Em Pequim, não ouse falar em outra China. Para o governo da segunda maior economia do mundo, o território chinês é indivisível e Taiwan, oficialmente República da China, é uma ilha rebelde que, mais cedo ou mais tarde, voltará para o controle do país continental, a República Popular da China.
A confusão de nomes – e, claro, a diplomática e com frequentes ameaças bélicas – já dura décadas. A 130 quilômetros do continente, a Ilha de Taiwan, batizada de Formosa pelos portugueses, foi governada por diferentes potências. Espanhóis e japoneses já deram as cartas por ali, mas foram os chineses, sobretudo a partir da dinastia Qing, no século 17, os grandes colonizadores de uma ilha que antes era habitada por povos aborígenes.
De volta ao controle chinês após a Segunda Guerra Mundial, Taiwan acabou virando o centro dos dois lados da guerra civil que tomou conta do país no final da década de 1940. De um lado estavam os comunistas, liderados por Mao Tsé-Tung. Do outro os nacionalistas, que, comandados por Chiang Kai-shek, governavam a China desde 1928.
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Chiang Kai-shek perdeu a queda de braço e fugiu para Taiwan, com ajuda dos Estados Unidos e levando pelo menos dois milhões de chineses. Lá, fundou a República da China, uma espécie de governo no exílio que controlava apenas a ilha, mas demandava o restante do país. Do outro lado do estreito de Formosa, Mao Tsé-Tung e o Partido Comunista chinês decretaram o nascimento da República Popular da China, em 1949. Foi assim que o mundo se viu com duas Chinas, mas passou mais de duas décadas reconhecendo oficialmente apenas uma e ignorando a existência da outra. Até 1971, a ONU entendia que a China era Taiwan e nada mais.
Pequim
Era na capital da ilha, Taipé, que estavam as embaixadas, incluindo a dos Estados Unidos. Também era Taipé, não Pequim, a representante chinesa na ONU. O governo de Chiang Kai-shek foi fundador da ONU e tinha vaga no Conselho de Segurança até o começo da década de 1970. Ditador com um currículo tão vermelho quanto os dos líderes do outro lado do estreito, Chiang Kai-shek governou por 46 anos, somando os períodos em Pequim e em Taipé – mais tempo que qualquer outro governante chinês sem o sangue das dinastias imperiais.
Assim como Mao Tsé-Tung, Chiang Kai-shek saiu do poder direto para o túmulo. E também fez seu sucessor, o filho, Chiang Ching-kuo. Taiwan só se tornou uma democracia, com direito pleno de voto e liberdades civis, já em meados da década de 1990. Mas nesse meio tempo não parou de crescer. Anos antes da República Popular da China começar a erguer arranha-céus e se abrir para o mundo, Taiwan já era um dos tigres asiáticos, com índices de desenvolvimento humano semelhantes aos de países desenvolvidos.
Com dinheiro e amigos poderosos em plena Guerra Fria, Taiwan passou bem pelos anos 1950 e 1960, mas Pequim aos poucos exigiu seu lugar de volta. Em 1971, a República Popular da China conseguiu ser reconhecida na ONU como representante do povo chinês, vencendo a oposição norte-americana e uma eleição que exigiu 2/3 dos votos dos países membros – o Brasil, então governado pelo ditador Emílio Garrastazu Médici, seguiu o voto dos Estados Unidos e se posicionou contra, enquanto toda a Europa, boa parte da África, Ásia e alguns países latino-americanos foram a favor. De uma só vez, a resolução 2758 da ONU “reconheceu a República Popular da China como a única e legítima representante da China nas Nações Unidas e expulsou os representantes de Chiang Kai-shek do lugar que eles ocupavam ilegalmente na ONU”.
De fundadora da organização, Taiwan passou a ser a maior economia do mundo fora das Nações Unidas. Membro do Conselho de Segurança, a China veta qualquer tentativa de retorno da ilha, mesmo após a democratização e perda de poder do grupo de Chiang Kai-shek, seja essa feita em nome da República da China ou mesmo como República de Taiwan, uma nação separada.
É que Pequim nunca admitiu a independência da ilha e, vez ou outra, faz exercícios militares no Estreito de Formosa. Usando o poder comercial, a República Popular da China conseguiu que a maior parte do mundo cortasse relações oficiais com Taiwan, que reage investindo dólares em pequenas nações, como Nauru, Honduras e Suazilândia, países que frequentemente apresentam na ONU petições pelo retorno da ilha.
Oito anos após a entrada da República Popular da China na ONU, os Estados Unidos inciaram relações diplomáticas com Pequim e cortaram laços oficiais com Taiwan – nessa época a China já tinha rompido com a URSS. Um tratado militar e uma base dos EUA na ilha foram desfeitos, mas o Congresso norte-americano transformou em obrigação legal a proteção de Taiwan pelos EUA em caso de ataque ou provocação por outro país. Como consequência, o governo norte-americano passou décadas vendendo armas para Taiwan ao mesmo tempo em que reforçava laços com Pequim.
Taipé (Por FenlioQ, Shutterstock.com)
China e Taiwan: aumentando a tensão
A eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e a de Tsai Ing-Wen, primeira mulher a governar Taiwan e que tem uma agenda separatista, aumentaram a tensão na já complicada relação entre os EUA e a China, agora comandada por um Xi Jinping elevado à categoria Mao Tse Tung no panteão do Partido Comunista Chinês. Um telefonema entre Trump e Tsai Ing-Wen, anunciado pelo político dos EUA, foi o suficiente para gerar protestos de Pequim, que faz questão de deixar claro que nenhum líder de Taiwan é chefe de estado.
O acirramento da guerra comercial entre as duas maiores potências do mundo e a inauguração de uma nova sede de um instituto dos Estados Unidos em Taipé, onde, por força de acordos diplomáticos, não pode haver uma embaixada, também contribuíram para o aumento dos problemas. Por fim, o boato de que os Estados Unidos pretendem mandar soldados para defender esse instituto – medida que só é tomada em embaixadas e representações diplomáticas – elevou ainda mais o tom do debate.
Enquanto a China pressiona até empresas áreas a mudarem o nome dos aeroportos de Taiwan, na venda das passagens, de modo a deixar claro que aquele é território chinês, os Estados Unidos parecem dar passos na direção contrária. Numa carta ao The Guardian, em março de 2018, um representante da Embaixada chinesa em Londres deixou clara a posição chinesa: “Existe apenas uma China no mundo e Taiwan é uma parte inseparável dela”.
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o um texto muito vagabundo. Médici era ditator e Mao Tsé Tung não. O povo chinês foi morto de fome ou fuzilado por Mao e nunca se teve fuzilamento aqui feito por Médici. Cheang Kai-Chek era ditador, mas o povo dele não foi dizimado como o de Mao.
Oi, Henrique. Mao Tsé Tung era certamente um ditador. Médici também. Não passo pano pra ditaduras não, sejam de esquerda ou de direita – a democracia, sempre, deve ser o alvo. Se fuzilaram centenas de milhares ou 500? A diferença está só na repetição do crime, mas toda vida importa. Os dois foram ditadores.
Sinceramente, não faço a menor ideia de onde você tirou sua interpretação para esse texto, já que nada disso é debatido aqui, o artigo se concentra no factual, na história de Taiwan.
onde estão as referências bibliográficas?
Oi, Mariana. Tem vários textos linkados ao longo do post. 🙂