Cuju, o jogo chinês que deu origem ao futebol

Esqueça as regras que você conhece. O jogo aqui tem 12 jogadores, uma bola, uma rede como alvo e as pernas e pés como ferramentas. Um público que torcia fervorosamente e acompanhava os jogadores. Não estou falando do futebol que acompanhamos hoje, inventado na Inglaterra, no século 19. O esporte em questão é um futebol arcaico, de quase dois mil anos. A paixão em ver outro humano correndo e chutando uma bola é muito mais antiga do que o futebol moderno – e a prova disso está na China.

O nome era Cuju, ou Tsu’ Chu, melhor traduzido como “chutar bola”. A primeira vez que ouvi falar sobre o esporte antigo foi na visita que fiz ao Museu Nacional do Futebol, em Manchester, Inglaterra. Eles fizeram uma parceria com o Museu do Futebol de Linzi, na China, expondo pequenas estátuas de figuras gordinhas que demonstravam os movimentos e habilidades dos jogadores de cuju.

Em 2004, a FIFA reconheceu o jogo como a mais antiga forma de jogar futebol. Eles fizeram uma extensa pesquisa e encontraram evidências científicas sobre o jogo desde os séculos 2 e 3 antes de Cristo. O cuju surgiu durante a Dinastia Han (206 a.C a 220 d.C), como uma forma competitiva para o treinamento dos militares. Mas em cidades ricas como Linzi, tornou-se também uma forma de diversão das cortes reais.

Os jogadores não podiam chutar a bola para o gol sem impedimento e tinham que usar os pés, peitos, costas e ombros, mas nunca as mãos. O Imperador Han Wu Di gostava tanto do esporte que começou a estabelecer as regras oficiais e partidas eram realizadas dentro do palácio real. Segundo a revista Macau, há um livro chamado Ju Cheng Ming da Dinastia Han do Leste em que são descritas algumas dessas regras para o cuju:

“Bolas redondas e paredes quadradas como o yin e yang; balizas em forma de lua opostas; cada lado tem seis, igual em número; seleciona os capitães e aponta o árbitro; baseado em imutáveis regulamentos; não considera família e amigos; não satisfaz a parcialidade; mantém justiça e paz. Se tudo isto é necessário para regular o jogo, quanto mais é preciso para direcionar a nossa vida.”

Na Dinastia Tang (618-907) veio o aperfeiçoamento. A bola, antes preenchida com penas, passou a ser de ar. O exército imperial formava times para divertir o imperador e a corte. Também surgiram equipes femininas de cuju: há inclusive, relatos de uma menina de 17 anos que surpreendeu e venceu um time de soldados.

Mas o esporte saiu dos palácios e mansões para as ruas e o povo durante a Dinastia Song (960-1279). A China florescia econômica e socialmente e o cuju se popularizou entre todas as classes sociais. Foi nessa época que surgiram jogadores profissionais que eram idolatrados pelos torcedores.

Foram criados os primeiros clubes profissionais que levavam o nome de cidades, como Qi Yun She ou Yuan She. Amadores que tentavam entrar nos clubes precisavam pagar uma taxa e escolher um profissional para ser seu tutor.

Com a chegada de uma dinastia mongol, o cuju perdeu espaço para outros esportes preferidos pela nobreza. Em meados da Dinastia Qing, sumiu do cotidiano chinês. Hoje em dia, ainda é praticado com as regras tradicionais apenas como uma tentativa de preservar sua história e valor cultural.

Já como a prática do cuju chegou ao futebol, Joseph Blatter, ex-presidente da FIFA, afirmou em um discurso que formas do esporte foram da China para o Egito, depois chegaram à Grécia e Roma. Evoluíram em outros países europeus até chegar ao Reino Unido. E então lá surgiram as regras oficiais e os campeonatos e, assim, nasceu também o esporte mais popular do mundo.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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