamado “Dark Worlds”. Ela disse que usa a palavra bunker porque é mais curta e fácil de explicar. Na verdade, o espaço não a prova de bombas. Isso era uma tarefa para os verdadeiros bunkers, que nem eram subterrâneos, mas torres, espalhadas pela cidade – tentaram destruí-las após a guerra, “mas é difícil destruir com bombas um prédio antibombas”, brinca Anna. Um desses abrigos está ali por perto, a Flak Tour, no parque em Gesundbrunnen.

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A primeira parada do passeio é um corredor onde ficavam os banheiros e hoje há uma representação de como era no passado. Ali, não havia cubículos. A guia nos explicou que, num abrigo lotado, eram o único espaço onde as pessoas poderiam ter alguma privacidade e, por isso, as mulheres usavam os banheiros para se matar. Para tentar contornar a situação, os nazistas mandaram retirar os cubículos, fizeram apenas 46 vasos (de forma que sempre haveria fila e gente esperando para entrar) e colocaram cortinas ao invés de portas. E, segundo disse Anna, é assim que se diferencia um bunker da Segunda Guerra Mundial de um da Guerra Fria.

(CC BY-NC-ND 3.0) 2001 eku interactive, Berlin:Bad Homburg. Photographer: Frieder Salm 4

Continuamos para a próxima sala e Anna nos avisou para não tocar nas paredes. Aquela era uma sala especial, o quarto dos seguranças, pessoas que cuidavam dos bunkers e garantiam que tudo correria bem. Ali havia uma saída de emergência. Se a luz acabasse no abrigo, era importante que essas pessoas ainda pudessem fazer o seu trabalho. Por isso, as paredes eram pintadas com uma tinta fosforescente. Apesar de ser tóxica, a tinta fazia com que o cômodo ficasse iluminado por pelo menos 30 minutos e também era utilizada em portas e avisos.

Grandes abrigos antiaéreos ou bunkers eram públicos e pensados para receber milhares de pessoas. Já os altos oficiais nazistas tinham seus próprios espaços de proteção. Espalhados pela cidade, havia placas que informavam o tempo que levaria para chegar no abrigo mais próximo. Depois que as sirenes de aviso começassem a soar, as pessoas tinham cerca de 20 minutos para encontrar um abrigo. A informação em quilômetros ou metros não seria tão precisa quanto em minutos.

A questão é que não era permitido passar a noite toda lá dentro. No máximo, uma hora. O ar dentro dos abrigos era limitado. Com a quantidade de pessoas lá dentro e portas de metal selando os espaços, em pouco tempo o oxigênio se esgotava. A forma de garantir que não iriam morrer sufocados era acendendo velas: a primeira, a nível do chão. Quando essa se apagava, acendiam uma numa altura média. A última a ser acesa ficava mais no alto. Quando ela apagava, era hora de evacuar o subsolo.

Em algumas noites, os berlinenses tinham que ir para os abrigos várias vezes. É que os ingleses concluíram com o tempo que não precisavam necessariamente voar até Berlim. Voavam até a cidade vizinha, que era o que fazia o alarme soar, e voltavam. Assim para os moradores, parecia que ocorriam mais ataques do que a realidade. O objetivo era gerar medo e diminuir a moral dos alemães perante a guerra.

(CC BY-NC-ND 3.0) 2001 eku interactive, Berlin:Bad Homburg. Photographer: Frieder Salm 2

Quando as sirenes soavam, a qualquer hora do dia ou da noite, era preciso pegar a mala e correr para o abrigo mais próximo. As pessoas dormiam com a mala pronta embaixo da cama. Anna nos explicou que traziam consigo documentos, joias, casacos e itens de valor em geral, visto que a casa poderia ser roubada enquanto todo mundo saía para se proteger. O item mais importante, porém, era o “Bunker Passport“. Ou seja, só podiam ir para os abrigos quem os nazis consideravam realmente “alemães”. Judeus, homossexuais, comunistas, pobres, ciganos e basicamente qualquer pessoa que eles consideravam que não se encaixava nos padrões ficava de fora.

Outra curiosidade macabra da vida nesses lugares é que havia uma ordem de silêncio. Em tese, era porque as pessoas tinham medo de espiões. Na realidade, era objetivo do partido nazista que as pessoas naquele estado de pavor não falassem nem contassem histórias tristes, pois isso poderia levar a críticas ao partido e à guerra e até mesmo a uma revolução.

O bunker de Hitler

Qualquer tour por Berlim te mostra a localização do bunker no qual dizem que Hitler se matou. Para evitar que esse se tornasse um lugar importante para nazistas, o espaço, que fica abaixo dos jardins dos prédios ministeriais, foi transformado num estacionamento: “o estacionamento mais visitado do mundo”, brincou Anna.

Ela passou a nos explicar que muitas pessoas se confundem com o que existiu ali. Na verdade, disse ela, naquela área havia vários bunkers separados, de outros funcionários de alta patente do partido nazista e também os bunkers dos guardas da SS. Hoje, explica Anna, fizeram uma placa nesse lugar, com uma espécie de mapa contando a história. Esses bunkers da SS ficavam entre as divisões do muro de Berlim, por isso, foram revistados pela Stasi, a polícia secreta russa, e selados.

No abrigo que visitávamos, algumas peças de decoração e mobília que ficavam no bunker da SS estão expostas em uma sala. O que mais me chamou a atenção foram os quadros com pinturas que os mostravam como super-heróis salvando mocinhas indefesas.

As bombas que ainda atormentam Berlim

Quando entramos numa sala do abrigo dedicada às bombas que um dia choveram na Alemanha, nossa guia disse: “Pelo menos uma vez por mês encontram uma bomba na cidade. Acredita-se que ainda existam três mil bombas abaixo de Berlim. Não consigo imaginar o que seria dessa cidade se acontecesse um terremoto”.

O problema é que, no desespero pela reconstrução da cidade do pós-guerra, os alemães apenas ergueram as casas e prédios sem checar nos subsolos. A última vez que alguém morreu foi em 1994, quando dois operários de construção que trabalhavam num estacionamento num subsolo foram atingidos.

Hoje, há mais cuidados e melhores tecnologias para checar a presença de bombas antes de realizar obras. E são frequentes os casos de desvio de trens ou evacuação na cidade para desativar uma bomba da Segunda Guerra. Este mês, cerca de 12 mil pessoas foram evacuadas por conta de uma bomba enorme encontrada bem perto da principal estação de trem na cidade.

As estações de trem que deixaram de existir em Berlim durante a Guerra Fria

No dia 9 de novembro de 1989, após uma confusa conferência de imprensa, o porta-voz do Partido Socialista Unificado da Alemanhã, Günter Schabowski, afirmou que, a partir daquele momento, seria permitido viajar entre os dois lados do Muro de Berlim. Não tardou para que as primeiras pessoas começassem a se aglomerar no check point em frente à ponte Bösebrücke, na Bornholmer Strasse, exigindo passagem do lado oriental para o ocidental. O coronel Harald Jäger guardava, naquele momento, o posto de segurança sozinho. Tentou, sem sucesso, pedir informações para seus superiores, mas só recebeu ordens confusas. Frustrado e incapaz de conter o povo, ele simplesmente abriu os portões e liberou a passagem.

Eu podia ver essa ponte e a avenida Bornholmer da janela do apartamento que me abrigou por cinco semanas em Berlim. Minhas anfitriãs eram alemãs bem jovens, cujas famílias viveram do lado leste do muro, a RDA (sigla para República Democrática Alemã), ou setor soviético. Segundo elas, a estação que hoje conhecemos como S-Bornholmer Str. era antes dividida: uma das linhas ia por baixo da terra e a outra por cima, tudo para que as divisões criadas com muro fossem respeitadas. Essa era uma das Geisterbahnhof, o nome alemão para as chamadas estações-fantasma.

placa estação metro berlim
Crédito foto: Von Deror avi – Eigenes Werk

Segundo meu amigo Felipe, um aficionado por história, autor do blog Fotostrasse e que mora há seis anos em Berlim, uma forma fácil de identificar qual era o lado comunista e qual era o lado capitalista da cidade é reparar no mapa de transporte público.

O mapa de trams é muito mais elaborado de um lado da cidade. Isso porque, segundo o Felipe explicou, os soviéticos preferiram investir nesse tipo de transporte, que era mais barato e simples de executar. Já do lado ocidental, houve mais investimento em estações e linhas de metrô.

Além disso, diversas estações que existiam pré-muro começavam na área ocidental, passavam pela oriental, e continuavam para a área ocidental. O que acontecia se você estivesse nesse metrô? Na linha S, por exemplo, você ouviria um “Última parada em West Berlin”, ao passar pela Gesundbrunnen. Então, o trem seguiria em velocidade mais baixa, passando por uma ou várias estações-fantasma pouco iluminadas, com vislumbres de guardas armados da Alemanha Oriental, alguns dentro de proteções e concreto.

Nos mapas do metrô da Berlim Ocidental, as tais estações-fantasmas eram marcadas com “Bahnhöfe, auf denen die Züge nicht halten” ou seja, “estações onde os trens não param”. Já para quem estava do lado oriental, os mapas não mostram a existência das linhas ocidentais ou as estações-fantasma. Era como se aqueles lugares nunca tivessem existido. As entradas e escadas foram seladas com concreto e as placas removidas.

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Entrada de uma das estações-fantasma, U Bahn Stadtmitte. Foto: Von Frits Wiarda – Eigenes Werk, CC BY-SA 3.0

Três linhas foram cortadas dessa forma: a U6, U8 e o túnel Nord-Sud da S-Bahn.  Com isso, várias estações de S e U em Berlim que hoje são muito movimentadas eram estações-fantasmas até 1989 – Potzdammer Platz, Alexander Platz, Nordbahnhof. Havia, porém, uma anomalia. Bem no meio do território soviético ficava uma estação que não adquiriu o status de fantasma. Era Friedrichstrasse, também conhecida como o Palácio das Lágrimas (Tränenpalast).

Como a Friedrichstraße não só era uma estação de metrô, mas também de trem, esse era um lugar onde várias linhas que passavam pela Berlim ocidental se cruzavam na Berlim soviética. Com isso, a RDA construiu, em 1962, um posto de fronteira do hall da estação de trem e passou a controlar passaportes e vistos de quem queria viajar para a Berlim do ocidente por S-Bahn ou U-Bahn.

Um elaborado labirinto de barreiras e seguranças separava dois mundos, para evitar as frequentes tentativas de fuga. Era por ali que os cidadãos da Berlim ocidental poderiam cruzar para visitar parentes que viviam do outro lado. O nome Palácio das Lágrimas explica bem a emoção das despedidas. Estima-se também que espiões infiltrados de ambos os lados usavam a estação como ponto de acesso, e que membros do partido comunista podiam passar por ali sem revista ou sem ter a visita documentada.

24 horas depois que o Coronel Jäger abriu os portões da Bornholmer Strasse, outros seis check points da cidade passaram a liberar a passagem. A primeira estação-fantasma que foi reaberta ao público foi Jannowitzbrücke, em 11 de novembro de 1989, dois dias depois da queda da muro. Porém, ainda havia uma check point ali que funcionava como alfândega e controle de fronteira da RDA.

Quando essas estações-fantasmas foram reabertas, ainda havia nelas sinalizações dos anos 1940 e 1950. Hoje, quase 30 anos depois da queda do Muro de Berlim, é impossível distingui-las por seu valor histórico, salvo por algumas exposições gratuitas.

Como fazer um tour pelos subsolos históricos e estações fantasmas de Berlim

(CC BY-NC-ND 3.0) 2001 eku interactive, Berlin:Bad Homburg. Photographer: Frieder Salm 3

O tour que eu fiz, o Dark World, é organizado por uma associação sem fins lucrativos chamada Berlin Underworlds Association ou Berliner Unterwelten e.V. Além do tour pelos abrigos da Segunda Guerra, eles também oferecem outros três tipos de passeio: pelos Bunkers da Guerra Fria, pelos túneis abaixo do Muro de Berlim e um pelas ruínas de uma das torres de segurança construídas pelo partido nazista (esse só ocorre de abril a outubro).

Todos os passeios são guiados e ocorrem em diferentes horários, em inglês, espanhol ou alemão.

No site da associação, basta clicar nas datas do calendário para ver os tipos de tour, horários e idiomas disponíveis. Não é necessário comprar com antecedência, basta ir até o escritório, que fica logo ao lado da entrada da estação U Gesundbrunnen e em frente ao supermercado Kaufland. O valor dos passeios é de €12 a €15.

Na estação de Friedrichstrasse fica um museu sobre o Palácio das Lágrimas. A exposição gratuita tem áudios, videos, fotos e textos sobre o período que vai de 1961 a 1989.

*Crédito das Imagens: Frieder Salm (CC BY-NC-ND 3.0) 2001 eku interactive, Berlin:Bad Homburg

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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