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Atlas: Pequim, China

Os Punhos Harmoniosos e Justiceiros e a rebelião que balançou a China

Apenas 14 anos antes de se dilacerarem nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, algumas das maiores potências do mundo se uniram numa invasão à China. A Aliança das Oito Nações, como o grupo entrou para a história, envolveu Império Austro-Húngaro, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido, Rússia e Estados Unidos – as potências enviaram 20 mil soldados para a Ásia. Do outro lado estava não exatamente o Império Chinês, mas uma sociedade secreta que, com uma enorme dose de nacionalismo e de xenofobia, acabou se tornando um movimento de massa. O nome merece destaque por si só: eram os Punhos Harmoniosos e Justiceiros.

Com roupas coloridas, artes marciais e apenas armas tradicionais chinesas, tipo espadas e lanças, os membros desse grupo acreditavam que seus corpos eram invulneráveis às armas de fogo dos estrangeiros – daí dá pra entender uma parte do nome deles. O movimento, que sacudiu a China de 1899 e 1901, começou de forma espontânea, na área rural, mas logo alcançou a capital e recebeu o incentivo da Cidade Proibida.

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Por conta das técnicas de luta usadas pelos membros do grupo, a rebelião acabou conhecida no restante do mundo como Levante dos Boxers, uma analogia ao boxe. Considerado um episódio de menor importância em vários livros, essa rebelião marcou a história recente da China no período que vai de meados do século 19 até após a Segunda Guerra Mundial, conhecido como século da humilhação. O levante dos Punhos Harmoniosos e Justiceiros determinou os últimos anos do Império Chinês e teve mais eventos dignos de nota do que os nomes inusitados dos combatentes.

A imagem dos Punhos Harmoniosos e Justiceiros se tornou um sinônimo para os combatentes do oriente, em que lutadores de kung fu fogem de balas e vencem confrontos apenas com armas brancas. Numa charge de W. A. Rogers, publicada pelo New York Times em junho de 1900, o Tio Sam usa dois navios de guerra como luvas de boxe, para enfrentar um (assustado) guerreiro chinês, que se defendia com uma espada.

Os Estados Unidos, que tinham acabado de adquirir as Filipinas da Espanha, pretendiam aumentar sua influência na Ásia. E a China, que com as guerras do ópio havia se tornado a colônia de todas as metrópoles, já vivia um aumento da presença estrangeira, com várias concessões dentro de grandes cidades, como Xangai.

levante dos boxers

O surgimento dos Punhos Justiceiros

Os primeiros boxers focavam sua ira em missionários cristãos, estrangeiros que tinham ido viver na China ao longo do século 19, e em chineses que tinham se convertido ao cristianismo. Mas não demorou para que a violência fosse dirigida para estrangeiros em geral. Vale lembrar que a própria entrada dos missionários tinha sido uma das muitas imposições das potências estrangeiras que saíram vitoriosas das Guerras do Ópio, numa desconcertante relação entre o comércio (imposto) de drogas e a presença (também imposta) de missionários cristãos no país.

Para piorar, fome, enchentes, alagamentos e mortes tomaram conta do norte da China no final do século 19, o que aumentou o clima de insatisfação e atraiu atenção para os missionários, que foram vistos, justamente por conta de suas práticas religiosas exóticas, como responsáveis pela situação. Junte tudo isso com jovens com fome, sem emprego e ocupação e surge a receita para um movimento xenofóbico e que muito ensina aos dias de hoje. Foi assim que surgiu, primeiro na província de Shandong, arrasada pela falta de chuvas, a sociedade secreta que tinha por objetivo eliminar forasteiros.

Gritando “matem os estrangeiros”, um canto de horror que, dizem os que o testemunharam, era algo que não se esquecia jamais, os Punhos Harmoniosos e Justiceiros tomaram conta do país. Pelo menos 180 missionários que viviam isolados no interior da China foram caçados e mortos pela turba, que cresceu a ponto de, em junho de 1900, invadir Pequim.

Diana Preston, autora do livro “A rebelião dos Boxers – A história dramática da Guerra da China aos estrangeiros que abalou o mundo no verão de 1900”, conta que dentro das embaixadas de Pequim se entrincheiraram, por oito semanas, 900 estrangeiros e três mil chineses convertidos ao cristianismo. E muitos não conseguiram escapar com vida, incluindo funcionários importantes das embaixadas.

Punhos Harmoniosos e Justiceiros

Foi só com a chegada das tropas das Oito Nações que a rebelião foi derrotada e os estrangeiros e cristãos chineses puderam deixar a região diplomática. Não sem a tradicional entrada de tropas em cidades, que envolveu mais matança, saques e estupros.

Em Pequim, hoje restam poucas marcas do episódio. A Catedral de São José, um templo fundado em 1653, na Rua Wangfujing,  foi totalmente destruída durante a revolta. A igreja foi reconstruída anos depois. Mas a cicatriz mais decisiva foi mesmo a queda da Dinastia Qing e a declaração da República, apenas uma década mais tarde. E um aumento no nacionalismo chinês, algo que Mao Tsé-Tung usaria quarenta anos depois.

Para as potências estrangeiras, europeias ou não, o Levante dos Boxers serviu como um dos passos antes da Primeira Guerra, ao deixar claro o clima nacionalista dominante e o interesse das grandes nações no aumento de suas áreas de influência. No fim das contas, defender seus cidadãos acabou funcionando como um pretexto para que a China fosse novamente fatiada entre os vencedores do confronto.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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